Capítulo Anterior: A LIGA DOS COMUNISTAS INTERNACIONALISTAS |
Próximo Capítulo: Esquerda Italiana? |
Capítulo 19 de
« BILAN »: CONTRA-REVOLUÇÃO NA ESPANHA
A Esquerda Alemã
Como a “esquerda italiana”, a “esquerda alemã” [1]
– que foi muito atuante, sobretudo nos países baixos e nos EUA – afirma que
o fascismo é uma tendência do capital, impulsionada por todos os que se situam
em sua lógica, a começar pelos democratas. International
Council Correspondence, revista animada por P. Mattick, dedicou inúmeros
artigos à demonstração de que o fascismo existe nos países democráticos,
entre eles os Estados Unidos. O I.C.C.
escreveu, em setembro de 1935: “o velho movimento operário tenta se livrar do
fascismo aderindo a ele”, e denunciou “os concorrentes do fascismo”.
Depois, em dezembro: “De todos os contra-revolucionários efetivos e
potenciais, os mais desprezíveis são, sem dúvida, os socialistas” [2].
A revista comenta assim as eleições de 1936, na França [3]:
“Há derrotas que são vitórias, e vitórias onde se esconde a derrota... Na
realidade, os operários franceses sofreram sua primeira derrota decisiva na
luta contra o capital... Quem quiser lutar contra o fascismo deve, hoje, lutar
contra Blum e a Frente Popular. Deve
afirmar esta verdade: a “vitória” francesa é de fato o início de toda uma
série de derrotas. Os operários
estão no mau caminho; com Blum e Thorez, eles marcham em linha reta para o
fascismo.”
Mas a análise dos acontecimentos espanhóis, posteriores
a julho de 1936, negligencia o que ocorreu em julho de 1936.
Segundo o número de outubro de 1936 [4], o
problema não é que as milícias sejam ou não integradas ao exército regular,
mas – sobretudo – que restem milícias (e em que proporção) cuja atividade
não se integra à defesa do Estado, como o faria um exército regular. Se os
nacionalistas vencerem, os operários serão esmagados: “Mas mesmo sua derrota
não pode mudar a situação, que é objetivamente madura para a revolução.”
O número seguinte (novembro de 1936) reproduz um apelo da F.A.I., que pede
armas.
Preocupada com a democracia operária, a esquerda alemã
deixa de lado algumas noções elementares sobre a natureza da revolução e
privilegia a margem de autonomia que pode ainda restar aos proletários, apesar
do enquadramento total das milícias pelo Estado, subestimando o enquadramento.
Seu antibolchevismo sistemático e seu formalismo antipartido a confundem, a
ponto de ver no anarquismo espanhol uma forma de organização que – apesar de
seus defeitos – é útil para uma atividade proletária autêntica.
Comparando, por outro lado, o P.O.U.M. aos bolcheviques (!), I.C.C. verá na CNT catalã “uma força revolucionária”: equívoco
flagrante, tanto mais grave por ter sido essa avaliação afeita em abril de
1939, quando toda a informação disponível demonstrava o contrário. O
preconceito antipartidário levou a esquerda alemã a abandonar uma de suas
contribuições decisivas: a crítica dos sindicatos. Ora, o que era a CNT senão
uma central sindical? Neste ponto, a I.C.C.
está mais atrasada do que a União
Comunista e a LCI belga. Mas, como esses grupos, I.C.C. vê rapidamente o reforçamento da contra-revolução, e
escreve, em março de 1937: “Até o presente momento, o que ocorreu foi –
mais por imposição da necessidade de ganhar a guerra – um controle da produção,
e não uma verdadeira socialização... O socialismo ainda não está implantado
em Espanha, e tampouco se desenvolve. Para fazê-lo, é necessário aprofundar a
revolução; ora, o que se faz atualmente é contê-la.”.
O I.C.C. publicou
uma critica rigorosa do anarquismo, mas o autor do artigo viu o fracasso do
anarquismo na concepção econômica
do socialismo, não na questão do poder político [5].
H. Wagner se limita à “falsa” gestão operária e à “má”
supressão da lei do valor pela coletivização anarquista: só a organização
dos conselhos, diz Wagner, retomando a tese dos Princípios
de Base... permite o cálculo do
tempo de trabalho social necessário à produção dos bens.
Como já expusemos, esta concepção tem o grande mérito fundamentar a
exigência da destruição da economia e do valor mercantil, numa época em que
a esquerda italiana, por exemplo, ignora o problema. Embora o faça baseada em
noções que é necessário criticar [6].
