"Os revolucionários franceses romperam a psicologia da derrota, a perspectiva de perdedores, e começaram a lutar."
Comitês de ação dos trabalhadores e estudantes. França, maio de 68 - Roger Gregoire & Fredy Perlman
Traduzido da versão original em inglês para o português por Questione Tudo e revisado por Humanaesfera e Desordem Ordeira
Índice:
- Introdução
- PARTE 1
- A segunda revolução francesa
- Os trabalhadores ocupam suas fábricas
- O Comitê de Ação da Citroën - I
- Da revolta dos estudantes à greve geral: uma revolução frustrada
- Comitê de Ação da Citroën - II
- Experiências e perspectivas
- A greve de 20 de maio e a ocupação
- Os portões são trancados pela CGT
- Contatos na fábrica
- Os dormitórios dos trabalhadores estrangeiros
- Os comitês de chão de fábrica
- A greve por demandas materiais
- Perspectivas - Censier Libertado: Uma Base Revolucionária
- Introdução
- O caráter exemplar da ocupação da universidade
- A consciência revolucionária do poder social
- Removendo o véu da repressão e propaganda - PARTE 2. Avaliação e Crítica
- Limites da escalada
- Autogestão em assembleias gerais
- Autogestão nos comitês de ação
- Crítica das ações
- A libertação parcial dos militantes
- O Caráter Parcial da Teoria Revolucionária
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Introdução
Quem somos? Nem funcionários nem oficiais dos Comitês de Ação de Trabalhadores-Estudantes, nem presidentes nem secretários do movimento, nem porta-vozes nem representantes dos revolucionários.
Somos dois militantes que se conheceram na barricada e no Censier, que compartilharam um projeto um com o outro assim como com milhares de outros militantes ativos em Paris em maio e junho de 1968.
Por que estamos escrevendo este relato dos eventos de Maio-Junho? Não para descrever um espetáculo, nem uma história para “esclarecer” as futuras gerações. Nosso objetivo é tornar transparentes, para nós mesmos e para aqueles que estão engajados no mesmo projeto, as nossas deficiências, ou falta de perspectiva, ou falta de ação. Nosso objetivo é clarificar em que medida nossas ações concretas impulsionaram o projeto revolucionário.
O projeto desta crítica é permitir movermo-nos adiante na realização do projeto revolucionário, agir mais efetivamente em uma situação similar à que nós experimentamos. Nossa intenção não é “clarificar” a sequência de eventos que ocorreram na França para tornar possível uma repetição ritualística desses eventos, mas sim contrastar a visão limitada que nós tínhamos dos eventos no tempo em que estávamos engajados nele, com as perspectivas que ganhamos com a subsequente ação em diferentes contextos. Assim, esta descrição e crítica dos eventos que ocorreram na França é, ao mesmo tempo, uma crítica das deficiências que descobrimos tanto em nós mesmos quanto naqueles ao lado dos quais nós lutamos depois.
Este folheto é dividido em duas partes. A primeira parte consiste em artigos que buscam entender os eventos enquanto eles se davam e definir as perspectivas por detrás das ações. Essas “perspectivas por detrás das ações” não são filosofias privadas que nós atribuímos a um “movimento social” externo; elas não são finalidades subjetivas de dois militantes. Elas não são projeções que “historiadores desconectados” impõem aos eventos de fora. As perspectivas são o fundamento pelo qual nós participamos no projeto revolucionário. Nós não percebemos a nós mesmos como “observadores externos” reportando as atividades de outros. Nós mesmos somos parte integral dos eventos que nós descrevemos, e nossas perspectivas transformaram os eventos nos quais participamos. O militante que rejeita as limitações da vida cotidiana capitalista foi atraído para as ocupações das universidades, às lutas na rua, precisamente porque o projeto coletivo, o projeto dos outros, foi também o seu projeto. Consequentemente, quando ele desenvolve suas perspectivas, o projeto do grupo inteiro também é desenvolvido, modificado e transformado, já que o projeto coletivo existe apenas nos indivíduos que se engajam nele e assim o transformam. O projeto não é alguma coisa que existiria em nossas cabeças e que nós atribuiríamos “ao movimento”, nem é algo que existiria na “mente coletiva do movimento”. Indivíduos específicos envolveram-se em um projeto revolucionário, e outros indivíduos aceitaram esse projeto como seus próprios e se envolveram nele; o projeto tornou-se um projeto coletivo apenas quando numerosos indivíduos o escolheram e se envolveram nele. À medida que o número de pessoas crescia, indivíduos com diferentes tipos de experiência definiam novas atividades e novas perspectivas, e consequentemente contribuíram com novas possibilidades a todos os envolvidos no projeto; eles abriram novas direções potenciais para o “movimento” inteiro. Consequentemente as perspectivas de um participante ativo no movimento não são de modo algum externas ao movimento.
