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Capítulo 20 de
« BILAN »: CONTRA-REVOLUÇÃO NA ESPANHA
Esquerda Italiana?
Bilan
é
uma das melhores expressões da esquerda italiana [1].
Mas falar de “esquerda italiana” é uma simplificação.
Equivale na maioria dos comentaristas a uma deformação, idêntica à
que na “esquerda alemã” encobria realidades complexas, na época em que o
termo ainda designava um movimento social vivo e concepções tão diversas como
as de Gorter, Rühle, Pannekoek. A
“esquerda italiana“ é com freqüência subestimada, por trás da pessoa de
Bordiga, na medida em que é – sobretudo na França – conhecida através de
seu representante “oficial”, o Partido Comunista Internacional, que é antes
de tudo “bordiguista”: partido de Bordiga. Le
Reveil Communiste assinalava, em
janeiro de 1929, que “os bordiguistas entram em contradição com
Bordiga...”.
Bordiga é só um aspecto, o mais rico e também o mais
contraditório, por vezes o mais equivocado, da esquerda italiana.
Os dois elementos mais profundos de Bordiga são: por um lado, o
anti-educacionismo e o materialismo, que percorrem toda a sua obra, apesar de
fortes tendências contrárias (culminando com a idealização do partido); por
outro lado, sua visão do comunismo exposta a partir dos anos cinqüenta [2].
O movimento revolucionário que renasce, há alguns anos, se baseia no
segundo aspecto de sua obra. Mas
essa ´retomada´ teórica é também uma crítica dos erros de Bordiga que
passa pelo conhecimento de outras correntes da esquerda italiana.
O adjetivo ´italiana´ é empregado no sentido amplo: a
emigração deu à esquerda italiana um caráter belga e francês. Muito cedo,
alguns perceberam – de modo global, ainda que sumário – as insuficiências
da esquerda italiana, mesmo sem a criticar (por exemplo, Le Reveil Communiste). Outros foram mais longe. Há um preâmbulo
que resume sua história (tal como ela mesma a vê), até 1930.
Sua evolução posterior é mais complexa [3],
esperamos abordá-la numa coletânea sobre a esquerda comunista. Em todo caso, a
primeira condição para compreender essa corrente é reconhecer sua
heterogeneidade. Assim como os conselhistas dos anos cinqüenta e sessenta
ignoravam e/ou escondiam seu passado e o movimento real, do qual tinham uma
imagem longínqüa e frequentemente difusa, os atuais representantes oficiais da
esquerda italiana, incapazes de conhecer sua origem e sua realidade sectária,
dissimulam mais ou menos conscientemente seu passado, em particular a revista Bilan.
Uma das razões essenciais dessa atitude diz respeito à questão espanhola.
A análise da guerra de Espanha por Bilan
questiona as teses leninistas sobre o imperialismo e a questão nacional,
desenvolvidas por Bordiga.
Notas:
[1]
Bilan era, inicialmente, o órgão da Fração de esquerda no P.C. d’l.
(fundada em1927, em Pantin). Depois, da Fração Italiana da Esquerda Comunista,
a partir de 1935. Cf. nota 2 sobre os textos.
[2]
Cf. seus textos sobre a questão agrária, publicados no Le Fil du Temps,
e Bordiga et la passion du communisme, Spartacus, 1974.
[3]
Nós a resumimos aqui, esquematicamente. O
grupo que publicava Bilan, animado por
O. Perrone (pseudônimo Vercesi) só queria, depois de 1943, atuar teoricamente
e criticava o ativismo do P.C. Internacionalista de Itália, fundado em
1943-1945 (cf. abaixo). Ele romperá mais tarde com o P.C.Internacionalista, em
particular, sobre a questão colonial e nacional, negando o caráter
“revolucionário” dos movimentos nacionais, o que está na ortodoxia de Bilan. Perrone morreu em 1957: cf. sua biografia em Programme
Communiste, no 1 outubro-dezembro de 1957 (multicopiado).
