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Capítulo 18 de
« BILAN »: CONTRA-REVOLUÇÃO NA ESPANHA
A
LIGA DOS COMUNISTAS INTERNACIONALISTAS
A
evolução da Liga dos Comunistas Internacionalistas da Bélgica é comparável
à da União Comunista, sobre a Espanha, ainda que a L.C.I. tenha posições bem
mais claras sobre o antifascismo. Enquanto a U.C. publica durante muitos anos L’Internationale
- um jornal para influenciar a base das organizações “operárias”, antes
de se tornar uma revista policopiada -, o Bulletin da L.C.I. se
apresenta como um órgão teórico. A U.C. exprime uma reação sadia, mas
superficial, pelo menos até 1936. A
L.C.I. traduz um esforço real de clarificação teórica, e não foi por acaso
que ela colaborou muitos anos com Bilan antes de se separarem por causa
da Espanha.
Depois
da vitória eleitoral da Frente Popular, o Bulletin [1]
vê “uma frente de esquerdas burguesas com suas tendências moderadas e
extremas que se junta à frente das direitas, onde o mesmo fenômeno se
manifesta”. Por exemplo, o
partido do radical-socialista Maura rachou em dois, seguindo a bem conhecida
“política de oscilar entre esquerda e direita”.
No conjunto, a análise do fascismo é idêntica à de Bilan.
A Bélgica é um exemplo de país industrializado, onde o movimento operário
está muito integrado ao Estado, a L.C.I. enfatiza regularmente que a democracia
tem o mesmo programa – de união forçada das classes – do fascismo.
Mas a Liga enfrenta importantes divergências, antes de julho de 1936,
que cristalizam a questão eleitoral, na qual se esboça a clivagem posterior
sobre a questão espanhola. Hennaut (dirigente da Liga) preconiza, na primavera
de 1936, o apoio eleitoral ao Partido Operário Belga.
Jehan (que animará a cisão minoria próxima de Bilan) propõe
a abstenção [2].
Essas
divergências repercutem, depois de julho de 1936, e exigem uma cisão: nenhuma
colaboração é possível entre os que apóiam a luta armada antifascista e os
que pregam a deserção nos dois campos. Os
artigos de Hennaut e de Jehan, escritos quase que ao mesmo tempo, revelam duas
abordagens diferentes. Hennaut está
consciente do caráter contra-revolucionário do antifascismo, mas,
contrariamente a Jehan, não considera decisiva a não-destruição do Estado,
em julho de 1936. Lá onde Jehan
considera o momento da ruptura (que não se produziu), Hennaut se liga
ao movimento. Para
Hennaut, Jehan fixa a evolução social sobre uma fase e reduz o proletariado ao
partido, isto é, aos elementos já conquistados para o comunismo,
negligenciando assim as possibilidades de influenciar outras camadas ainda em
movimento. Para Bilan,
segundo Hennaut, não haverá revolução na Espanha porque não existe partido.
Esta crítica fundamental é aprofundada numa análise mais geral, que
inclui a revolução russa, sobre a natureza do socialismo, da revolução e,
portanto, do proletariado. Obnubilada,
depois dos bolcheviques, pela questão do partido, a esquerda italiana
interpretou tudo à luz da formação ou da carência do famoso partido. Mais tarde, tal crítica
será retormada, para fins de polêmica medíocre.
Num artigo de Socialisme ou Barbárie – “La crise du
bordiguisme italien”, escrito em 1952 –, A. Vega ataca a negação do
“papel ativo” e a idéia de uma luta de classes “eclipsada”
[3]: “...por
exemplo, em lugar de ver na subversão revolucionária de julho de 1936 na
Espanha a conclusão de um longo período de luta de classes, limita-se
a registrar uma ´explosão operária´ (?) de alguns dias, seguida de
uma ´guerra imperialista´. A classe operária apareceu durante 24 ou 48 horas, mas logo
desapareceu. Os combates continuam,
porém. Há, então, guerra.
Estamos no período das guerras imperialistas, portanto, é uma guerra
imperialista! E, com a ajuda do ´leninismo´,
vimos a Esquerda Italiana declarar (ao preço de uma cisão, é verdade...) que
a palavra de ordem para a Espanha é a fraternização: fraternização dos operários
armados com a guarda civil, os legionários e os falangistas.
Esta interpretação torna completamente inexplicável a insurreição
dos operários de Barcelona, em maio de 1937, apresentada como um massacre dos
proletários, reduzidos ao papel de vítimas passivas pelo governo
republicano.”
Para
Vega: “Os trabalhadores espanhóis... de 1930 e 1936 puseram constantemente em
causa as bases do regime capitalista,... em 1936, destruiram suas instituições
fundamentais, assumiram a gestão das fábricas e dos transportes...”