A segunda parte deste folheto é uma avaliação crítica de nossas ações e perspectivas; é uma tentativa de responder por que nossas ações não levaram à realização de nossas perspectivas. O propósito da crítica é permitir-nos ir mais longe, não repetir o que ocorreu em maio-junho. Qual foi a natureza do projeto em que nos envolvemos? Por que a escalada do movimento atingiu certo ponto e não foi adiante? Quando nos envolvemos no projeto iniciado pelo Movimento 22 de Março em Nanterre, será que nos envolvemos do mesmo modo? Se não, qual foi a diferença?
Tentativas de realizar o projeto revolucionário após os eventos de maio-junho nos fizeram notar que nosso envolvimento no projeto do Movimento 22 de Março tinha sido passivo. O objetivo inicial dos militantes de Nanterre era transformar a realidade, eliminar os obstáculos sociais ao livre desenvolvimento da atividade criativa, e os participantes prosseguiram eliminando obstáculos concretos. Entretanto, um grande número de pessoas que se tornou “o movimento” se envolveu de um modo diverso. Eles não percebiam a si mesmos como aqueles que deveriam se mover frente a obstáculos concretos. Nesse sentido eles foram passivos. Eles “entraram no movimento”, eles se tornaram parte de uma coletividade misteriosa a qual, eles pensavam, tinha uma dinâmica própria. Ao entrar no “movimento”, seu único engajamento foi se mover com ele. Como resultado, pessoas concretas, que são as únicas que podem transformar a realidade social, não estavam modificando a realidade social através de suas atividades concretas; elas estavam seguindo uma força misteriosa - “a massa”, “o movimento” - que estaria transformando a realidade. Assim eles se tornaram dependentes de um poder inexistente.
R. Gregoire
F. Perlman
Kalamazoo, Fevereiro, 1969
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PARTE 1
A SEGUNDA REVOLUÇÃO FRANCESA
Paris, 18 de Maio, 1968
As principais fábricas da França foram ocupadas por seus trabalhadores. As universidades foram ocupadas por estudantes que estão participando de assembléias contínuas e organizando Comitês de Ação. Os sistemas de transporte e comunicação foram paralisados.
“Depois de uma semana de luta contínua, os estudantes de Paris tomaram posse da Sorbonne,” explica um panfleto de um Comitê para Ação de Estudantes e Trabalhadores; “Nós decidimos fazer de nós mesmos os mestres”.
Nos últimos anos, imensos movimentos estudantis se desenvolveram no Japão, Estados Unidos, Itália, Alemanha Ocidental e em outros lugares. Entretanto, o movimento de estudantes na França rapidamente se expandiu como movimento de massa que busca derrubar a estrutura sócio-econômica da sociedade estatal-capitalista.
O movimento estudantil francês transformou-se em um movimento de massa em um período de 10 dias. Em 2 de maio, a Universidade de Nanterre foi fechada por seu reitor; no dia seguinte, a Sorbonne foi fechada e a polícia atacou os estudantes que se manifestavam. Nos dias que se seguiram, os estudantes aprenderam a se proteger da polícia construindo barricadas, arremessando paralelepípedos e espalhando suco de limão em seus rostos para repelir o gás da polícia. Na segunda, 13 de maio, 800.000 pessoas manifestaram-se em Paris e uma greve geral foi convocada na França; uma semana depois, toda a economia da França foi paralisada.
A primeira barricada para resistir a um ataque da polícia foi feita em 6 de maio. Os estudantes usaram bancas de jornal e automóveis para construir barricadas e retiravam do chão paralelepípedos que eles arremessavam em troca das granadas e bombas de gás da polícia.
No dia seguinte, o Bairro Latino [N.T: Quartier Latin, onde fica a Universidade de Sorbonne] estava em estado de sítio; a luta continuou; uma grande manifestação em frente do jornal de direita “Le Figaro” protestou contra as tentativas do jornal de mobilizar a violência contra os estudantes. Bandeiras vermelhas apareceram nas linhas de frente de imensas manifestações. ”A Internacional” foi cantada, e os manifestantes gritavam “Vida longa à Comuna (de Paris)”.