O P.C.
Internacionalista da Itália (que se tornou, logo após, P.C. Internacional)
tinha milhares de militantes até 1945, mas reunia tendências diversas.
Logo que o P.C.I. oficial se tornou oposicionista, depois de 1947, o P.C.
Internacionalista da Itália rapidamente se esvaziou.
A heterogeneidade irrompeu no congresso de Florença, em 1948. Damen e
outros fundadores do partido defendiam a intervenção mais ampla possível
(inclusive, eleitoral). No início
dos anos cinqüenta, Damen rompeu com o P.C. Internacional – o motivo era a
questão nacional, pondo em causa a análise leninista – sobretudo, porque ele
não aceitava concentrar-se na elaboração teórica.
Sua posição sobre a Rússia, insistindo no capitalismo de Estado e
burocrático, aproxima-o durante algum tempo de Socialisme ou Barbarie
(cf. nota 82), cujo no. 12 publica
um texto resumindo-lhe as opiniões. Damen
funda um outro P.C.Internacionalista, que ainda existe e cujo órgão é Battaglia
Comunista.
A atitude de Bordiga é ambígua. Nos anos trinta,
afastou-se da militância: preso, depois libertado e vigiado, provavelmente
afetado pela ruptura com a I.C. e o P.C.I. oficial (que o expulsou como
“trotskista”), ele vive na Itália e prepara sua atividade teórica para o pós-guerra.
Depois de 1943, sem se iludir sobre a “reforma do partido” e, como Perrone,
priorizando a teoria (sempre concebida como restauração doutrinal), ele participa (um tanto afastado) das
atividades do P.C.Internacionalista, o qual utiliza para publicar seus textos,
aceitando compromissos com os mais leninizantes e mesmo trotskizantes, apostando
na virtude de uma continuidade organizacional.
J. Camatte, a propósito disso, fala de um “entrismo
luxemburguista” (Invariance,
primeira série, no 9, pp. 138-53). Em 1948, Bordiga nem
sequer estava filiado ao partido. Ele se manteve à margem até sua morte
(1970), deixando o partido utilizar seu prestígio e sua capacidade teórica em
troca da publicação de seus textos. A
imagem do Bordiga sectário, divulgada entre os “marxistas”, não
corresponde aos fatos. É importante ler muitos de seus textos (como os de
1965-1966 sobre o partido: cf. Défense de la continuité... Ed.
P.C., 1974) e levar em conta os compromissos:
1) entre ele e os outros dirigentes do partido; 2) entre seu ultrapassamento teórico
e sua fixação na época das segunda e terceira Internacionais.
Na
França, Internationalisme foi
publicada a partir de 1945 pela Gauche Communiste de France,
que pretendia ser a organização da esquerda comunista.
Mas rompeu com o P.C. Internacional, que ela criticava por ter se contituído
em partido, ser oportunista (eleições etc.), e aceitar elementos de passado
duvidoso (cf. a participação de Perrone no comitê antifascista). A G.C.F.
desenvolve as teses de Bilan sobre a questão nacional e lhes soma a posição
de Rosa Luxemburgo. Também questiona a posição leninista sobre os sindicatos.
Sua revista (40 números, de 1945 a 1950) é de alto nível, enquanto os
que se tornaram então representantes oficiais da esquerda italiana na França
(fração francesa da Esquerda Comunista: cf. abaixo) fazem principalmente agitação
e vivem das glórias passadas. Ao contrario, Internationalisme opera
uma espécie de síntese das esquerdas italiana e alemã, publicando a Histoire
du mouvement des conseils en Allemagne de C. Meijer e Lénine
Philosophe.
Mas recusa-se a assimilar a revolução russa a uma revolução burguesa.
