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Capítulo 17 de
« BILAN »: CONTRA-REVOLUÇÃO NA ESPANHA
A
UNIÃO COMUNISTA
As discussões no interior da
esquerda comunista e as críticas feitas a Bilan por certos grupos
revolucionários têm um peculiar interesse, na medida em que as objeções
desses grupos às teses da esquerda “italiana” são
certeiras, ainda que no essencial a esquerda italiana compreendesse
melhor os eventos da Espanha. Tais
eventos frearam ou interromperam a clarificação de diversas correntes. Mesmo as que eram hostis ao antifascismo e à preparação da
futura guerra pela União Sagrada - nos blocos que ligam os proletários à
burguesia: Frente Popular etc. -, aceitam o antifascismo para a Espanha ou
acreditam ver se não uma revolução em marcha, pelo menos uma situação pré-revolucionária.
Mas as mais sólidas admitem, desde maio de 1937, que o movimento
revolucionário foi vencido, que doravante a guerra da Espanha é uma guerra
imperialista e que abre o caminho para a segunda guerra imperialista mundial.
A União Comunista, cujo órgão
é L’Internationale, situa-se entre a esquerda comunista e o
trotskismo, embora tenha se radicalizado consideravelmente depois de 1936.
Antes, ela preconizava a frente única (contra a linha “classe contra
classe”) ao nível político e sindical [1]. Sabe-se
que fidelidade aos “quatro primeiros congressos da I.C.” (1919-1922) é um
dos temas favoritos dos trotskistas, e a “frente única” uma de suas
palavras de ordem habituais. Em
contraposição, a União Comunista rechaça toda defesa da U.R.S.S. e não
tem qualquer ilusão sobre o caráter da próxima guerra. Sua contradição: ela prova que a Frente Popular (como a da
França) equivale a uma União Sagrada, mas convoca uma frente única com
as mesmas organizações ditas operárias.
Neste ponto, ela compartilha a incapacidade “centrista” de apreender
a função global das organizações “operárias”.
Essa atitude repousa também numa superestimação do período que faz
acreditar em evoluções possíveis. A
União Comunista julga então Bilan como uma posição de princípio
afastada do movimento real. Citando Bilan, L’Internationale afirmava
em 1934: “Não se trata... para os revolucionários, de deixar as massas operárias
entregues à si mesmas e de se contentar em ‘propagar as posições políticas
sem que as massas tenham a possibilidade de as aplicar’ (Bilan, no.
12 )” [2].
Por ocasião do referendo que
decidiria pela anexação do Sarre à Alemanha (nazista) ou à França, e que se
pronunciou finalmente em favor da Alemanha, L’Internationale definiu
seu antifascismo, que pretendia ser diferente da versão reformista habitual,
mas se parecia muito com ela: “A
luta antifascista tem por objetivo conservar as organizações e liberdades que,
para o proletariado, são as condições mais favoráveis à propaganda
revolucionária e ao reagrupamento das massas...
O apego das massas trabalhadoras a certas liberdades democráticas
constitue, para os operários, num período de refluxo, uma base importante para
reunir as massas e impulsioná-las à ação” [3].
Em julho de 1936, a U.C.
evolui, mas ainda com ilusões quanto ao P.O.U.M. (a posição do P.O.U.M.
diante do antifascismo democrático), o que demonstra bem que ela
mesma não tem uma posição clara sobre esta questão [4].
Depois de julho de 1936, a U.C. já não considera que o atrelamento das
milícias ao Estado anula seu caráter revolucionário e até sublinha a existência
de um possante movimento revolucionário subterrâneo, que nenhuma organização
exprime nem unifica (nem mesmo o P.O.U.M.), e que é necessário apoiar.
Para Bilan, ao contrário, a condição necessária para
facilitar uma evolução revolucionária possível é, seja como for,
compreender e afirmar que ainda não há revolução.
L’Internationale enfatiza, porém, desde o início, a
fragilidade do movimento. Em
fevereiro de 1937, “o estrangulamento do movimento revolucionário espanhol
está sendo finalizado”: “as forças contra-revolucionárias querem evitar
uma resposta organizada das massas” contra esse estrangulamento [5].
A influência staliniana progredia com o apoio russo, e a República
preparava um acordo com Franco. A
alternativa é uma batalha decisiva: “ou a destruição do Estado burguês ou
uma heróica derrota”. Mas
persiste a ilusão quanto ao P.O.U.M., através de sua organização juvenil.
A Juventude Comunista Ibérica propunha um “governo operário
revolucionário” eleito por uma “assembléia de delegados dos comitês de
empresa, dos camponeses e dos milicianos”.
Mas que significa “Todo o poder aos sovietes!”, quando os partidos
reformistas exercem um domínio esmagador sobre esses órgãos de base?
Reencontramos aqui toda a orientação do P.O.U.M.
