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Capítulo 12 de
« BILAN »: CONTRA-REVOLUÇÃO NA ESPANHA
Jean Barrot
O P.O.U.M.
Para a imensa maioria dos grupos de esquerda e extrema
esquerda da época, a revolução burguesa estava por fazer na Espanha
[1]. Todos os que sustentavam esta tese concordavam quanto à debilidade da
burguesia espanhola. Segundo eles, a revolução burguesa seria derrotada se não
demonstrasse mais audácia, se não fosse mais “popular” do que nos paises
capitalistas modernos. Porém, divergiam a respeito do caráter mais ou menos
radical dessa superação. Só
havia um jeito de consegui-lo: a “unidade”. Num artigo de “Masses”, A.
Patri citava como exemplo a Catalunha, onde o Bloco Operário e Camponês e o
Partido Socialista tinham se aliado: “Antes que um general desembainhe outra
vez sua espada, é necessário que o movimento operário se constitua na
Espanha. É a única possibilidade
de salvação” [2].
Trotsky acreditava na necessidade de uma fase democrática,
realizada pela classe operária que a forçaria a ir mais longe, até a
revolução socialista. A
este esquema de “revolução permanente”, ou seja, de nexo indissolúvel
entre as duas fases, o P.O.U.M. opunha a tese de uma etapa democrática burguesa
distinta, na qual o proletariado faria “pressão” sobre a revolução
burguesa sem assumir suas tarefas.
Em 1931, o P.O.U.M. definia a próxima revolução
espanhola como um novo 1789: “O mercado interno se ampliará em proporções
fabulosas e a indústria sairá de seu raquitismo tradicional” [3].
Havia indecisão no P.O.U.M.: Maurin defendia uma estrutura governamental
burguesa; Nin preferia novas estruturas de poder (“juntas revolucionárias”).
Esta questão se ligava a outras divergências no P.O.U.M. Maurin era próximo
ao separatismo de diversas províncias, enquanto Nin recomendava uma solução
que ligasse unidade nacional e autonomia regional.
O ex-BOC dirigido por Maurin e que dava ao P.O.U.M. o grosso dos
militantes, estava mais inserido na situação real e sofria ainda mais as pressões
democrático-reformistas, que não afetavam o pequeno grupo de Nin, vindo do
trotskismo. Mas a divisão
Maurin-Nin não teve qualquer efeito prático durante a guerra. Maurin, prisioneiro dos nacionalistas, era tido por morto.
Nin dá ao P.O.U.M. um discurso de esquerda e uma orientação de
direita.
Na metade de 1936, o espectro político da esquerda
espanhola diferia do de outros países. O
movimento operário tradicional, era basicamente a C.N.T., e, em menor medida, o
PSOE e sua central sindical UGT. O
P.C. era muito fraco, comparado ao “centrismo” representado pelo P.O.U.M.
(mas, como vimos, Bilan qualifica o P.C.
de “centrista”). O
P.C.E. só se desenvolverá no poder, com o controle do Estado e o apoio russo.
Desde 1934-1935, o P.O.U.M. defendia a frente única, enquanto o P.C.E.
defendia a linha “sectária” dita “classe contra classe”.
Generalizando a experiência das Astúrias e da Aliança Operária de
1934, o P.O.U.M. recusou no começo a Frente Popular, propondo a Aliança Operária.
Rejeitava no plano eleitoral aquilo que no fundo aceitava, incapaz de ver
que o problema estava antes de tudo na natureza das organizações
“operárias”, não importando se unidas numa frente de “luta” ou numa
coalizão parlamentar.
Depois de julho de l935, frente ao PCE que dizia:
“sobretudo, nada de socialismo, defendamos somente a democracia”, o P.O.U.M.
sustentava: “nós lutamos pela democracia e pelo socialismo”.
Jamais buscou os meios, nem indicou que a condição de uma luta pelo
socialismo era uma ruptura efetiva com o capital. P.C. e P.S. arregimentavam as
massas. O P.O.U.M. servia para
justificar a guerra de um ponto de vista “revolucionário”.
No final de 1936, ele queria “um governo operário e camponês ... que
não derrame sangue por uma república democrática, mas por uma sociedade
liberada de toda exploração capitalista” [4]. O
P.O.U.M. foi, então, levado a colidir com o Estado espanhol e com a Rússia,
sem jamais atacá-los frontalmente: uma política suicida.
Mas a repressão que sofreu não faz dele um grupo revolucionário.