Paradoxalmente, tal sistema revigora o que quer anular: o tempo de
trabalho social médio nada mais é do que a substância do valor e a base do
capital. Sua produção é o que regula a sociedade capitalista. A esquerda alemã
desejaria substituir sua ação espontânea e anárquica por um cálculo consciente,
afinal possível graças aos conselhos operários, únicos em sua capacidade de
conhecer (exatamente e sem a intermediação da moeda)
a quantidade de trabalho social médio materializado em cada produto.
Sobretudo, essa tese revela uma concepção economicista
da revolução, na qual se trataria antes de fundar as bases duma economia
racional, planificada. Na época,
nenhuma corrente da esquerda comunista sequer colocava o problema.
A esquerda alemã nega a questão política, que Bilan
põe no centro de sua análise e termina por privilegiar (cf. “Revolução Política
e Social”). A crítica dos anarquistas por Wagner não acompanha qualquer análise
dos eventos de julho de 1936. A
questão do Estado é escamoteada. Se as transformações sociais são
corretamente vistas pelo I.C.C. em sua diversidade, o poder político não é visto em sua
unidade, e principalmente na sua existência concentrada sob a forma do Estado.
Wagner se junta à posição anarquista quando assimila a revolução a uma
emancipação geral desprovida de centro de gravidade (situando o único fator
de unificação no nível econômico)
– para “organizar seu poder contra a burguesia”, os operários devem
“antes de tudo, liberar suas organizações de fábrica da influência dos
partidos e dos sindicatos oficiais”. A
questão do poder é compreendida na sua extensão a toda a sociedade, não como
totalidade.
K. Korsch analisa a guerra de Espanha na revista (agora
denominada Living Marxism) em 1938 e
1939 [7]. Não somente não faz qualquer crítica de
fundo à CNT-FAI, mas nem mesmo tira as conclusões do que ele mesmo havia
mostrado: a burguesia jamais perdeu o poder do Estado, que apenas sofreu “um
momentâneo eclipse”. Seu erro foi transpor para um período revolucionário
de sua vida a mesma concepção da revolução como socialização
progressiva, que ele havia
defendido no seu período reformista. As medidas não são as mesmas, mas o
mecanismo permanece: a revolução será uma tomada dos meios de produção
pelos trabalhadores, a questão do poder não terá qualquer especificidade e se resolverá em todos os órgãos da vida social.
O capital é concebido mais como modo de gestão do que como modo de
produção, o comunismo mais como organização da produção do que como
atividade. Mas a revolução só pode se manifestar como processo se for também
ruptura, inclusive ao nível político. A esquerda italiana hipertrofia o político,
a esquerda alemã o dissolve no econômico.
Notas:
[1]
Cf. Authier, Barrot, La gauche communiste en Allemagne, anexos I e II,
sobre a esquerda alemã e holandesa nos anos trinta.
[2] «
Portrait de la contre-révolution ». Composto de três revistas – International
Council Correspondence, Living Marxism et New Essays (1934-1943)
–, reimpresso por Greenwood Corp., Westport, Conn., U.S.A., 1970. Uma
seleção (muito orientada para o aspecto anti-burocrático e anti-leninista)
foi feita em La contre-révolution bureaucratique, U.G.E., 10/18, que
cita em anexo os títulos dos principais artigos. Cf. também o texto de Mattick «De Marx à Hitler»
(sobre Kautsky ), in Intégration capitaliste et rupture ouvrière, E. D.
I., 1972.
[3] «La
défaite en France».
[4] «La
guerre civile en Espagne!»
[5] «L’anarchisme
et la révolution espagnole», no. de junho
de 1937, in La contre révolution bureaucratique, op. cit., pp. 209-38.
[6]
Barrot, Contribution à la critique de l’idéologie ultra-gauche, in
Communisme et « question russe », La Tète de Feuilles, S.E.F., 1972.
[7]
No
de maio de 1938 e abril de 1939, reproduzido in Korsch, Marxisme et contre révolution,
Seuil, 1974, pp. 242-51. Segundo o apresentador, S. Bricianer, Korsch recusou-se
«as comodidades do fatalismo histórico e da negação sectária» ( p. 242 ).
A leitura de Bilan permitirá julgar a exatidão dessa alusão à
esquerda italiana.
Próximo Capítulo: Esquerda Italiana?