A U.C. mostra a progressão
contra-revolucionária, mas não a realidade (= a fraqueza) do movimento proletário. Ela explica antes de tudo essa progressão pela intervenção
russa, o que a dispensa de se interrogar sobre a situação interna de
Espanha, e a ação efetiva dos operários.
A U.C. argumenta como se existisse um movimento social revolucionário
manipulado pelos partidos e sindicatos.
Ela insiste que “a independência
de ação” diante do governo, não sobre o que é esse governo [6].
Ela aponta um “poder operário” (oposto ao poder burguês atual) como
objetivo, mas não vê que tal poder é a condição de toda
luta de classe contra Franco e a República.
Ela procura a revolução lá onde a revolução não está, e os
revolucionários onde nada mais há do que a frase revolucionária, exigindo que
o P.O.U.M. seja coerente em suas palavras e seus atos.
Em suma, ela relança a “frente única” que sustentara antes,
sobre o P.O.U.M. e a C.N.T.-F.A.I. E
apela à base do P.O.U.M. como os trotskistas às bases dos P.C. e P.S.,
ignorando a função desses partidos. Ela
analisa menos o que se passa do que aquilo que gostaria que se passasse – traço
comum a todos os revolucionários criticados por Bilan.
Para uma luta revolucionária que não existe (pelo menos, não como
dizem), estão prontos a participar de uma luta bem real, dirigida pelo Estado.
Presumindo que os eventos devem evoluir, conclui que eles podem evoluir
e, portanto, que é necessário sustentá-los.
Reconheçamos, contudo, à U.C. um relativo pessimismo quanto ao
desfecho, o que refuta sua tese de um “movimento
revolucionário ativo” em Espanha.
A U.C. começa participando
no Comitê para a Revolução Espanhola (cf. § anterior), que reagrupa o
essencial da confusão centrista, inclusive a Esquerda Revolucionária, oposição
de esquerda na S.F.I.O. - cujo chefe Pivert responde pela informação no
governo Blum, o que dá a medida de sua oposição [7]. Em meados de 1937, a
U.C. abandona esse Comitê, entre outras razões, devido à presença da E.R.
Depois de maio de 1937, L’Internationale
descreve longamente o triunfo contra-revolucionário, mas discerne melhor o
efeito do que a causa: “desde as jornadas de maio, a guerra contra Franco
perdeu o caráter de guerra civil que tinha desde 19 de julho de 1936... à
medida que o movimento revolucionário... recua diante da contra-revolução
‘democrática’, o caráter imperialista e militar da guerra se acentua,
crescendo a ameaça de guerra mundial” [8].
Ela prognostica um compromisso Franco-República.
Ela se rejubila com a evolução
positiva dos Amigos de Durruti, que, mesmo não assumindo a posição marxista
sobre o Estado, entenderam, segundo a U.C., que “a conquista do poder político
é a condição do sucesso da revolução”.
Os textos dos Amigos de Durruti que ela reproduz – analisados no §
“O anarquismo de esquerda” – mostram
que essa avaliação é muito exagerada. Em
contraposição, L’Internationale condena a atitude “hesitante”
do P.O.U.M. e seu “oportunismo” alinhado com a C.N.T.: apesar dos golpes que
recebe, o P.O.U.M. se limita a refutar as mentiras e prega um governo
U.G.T.-C.N.T.
“É bem pouco provável que
uma nova grande batalha possa ocorrer. As jornadas de maio foram decisivas.
Somente lutas parciais, localizadas, se produzirão e serão seguidas de
repressões massivas.”
[1] L’internationale. no. 3, 13
fevereiro de 1934. Um de seus militantes, H. Chazé (= Davoust) resume a história
desse grupo numa carta de 5 de maio de 1975, para La Jeune Taupe, no.
6, julho de 1975. Ele afirma que a
U.C. era «claramente contra o frentismo», e que suas posições sobre Espanha
foram deturpadas na coletânea La légende de la gauche au pouvoir (cf.
nota 6). Comparem-se essas duas afirmações com o texto da U.C. publicado na
presente obra.
[2] No.
10, 12 de dezembro de 1934.
[3] No.
10, 12 dezembro de 1934.
[4] No.
21, 23 de maio de 1936.
[5] No.
26, 12 de fevereiro de 1937.
[6] No.
27, 10 de abril de 1937.
[7] Cf. D. Guérin, Front Populaire, révolution manquée –
Maspero; e J. Rabaut, Tout est possible! - Denoël, 1974. Como
R. Lefeuvre, animador das Ed. Spartacus e de Masses, esses dois autores
militaram no Partido Socialista Operário e Camponês, fundado em 1938, depois
da exclusão da Esquerda Revolucionária da S.F.I.O. Pivert retornará à
S.F.I.O. depois de 1945. Sobre a esquerda da Frente Popular, cf. a coletânea de
Rioux, Révolutionnaires du Front Populaire - U.G.E., 10/18. Sobre os revolucionários
em oposição à Frente Popular, cf. La légende de la gauche...