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« BILAN »: CONTRA-REVOLUÇÃO NA ESPANHA  

 

REVOLUÇÃO POLÍTICA E SOCIAL

Bilan tem razão quando insiste ser necessário para a revolução destruir o aparelho de Estado burguês, e deduz que não há revolução se o proletariado não age neste sentido.  É verdade também que as medidas de transformação econômico-sociais são inúteis sem a destruição do Estado. Porém, essa corrente concebe a revolução de modo político. Não consegue entendê-la como movimento social no qual a destruição do Estado e a construção de uma nova estrutura de decisão avançam juntamente com a comunização da vida econômica e social[1].  Concebe esses dois aspectos como momentos sucessivos: sua interação lhe escapa. Ela inverte a posição reformista, centrista ou anarquista, sem mudar de problemática.  Contra a tese que põe em destaque a socialização da economia, ela privilegia a questão do poder: a revolução será política, antes; depois, econômica.

A revolução comunista deve afirmar um poder capaz  de se impor, combater a burguesia e unificar o movimento revolucionário.  Portanto, não foi por ter feito uma guerra de front que o movimento revolucionário espanhol sofreu uma derrota.  Já estava derrotado quando se deixou arrastar para a guerra de front que apressou sua morte.

Mas o ´poder revolucionário´ seria uma forma vazia se não transformasse, ao mesmo tempo, a natureza da sociedade. E não poderia existir senão como instrumento dessa transformação.  Se a revolução deve ser inicialmente política e depois social, ela criará um poder sem outra função que lutar contra a burguesia, função negativa e somente repressiva. Uma revolução comunista (mundial), que se estende por uma geração, durante esse tempo continuará pagando salários e fabricando mercadorias?

Considerar a tomada do poder como pré-condição é fetichizar o poder e esquecer que o Estado é também   resultante da sociedade.  É teorizar, com a instauração de um  sistema de organização e controle pretensamente comunista, sua ´vontade´ de realizar o comunismo quando for suficientemente forte.  Ao contrário, se a revolução  é, simultaneamente, um processo econômico e político, como dizia o K.A.P.D., a comunização das relações sociais de produção impede qualquer grupo particular de se instituir como novo poder sobre a sociedade.   A manutenção, mesmo provisória, da economia mercantil e capitalista, favoreceria  o nascimento de uma camada de especialistas do poder, utilizando a ideologia revolucionária para se dar legitimidade.  Sua única razão de ser residiria em sua alegada fé comunista. É próprio da política nada poder (nem querer) mudar na natureza da sociedade; ela reúne o que está separado, sem ir além. O poder está lá, ele administra, controla, garante, reprime, isso é tudo [1 bis].

A dominação política (na qual a ideologia anarquista de ontem e de hoje vê o problema essencial) repousa sobre a incapacidade dos proletários para organizar e gerir suas vidas e suas atividades.  Ela se apóia na despossessão radical que caracteriza o proletário.  Quando todos e cada um participarem na produção de suas existências, os meios de repressão e opressão do Estado se tornarão inoperantes.  Porque o salário nos priva dos meios de viver, produzir, comunicar e até de nossas emoções (mass-media etc.) é que o Estado é todo poderoso. Conceber a destruição do Estado como uma luta contra a polícia e as forças armadas é tomar a parte pelo todo. 

O comunismo é antes de tudo uma atividade.  Um sistema no qual os homens produzem sua própria existência social anula todo poder separado. Numa futura revolução comunista, a reação se agrupará como de hábito em torno de palavras-de-ordem como ´organização´ e ´poder democrático´ para melhor paralisar o movimento.  Os revolucionários afirmarão a necessidade (entre outras) de medidas comunistas concretas.

A comunização é necessária para o triunfo da revolução.  O Estado capitalista não pode ser destruído por uma ação exercida somente contra as suas estruturas, esta ação tem tudo para fracassar.

O proletariado vencerá se assumir a função social contra o capital, utilizando também a economia como arma, dissolvendo as relações econômicas capitalistas, destruindo as bases sociais do inimigo.  A extensão geográfica do movimento será tanto um processo social, quanto econômico e “militar”. Tarefas positivas e negativas se condicionarão mutuamente.

