Carta aberta dos soldados

Declaração de alguns soldados gregos anônimos afirmando que eles se recusarão a reprimir manifestações de trabalhadores e estudantes.

Submitted by Reddebrek on January 11, 2020

Uma carta aberta assinada por soldados gregos expressando sua a oposição à possibilidade de serem usados para manter a ordem, além da sua solidariedade com os revoltosos e manifestantes após a execução de Alexandros Gregiropoulos, 15 anos de idade, em Atenas, 6 de Dezembro de 2008.
Centenas de soldados dos 42 distristos declaram o seguinte:

Nos recusamos a nos tornar uma força de terrore e repressão contra as mobilizações; nós apoiamos a luta dos estudantes e trabalhadores. Somos soldados de toda a Grécia. Somos soldados que, muito recentemente, em Hania, fomos ordenados a apontar armas contra estudantes universitários, trabalhadores e militantes no movimento anti-militarista. Soldados que carregam o peso das reformas e das “manobras táticas” do exército grego. Os soldados que vivem cotidianamente sob a opressão ideológica do militarismo, do nacionalismo, da exploração não remunerada e da submissão aos “nossos superiores”.

Nos quartéis, ficamos sabendo de outro “incidente isolado”: a morte, pelas mãos de um oficial da polícia armada, de um adolescente de 15 anos chamado Alexis. Nós o ouvimos nos slogans passando pelos muros exteriores dos acampamentos como trovão distante. Não haviam sido chamados também de “incidentes isolados” as mortes de três de nossos colegas em Agosto? Também não chamaram as mortes de cada um dos 42 soldados nos últimos três anos e meio “incidentes isolados”? Acreditamos que Atenas, Tessalônica, e um número crescente de cidades gregas se tornaram áreas de agitação social, ambientes em que o ressentimento de milhares de pessoas jovens, trabalhadores e desempregados ressoam, enquanto estamos vestidos de uniformes do exército e “vestimenta de trabalho”, guardando o acampamento ou fazendo entregas, sendo os servos de “nossos superiores”. Vimos, assim como os estudantes universitários, os trabalhadores e os desesperadamente desempregados, seus “potes de barro”, “explosões acidentais”, “ricochete de balas”, tão bem quanto o desespero da precariedade, da exploração, das demissões e perseguições.

Ouvimos os rumores e insinuações dos oficiais do exército, as ameaças do governo tornadas públicas, sobre a imposição de um estado de emergência. Sabemos muito bem o que isso significa. Nós o estamos vivenciando através de uma intensificação do trabalho, e do aumento das nossas tarefas, condições intensas/tensas com um dedo no gatilho.

Ontem recebemos a ordem de tomar cuidado e “manter nossos olhos abertos”. Perguntamos: com quem que vocês estão ordenando que tomemos cuidado?
Hoje mandaram que fiquemos preparados e em alerta. Estamos perguntando: com quem nós temos que estar em alerta? Fomos ordenados a ficar prontos para trazer o estado de emergência em ação.
Tem havido uma distribuição de carregamentos de armas para certas unidades em Atica [onde Atenas se situa]*, acompanhada por ordens de usá-las contra a população civil no caso de ameaças ( por exemplo, ordens foram dadas a uma unidade em Menidia, que fica próxima dos ataques contra a delegacia Zephiro). Tem havido uma distribuição de baionetas para soldados em Evros [ao longo da fronteira com a Turquia]*. Estão querendo inspirar medo nos manifestantes instalando pelotões em volta dos quartéis do exército.
Moveram veículos policiais para os acampamentos do exército em Nauplia-Tripólia-Corinto para vigilância. Houve uma “confrontação” em nome do Major I. Konstantaros nos quartéis de treinamento dos recrutas em Thiva sobre/relacionada à identificação de soldados por donos de loja cujas propriedades foram danificadas. Houve uma distribuição de balas de plástico nos quartéis de treinamento dos recruita de Corinto, junto com a ordem de atirar contra cidadão se eles fizerem movimentações “de maneira ameaçadora” (contra quem?).
Uma unidade especial foi mandada para a statua do “Soldado Desconhecido”, bem na frente dos manifestantes de Sábado 13 de Dezembro, e soldados do quartel de recrutas de Nauplia foram colocados em ação contra uma manifestação de trabalhadores. Estão ameaçando cidadãos com unidades de operações especiais da Alemanha e Itália – no papel de forças ocupantes – revelando então a verdade face de uma União Européia anti-trabalhadores/autoritária.

Os policiais atiram tendo como alvo as revoltas sociais presentes e futuras. Para lograr fazê-lo estão preparando o exército para assumir as funções de uma força policial e também estão preparando a sociedade para aceitar o returno de um exército da época do Totalitarismo da Reforma. Estão nos preparando para nos opor a nossos amigos, as pessoas que conhecemos, nossos irmãos e irmãs; nos antigos e futuros colegas de trabalho e de classe. Essa série de medidas mostra que a liderança do exército, a polícia com o consentimento de Hinofoties (ex-membro do exército profissional, atualmente vice-ministro do interior, responsável pela “intranquilidade” interna), o quartel general do exército, o governo, as diretivas da UE, os pequenos burgueses como um cidadão irado e os grupos de exrema direita estão querendo usar as forças armadas como um exército ocupante (não são chamadas de Corporações de Paz quando são mandadas a um país estrangeiro para fazer exatamente a mesma coisa?) nas cidades onde crescemos, nossas vizinhanças, nas cidades em que caminhamos. Os líderes políticos e militares esqueceram que somos parte da juventude. Eles esqueceram que nós somos feito das mesmas coisas que a juventudade que está chegando cara a cara com o deserto gélido da realidade dentro e fora de um acampamento militar. Uma juventudade que furiosa, insubordinada e, ainda mais importante, sem medo.

Nós somos civis de uniforme. Não aceitaremos que nos tornem as armas de medo que alguns estão tentando implantar na sociedade como um espantalho. Não aceitaremos que nos tornem uma força de repressão e terror. Não iremos nos opor às pessoas com as quais compartilhamos dos mesmos medos, necessidades e desejos, o mesmo futuro comum, os mesmos perigos e as mesmas esperanças. Nos recusamos a tomar as ruas, sob o nome de qualquer estado de emergência, contra nossos irmãos e irmãs. Como pessoas jovens de uniforme nós expressamos nossa solidariedade com um povo em luta e declaramos que não nos tornaremos capachos de um estado policial e da repressão estatal.

Nunca lutaremos contra nosso próprio povo. Não permitiremos na corporação do exército a imposição de uma situação que traga de volta “os dias de 1967”. [Época da imposição de uma ditadura militar na Grécia]

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