Esse grupo é hoje a Corrente Comunista Internacional, representada na
França pela Révolution Internationale. Ele afirma tirar o melhor de Bilan,
acusando o P.C. Internacional de regressão frente à esquerda comunista de
antes, o que é verdade. Mas é verdade também que a C.C.I. está longe de se
comparar com Internationalisme. E desconsidera o
anti-educacionismo de Bordiga e sua contribuição depois de 1950 (visão do
comunismo como um movimento social e não um programa; concepção do
proletariado que ultrapassa a noção sociológica dos “operários”; ênfase
da dimensão classista e comunitária ou humana da revolução).
A justa crítica da C.C.I. à relação de “alma” e “corpo”,
estabelecida por Bordiga e o P.C. Internacional, entre o partido e a classe, não
a impede de exagerar o papel da consciência (os operários são mistificados etc.).
A
C.C.I. usa as oscilações de Invariance como
justificativa para não pôr as questões da revolução comunista.
E quando alguém as põe, recorre à grosseria, à desqualificação, à
injúria, ao amálgama mais caricatural. É
um bom exemplo de seita.
Uma
parte da fração francesa da Esquerda Comunista, que depois da ruptura de Internationalisme
se tornara “seção” francesa da esquerda italiana, juntou-se a Socialisme
ou Barbárie, na mesma época em que Damen rompeu com Bordiga.
Vega (cf. nota 82) era um deles. Quando Socialisme
ou Barbárie rejeita abertamente o marxismo, uma parte do grupo rompe e, sob
o nome de Pouvoir Ouvrier, será
animado por Vega. Mas esses
ex-bordiguistas nada somaram de bordiguista a SouB,
que pretendia nada dever – nem à esquerda alemã, nem à esquerda italiana,
nem a ninguém. São inúmeros os que, como Vega, tendo passado pela esquerda
italiana, nela viram somente um ultraleninismo.
Apesar
de uma cisão leninista – que produziu um terceiro P.C.I. (Rivoluzione
Comunista) em 1964, ainda existente
– o P.C.I. acentuaria seu ativismo, notadamente com uma tentativa de
“trabalho sindical”. Sua revista (Programme Communiste) e seu
bimensal (Le Prolétaire) denunciam o “oportunismo” do P.C.F. e a
“capitulação” da U.R.S.S. diante dos E.U.A., enaltecendo as “revoluções”
coloniais, e convocando as massas proletárias a cerrar fileiras em torno do seu
estado-maior.
Em grande parte, reagindo a esse despropósito, J.
Camatte e R. Dangeville abandonam o P.C.I., em 1966. Eles tinham escrito juntos
o que seria o no 1 de
Invariance: «Origine et fonction de la forme parti». Queriam continuar
a obra de Bordiga, “traída” pelo P.C.I., mas rapidamente se separam. Então,
R. Dangeville publica Le Fil du Temps,
numa tradição bordiguista ortodoxa, sem os traços visionários de Bordiga e a
agitação inútil do P.C.I. Invariance, nos números 7, 8 e 9 da
primeira série, faz uma síntese das esquerdas alemã e italiana.
Mas sua origem idealista a impele numa fuga para adiante que eclode na
segunda e na terceira séries.
Sobre essas questões, além das revistas citadas
– das quais o Instituto
Internacional de História de Amsterdam possui coleções quase completas –,
cf. a biografia de Bordiga em Bordiga et la passion du communisme,
Spartacus, 1974; Invariance antiga
série no 6, pp. 18, 30-5, e no 9, pp. 138-53; R.I., Bulletin d’Etude et de
Discussion, nos 6 e 7; o no de Internationalisme sobre a greve da Renault, em 1947,
reimpresso em La Vieille Taupe, 1972. Cf. também a nota 122 sobre a cisão
escandinava de 1971. Trata-se, é verdade, quase sempre de pequenos grupos.
Deixemos a ironia fácil sobre os ´grupúsculos´ para aqueles que buscam um
poder e uma camarilha ou aos que acreditam que o mundo começou em 1968.
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