As reformas apoiadas pelo P.O.U.M. (como a da Justiça,
no ministério Nin) foram abandonadas, tendo cumprido sua função, que era
iludir as massas para desviá-las da luta contra o Estado. As coletivizações agrícolas e industriais exprimiam um
enorme ímpeto revolucionário. Mas
tais impulsos, se não superam os limites políticos (Estado) e sociais
(economia mercantil) capitalistas, estão condenados. A fim de contribuir para a
evolução de tais formas além desses limites, a crítica revolucionária se
faz mais incisiva, mostrando até
onde o capital pode ir para se reformar, cedendo em tudo para manter o
essencial. O P.O.U.M. fez o contrário. Reconheceu que o Estado permanecia como
antes, inclusive em suas funções chave: “O P.O.U.M. não consegue
absolutamente influir sobre a policia” [5].
O que não o impediu de estimular transformações econômico-sociais,
privadas então de qualquer fundamento.
O P.O.U.M. foi incapaz de ver, em maio de 1937, uma vitória
do Estado, que atacou e fez ceder (depois de uma viva resistência) os operários
que ainda acreditavam nele, embora se opusesse a eles pelas armas.
O P.O.U.M. e a C.N.T., que haviam apoiado o Estado em julho de 1936,
outra vez buscaram o compromisso com ele em maio de 1937, e chamaram - com
sucesso - os operários a depor as armas [6].
O P.O.U.M. e a C.N.T. aceitam a vinda a Barcelona de 5.000 soldados de
Valência. O caráter centrista do P.O.U.M. fica evidente com o fato de que
visava, sobretudo, convencer uma organização “operária” não revolucionária
(a C.N.T.) a agir de maneira revolucionária, antes de conduzir ela mesma uma
atividade minoritária. Sua
contradição era querer a conquista do poder sem deixar de apoiar o poder
estatal existente. Tão logo o Estado perceba que tem as mãos livres, a liquidação
começa.
"O 19 de julho [1936] foi uma vitória militar,
mas uma derrota política. A pesar de tudo que se fez depois, o erro era irreparável.
A partir de setembro, as forças “da ordem”, tendo se recuperado,
contra-atacaram. Na realidade, as
jornadas de maio [1937] não foram uma ofensiva revolucionária, mas uma batalha
defensiva condenada à derrota.” [7]
A repressão consecutiva não abriu os olhos dos chefes do P.O.U.M.:
acuados, frente às calúnias, às torturas e aos processos, eles denunciam
sempre os partidos (socialista e staliniano), nunca o Estado. Só
uma minoria se rebelou amargamente contra a direção. Uma célula de Barcelona concluiu, com provas na mão, que a
linha oficial do partido equivalia a apoiar o Estado vigente [8].
Assim, em 21 de julho de 1937, o P.O.U.M. solicitou a “formação de um
governo com a participação de todos os componentes da Frente Popular”. Essa
célula comentou: “ou seja, um governo daqueles que nós acusamos como responsáveis
pela sublevação militar”. Mais adiante: “O único ponto que, de modo indireto,
concerne ao problema do poder é o no. 8 [das teses do partido]: “Revisão da Constituição da Catalunha num
sentido progressivo.” Sem dúvida,
é por meio desta revisão que os trabalhadores alcançarão mais tarde a
ditadura do proletariado, de que fala o camarada Nin. ”
Mas essa minoria jamais conseguiu (até onde sabemos)
definir outra perspectiva, nem mesmo provocar uma cisão positiva.
[1] Segundo A. Leonetti, velho troskista
retornado ao P.C., o jornal do P.C.I. teria dito em 1931 que o advento da
Republica espanhola não mudara grande coisa: vestígio de esquerda ou
influencia do «terceiro período» sectário da I.C.? Bordiga teria comentado
essa posição, dizendo: «O partido volta para mim.» Cf. Notes
sur Gramsci, E.D.I. 1974. pp. 199 sq.
[2] No. 11. 25 novembro 1933.
[3] Alba. Histoire du P.O.U.M. Champ Libre, 1975, pp. 40 et 69-70
[4] C. Rama, La crise espagnole au XXe siècle, Fischbacher,
1962, p. 219.
[5] Alba, op. cit., p. 206.
[6] Alba, op. cit., pp. 272, 276, 284-5.
[7] Alba, op. cit., P. 279.
[8] In L'Internationale, no.
30, 10 agosto de 1937.