Cada
um apreciará, a seu modo, esse resumo e a prestação de contas dos fatos.
Recentemente, um velho membro da União Comunista evocava igualmente “a
posição delirante dos bordiguistas belgas e de Vercesi (não há partido
bordiguista na Espanha - portanto, não há revolução) sobre o movimento
revolucionário na península... Os bordiguistas da Bélgica, pouquíssimos,
tinham uma posição aberrante... e, por exemplo, não compreenderam nada das
jornadas de maio de 37, o Kronstadt espanhol (guardadas todas as proporções)
...” [4].
A
crítica dirigida à esquerda italiana, de reduzir a classe ao partido, é bem
fundada e mal infundada. Lendo Bilan
com seriedade, percebe-se que essa revista fala de ausência do “partido” na
Espanha apenas onde os movimentos proletários, antes de e em 1936, não
atingiram o mínimo que exigiria uma organização comunista correspondente. No conjunto, a análise continua materialista: não há
partido porque a classe não o criou. A
experiência proletária anterior não pôde suscitar uma ação e, portanto,
uma organização que rompesse com o capital o suficiente para desempenhar um
papel decisivo no período crítico em que a sociedade poderia oscilar num
sentido ou outro. Falar de ausência de partido é avaliar a força e as
capacidades dos proletários espanhos. E
não deplorar a não criação pelos revolucionários de um centro
dirigente.
É
verdade, porém, que Bilan manifesta uma tendência à idealização do
partido, que continua ainda limitada e não apreende o essencial da análise,
mas faz parte da herança da esquerda italiana. É menos um traço
‘leninista’ (que só virá depois) do que um aspecto social-democrata radical
adquirido pela esquerda italiana antes de se encontrar com os bolcheviques e Que
Fazer? Esta idealização da organização e dos princípios era, antes de
1914, uma das soluções (ilusórias) dos elementos revolucionários da Segunda
Internacional para escapar do reformismo dominante.
Bordiga a concebeu separadamente de Lênin, e de modo mais profundo, na
medida em que não estava marcado pela tese kautskista da ‘consciência’ a
ser levada ao proletariado, o que dava ao partido que ele descrevia uma concepção
mais materialista do que a de Lênin. Somente
mais tarde, o contato entre os italianos e a Terceira Internacional reforçará
o idealismo do partido, mas Bordiga conservará sempre sua abordagem original. Depois de 1945, a superestimação do partido será
desenvolvida por ele sob as formas mais brilhantes e também as mais contraditórias,
ainda que ele tenha dito que o partido era fator e resultado da revolução [5].
Seus herdeiros exageraram suas contradições até a caricatura. Com a ajuda do
ativismo, o partido se torna a alma que espera seu corpo.
Uma
diferença profunda separa, no entanto, essas teorizações de Bilan. A
distinção - admitida nos anos trinta entre “fração” (grupo que mantém e
desenvolve a teoria, com uma prática muito limitada, num período de recuo), e
“partido” (organização comunista do movimento proletário) – foi
esquecida pela esquerda italiana depois de 1945, pois ela se constitui em
“partido”, primeiro na Itália (1943-1945), depois à escala mundial
(Partido Comunista Internacional).
Num
plano mais vasto, Bilan reproduz os limites da esquerda italiana em sua
visão da revolução e, em particular, seu exagero da experiência russa.
Mas essa revista era aberta para outras concepções e – sobretudo –
à reflexão sobre o conteúdo do comunismo como destruição da lei do valor,
através de um longo resumo dos Princípios de Base da Produção e Repartição
Comunistas, texto fundamental sobre o tema [5 bis]. Como Hennaut assinala, era para ele o ponto de partida de uma
reflexão diferente sobre o socialismo, embora Bilan não o
considerasse mais do que um ponto a especificar.
Ou seja, a crítica histórica da revolução russa e de sua degeneração
jamais foi feita pela esquerda italiana, nem à época de Bilan nem
depois, apesar dos inúmeros textos de Bordiga a respeito.
Contudo, os adversários da esquerda italiana, de um modo geral, não
superaram os limites dessa proibição a não ser para cair total ou
parcialmente numa ou outra forma de conselhismo, substituindo uma visão
limitada por uma outra. Uma nova
panacéia (a magia da democracia e gestão operárias) substitui a antiga (a
magia do partido). As polêmicas
sobre a Espanha fizeram amadurecer as divergências e exageros respectivos –
signo da incapacidade para apreender a totalidade.