“Não é verdade que o movimento social exclui o movimento político. Nunca houve movimento político que não fosse, ao mesmo tempo, social” [1 ter]. 

A guerra de Espanha freou a clarificação no interior de grupos como a União Comunista e a L.C.I. belga. Mas a fixação sobre a questão política, acentuada pela guerra espanhola, bloqueou também o desenvolvimento teórico da esquerda italiana, que permanecerá essencialmente atrelada à concepção ´sucessiva´ da revolução (política depois econômica).

Por essa razão, a compreensão da involução russa se torna difícil para a esquerda italiana e os grupos que nela se baseiam, como Internationalisme depois de 1945 (cf. «A Liga dos Comunistas Internacionalistas»). Após outubro de 1917, a Rússia oferece um ótimo exemplo da degeneração do poder na ausência de revolução social.  Não é possível, aqui, estudar porque a comunização da Rússia era impossível. Em todo caso, o isolamento internacional e o atraso econômico não explicam tudo – a menos que esqueçamos a perspectiva traçada por Marx (e talvez aplicável depois de 1917, noutro contexto) de renascimento, sob uma nova forma, das estruturas agrárias comunitárias ainda não absorvidas pelo capital [1 quart]. Seja como for, o poder bolchevique é a melhor ilustração do que acontece com um poder que é apenas poder.

Com alguma boa-fé e muito logicamente, o Estado bolchevique deveria se manter, a qualquer preço (na perspectiva da revolução mundial, primeiro; por e para si mesmo, depois), e não havia outro recurso senão a coerção.  Bem entendido, os aspectos burgueses da teoria e da prática bolcheviques tiveram seu papel, mas não foi determinante, comparado à situação objetiva desse Estado ´obrigado a permanecer´ sem mudar grande coisa nas condições de vida reais.  Rapidamente, o problema número 1 se tornou a necessidade de continuar no poder, de preservar bem ou mal a unidade numa sociedade que se fragmentava. Daí, por um lado, as concessões à pequena propriedade camponesa (que afastavam ainda mais do comunismo), seguidas de requisições forçadas.  E, por outro lado, a repressão anti-operária e anti-oposição política no partido e fora dele.

Hennaut apontou os limites da experiência russa.  Bilan reinvindica sem cessar o exemplo ´vitorioso´de outubro de 1917 (oposto ao fracasso de julho de 1936).  Ambos têm razão. Sob um ponto de vista puramente negativo, Bilan vê corretamente o que não aconteceu na Espanha.  Sob um ponto de vista positivo, dos caracteres de uma evolução comunista futura, Bilan, assim como Hennaud, se engana. Bilan opõe o objetivo ao movimento. Eles não superam o dilema leninismo-antileninismo.  Isto conduz a que grupos como Révolution Internationale saibam o que a revolução deve destruir, mas não o que ela deve fazer para destruí-lo. A verdadeira crítica é aquela que considera o movimento proletário em função do comunismo, não mais concebido como ´programa´, mas como ruptura e processo.

Nada é, pois, menos surpreendente do que os redatores de Bilan passarem ao largo desse ponto central.  Os movimentos revolucionários posteriores a 1917 jamais alcançaram o estágio prático que obrigasse os comunistas a integrar esse aspecto em sua visão teórica. As discussões da época giravam, quase todas, em torno de problemas de organização, subestimando o conteúdo comunista da revolução.  Quando a esquerda alemã examinava o comunismo, era apenas para imaginar uma outra organização da produção.

A capacidade proletária de auto-organização e até mesmo de mudança imediata é indispensável para a revolução. Marx escreveu, a propósito da Espanha, que toda revolução supõe um certo grau de ´anarquia´(iniciativas em todos os domínios). Mas que ela fracassa sem sua dimensão mediata (problema do poder).

Notas

[1] Barrot, Le mouvement communiste, Champ Libre, 1972, 2e parte. E o artigo sobre o Estado, no no. 2 de La Guerre Sociale, 1978.

[1 bis] «De la politique», Le Mouvement Communiste, no 5, outubro de 1973.

[1 ter] Misère de la philosophie, in Oeuvres, Gallimard, t. 1, 1963, p. 136.

[1 quart] Invariance, 2e série, no. 4.

 

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