A
esquerda italiana afirma com razão que os revolucionários não são obsecados
pelo medo de se tornar um novo poder ou de se impor à “maioria”. Toda
revolução é feita por uma minoria, ainda que importante, o que não impede a
revolução comunista de ser obra da maioria, o conjunto dos homens tendendo a
assumir progressivamente sua própria existência. Mas o papel mais ativo é
desempenhado pela minoria. O
essencial é que as medidas decisivas sejam tomadas, mas não “decretadas”,
efetuadas realmente, mesmo que seja por uma minoria, inicialmente (nada a ver
com as “minorias atuantes” do sindicalismo revolucionário, no qual um
pequeno número é incumbido de dar o bom exemplo e dirigir as coisas).
As bases materiais dum novo “poder” não estão no agir minoritário
e muitas vezes ditatorial, mas na manutenção dos fundamentos do capital. O
fator essencial não são as relações de dominação, mas as relações
de produção da vida (material, afetiva, simbólica etc.).
A
revolução comunista só triunfará se for capaz de atrair, num prazo mais ou
menos curto, as amplas massas, nutrindo-se de sua intervenção na vida social
em todos os níveis (cf. “Revolução Política e Social”).
Ao contrário, uma “revolução” que se oponha sistematicamente aos
operários deverá reprimir as greves e não mudará nada ou quase nada do CONTEÚDO
da sociedade (isto é, o essencial), - negando-se como revolução proletária.
Foi o que aconteceu na Rússia. Mas
não invertamos a explicação: foi porque a sociedade não foi revolucionada
que o partido bolchevique conseguiu impor a ditadura de um estado não proletário,
não comunista, que não poderia sobreviver senão desenvolvendo o regime
salarial e, portanto, um estado capitalista.
Os insurretos de Kronstadt não eram certamente comunistas, mas aqueles
que os massacraram agiram como verdadeiros anticomunistas, reprimindo um
movimento elementar ao nome de uma ditadura do proletariado que só existia
nominalmente (pouco importam as intenções e o moralismo, que nos é estranho).
Nem Kronstadt nem o estado bolchevique representavam a revolução
comunista: simplesmente, a luta de classes prosseguia sob formas elementares –
às vezes, pelas armas.
A
esquerda italiana nega a realidade das lutas operárias a pretexto de que o
poder continuava “proletário”. Um poder só é revolucionário se favorece
a revolução, no interior e no exterior, o que não aconteceu (cf. o curso
direitista imprimido à I.C. – que se deixou levar – pelos bolcheviques).
Ao contrário do que disse Bordiga, depois de 1945 [6],
a revolução russa soçobrou na violência contra os proletários
(repressão às greves e outras lutas, militarização do trabalho, processos
stalinistas etc.). Os operários tomaram o poder em 1917 e o perderam muito
depressa – definitivamente em 1921, mas no essencial antes.
O
aspecto burguês está quase sempre presente no bolchevismo e em Lênin, que são
profundamente contraditórios [6 bis]. Este aspecto
poderia ter sido minimizado, se uma revolução mundial fosse vitoriosa: o
fracasso de suas tentativas maximizou-o. Mas esta não foi a causa decisiva da involução
(Bordiga) da revolução russa: por que, então, os proletários a aceitaram?
Postular um antileninismo sistemático é falsificar a perspectiva e interditar
a verdadeira crítica: a da natureza do movimento social daquela época, de sua parcialidade.
Hennaut foi menos capaz de tal crítica do que Bordiga, que apenas a
intuiu.
A
grande diferença entre a Liga dos Comunistas Internacionalistas e a União
Comunista a respeito da Espanha é que a Liga atribuía mais importância à
evolução interna do país do que à pressão internacional (sobretudo, russa),
como fator de reforçamento da contra-revolução na Espanha.
Em novembro de 1936, depois de ter mostrado os efeitos da não-intervenção,
Hennaut questiona “Aonde vai a Revolução espanhola” [7]:
“A modificação essencial aconteceu na frente interna da revolução
espanhola. O governo de Madri, que continua sendo o governo do capitalismo
espanhol, retomou firmemente em suas mãos as rédeas do poder que por instantes
lhe pareciam escapar. As milícias operárias obedeciam docilmente as ordens dos
militares republicanos... A partida ainda não estava completamente perdida, mas
as posições dos operários espanhóis tinham sido seriamente comprometidas.
Assim, realizaram-se as condições para a reabsorção da revolução na geléia
geral dos imperialismos que então se preparava.”
Mesmo
considerando que depois de maio de 1937 a guerra de Espanha adquiriu um caráter
imperialista, os grupos como U.C. ou a Liga hesitavam em lançar a palavra de
ordem do “derrotismo revolucionário”.
Tal apelo só poderia ter um valor de princípio (cf. “Questão
Nacional”). A esquerda italiana tendia a viver uma repetição geral de
1914-1918, e raciocinar em termos da esquerda de Zimmerwald.
Esta ilusão ultrapassa muito um simples erro de apreciação do período.
Certo, essa corrente pôde acreditar numa retomada possível do movimento
antes, depois ou durante o desencadeamento da futura segunda guerra mundial.
A mudança de título, de Bilan para Octobre, em
1938, equivale por si mesma a um programa.
Sobre a cobertura de Bilan, podia-se ler esta menção, muitas
vezes repetida: “Lênin 1917 – Noske 1919 – Hitler 1933”. Era uma
revista de resistência, numa conjuntura “historicamente desfavorável”.
Octobre traduz bem a idéia (ou antes, a esperança) da passagem
a uma outra fase.
Mas
há mais. A esquerda comunista, de
todo modo, não podia mais desempenhar o papel da esquerda socialista
depois de 1914. O derrotismo
revolucionário correspondia, em 1914, à atitude de pelo menos uma fração do
proletariado, e se exprimia por canais limitados ainda que reais. Partidos
inteiros – como o partido bolchevique e partido sérvio (bem implantados,
embora minúsculos) – recusaram a União Sagrada. A situação era bem outra
no final dos anos trinta. A diferença
não era quantitativa, mas qualitativa. A esquerda comunista estava separada do “movimento operário”,
ela não tinha suas raízes, não dispunha de contatos sérios nem apoios.
Ao contrário da extrema esquerda social-democrata depois de 1914, a
esquerda comunista enfrentava organizações operárias integradas ao capital, e
não restava nenhuma minoria proletária. Toda atividade da esquerda italiana é
atravessada, até hoje, pelo mito (tomado da I.C.) da re-forma de um
“verdadeiro” movimento operário. Há
a idéia de reconstruir as mesmas organizações operárias (econômicas
e políticas, com a divisão sindicato-partido) – agora, com novos princípios
(de luta de classe) –, sem compreender que a renovação proletária se faria
de outra maneira (isso não implica uma mudança total, ou então seria necessário
demonstrar que capital e proletariado mudaram de natureza, o que não é o
caso).
[1]
Qüinquagésimo ano, no.
3, março 1936.
[2]
Cf. os nos.
de abril e maio de 1936. O no.
de junho relata a conferência. Três pontos sublinham as divergências: a
natureza dos movimentos de massa no período, as correntes de esquerda saídas
da social-democracia e a formação do partido.
A tendência próxima de Bilan defende genericamente as posições
radicais contra a tentação centrista, mas se ilude sobre a experiência da
I.C. Não se pode examinar a formação do partido nem pelas contribuições
variadas e confusas, nem a partir do núcleo saído da I.C.
Na
questão eleitoral, Hennaut propunha votar por uma das três listas “operárias”
(socialista, socialista dissidente ou PC).
A conferência se pronunciou favorável (15 votos contra 9, dos que
defendiam a abstenção). A nova
direção inclui 4 representantes da maioria e 1 da minoria.
Para
compreender a perplexidade dos revolucionários diante das eleições é necessário
lembrar que mesmo a esquerda alemã não tinha, em 1920, uma posição clara.
A maioria considerava que as eleições desviavam os proletários da
revolução em período de aguçamento da luta de classes. Somente Rühle
compreendeu que a época em que os revolucionários participavam da vida
eleitoral estava irremediavelmente terminada, porque tudo que a cercava havia
desaparecido: grandes partidos socialistas com minoria radical, papel
relativamente progressista da democracia em certos casos, etc. A questão
abstencionista não se põe porque o velho movimento operário não existe mais.
Bordiga sempre a considerou um ponto tático: o PC fundado pela
esquerda depôs de 1943-1945 (cf. nota 3 do capítulo Esquerda Italiana?) participará depois de 1945 das eleições.
Hoje ainda, o PC Internacional recorre ao voto em determinadas situações
(por exemplo, referendum sobre o divórcio, na Itália).
[3]
No.
11, novembro-dezembro de 1952.
[4]
Carta de Chazé à La Jeune Taupe, op. cit.
[5]
Cf. Renversement de la praxis, in Programme Communiste. no.
56, pp. 55-62.
[5
bis] O
resumo de Principes de base publicado nos nos. 19, 20 e 21 de Bilan
foi publicado no no. 11 dos Cahiers du Communisme de Conseil.
[6]
Invariance, 1a série, no.
9, p. 71.
[6
bis]
Cf. Pannekoek, Lénine Philosophe, Spartacus, 1970; Barrot, Guillaume,
postfácios a Kautsky, Les trois sources du marxisme, Spartacus, 1969;
e Authier, préfacio a Trotsky, Rapport de la délégation sibérienne,
Spartacus, 1970.
[7]
Boletim da L.C.I. novembro de 1936.
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