Em 10 de maio, os manifestantes exigiram a imediata abertura de todas as universidades, e a saída imediata da polícia do Bairro Latino. Milhares de estudantes, junto com jovens trabalhadores, ocuparam as principais ruas do Bairro Latino e construíram mais de 60 barricadas. Na noite de sexta-feira, 10 de maio, a polícia da cidade auxiliada por forças especiais atacou os manifestantes. Um grande número de manifestantes, assim como policiais, foram seriamente feridos.
Até este momento, os jornais franceses, incluindo o órgão do Partido Comunista L’Humanité, caracterizavam o movimento de estudantes como “grupelhos” e “extremistas aventureiros”. Entretanto, depois da repressão policial em 10 de maio, os sindicatos comunistas convocaram uma greve geral protestando contra a brutalidade da polícia e apoiando os estudantes. Quando quase um milhão de pessoas se manifestou nas ruas de Paris em 13 de maio, os estudantes gritaram vitoriosamente “Nós somos os grupelhos!”.
No dia seguinte, terça-feira, 14 de maio, o movimento começa a fluir além da universidade e para dentro das fábricas. A fabricante de aviões Sud-Aviation, produtora do Caravelle, é ocupada por seus próprios trabalhadores.
Na quarta-feira, 15 de maio, estudantes e trabalhadores tomam controle do Odeon, o teatro nacional francês, hasteiam bandeiras revolucionárias pretas e vermelhas no domo, e proclamam o fim da cultura limitada à elite econômica do país. No mesmo dia, numerosas fábricas por toda França são ocupadas por seus trabalhadores, incluindo a produtora de automóveis Renault.
Dois dias depois da tomada das instalações da Renault, estudantes da Sorbonne organizam uma passeata de 10 quilômetros para demonstrar a solidariedade dos estudantes com os trabalhadores. Na frente da passeata há uma bandeira vermelha, e no caminho para a fábrica eles cantam a “Internacional” e clamam “Abaixo o estado policial!”, “Abaixo o capitalismo!”, “Esse é apenas o começo, a luta continua!”
Uma bandeira vermelha é hasteada na entrada da fábrica da Renault, e trabalhadores individuais no telhado do prédio aclamam a passeata dos estudantes. Entretanto, a CGT, o sindicato comunista que tomou controle da greve dentro da fábrica, é cuidadosamente hostil aos estudantes que se manifestam, e os porta-vozes do partido são abertamente hostis com os estudantes, que chamam os trabalhadores para dirigir e falar por si mesmos diretamente, no lugar de deixar os chefes sindicais governarem e falarem por eles.
Enquanto as estações de rádio continuam a transmitir que os estudantes estão exclusivamente preocupados com as provas finais e os trabalhadores exclusivamente preocupados com seus salários, os estudantes organizam Comitês de Ação, e as ocupações de fábricas continuam a se espalhar.
Nos auditórios e salões de leitura dos prédios da Universidade de Paris, um vasto experimento de democracia direta está em curso. O Estado, os ministérios, os corpos da faculdade e os antigos corpos representativos dos estudantes não são mais reconhecidos como legítimos elaboradores de leis. As leis são feitas pelas constituintes das “Assembleias Gerais”. Comitês de ação estabelecem contato com os trabalhadores em greve, e panfletos informam aos trabalhadores da experiência de democracia direta que os estudantes estão vivendo.
No momento em que isto é escrito, os trabalhadores continuam sendo representados e controlados pelos sindicatos, e os sindicatos continuam a demandar reformas do Estado e dos proprietários das fábricas. Entretanto, a recusa dos estudantes em reconhecer a legitimidade de qualquer controle externo, a recusa de serem representados por qualquer corpo menor que uma assembleia geral, é continuamente transmitida aos trabalhadores grevistas pelos Comitês de Ação dos Estudantes e Trabalhadores.
F. Perlman
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OS TRABALHADORES OCUPAM SUAS FÁBRICAS
Paris, 20 de maio, 1968
A força de trabalho que tomou o poder nas principais indústrias na França foi caracterizada, no passado, por conflitos de interesse insuperáveis. Os conflitos de interesse foram explorados pelos donos das fábricas, pela polícia e pelo estado. Com a ocupação das fábricas, as diferenças diminuíram, mas elas não desapareceram, e as diferenças continuam sendo exploradas, de uma forma modificada, dentro das fábricas ocupadas.
Nas grandes fábricas, como a Citroën, o principal conflito foi entre trabalhadores franceses e estrangeiros. Este artigo vai se limitar às formas de exploração, no passado e no presente, do conflito de interesses entre estes dois grupos.
Os trabalhadores estrangeiros, na maioria de Portugal, Espanha, Iugoslávia e Norte da África, trabalhavam por salários que eram, em média, menos da metade dos salários dos trabalhadores franceses. Os trabalhadores estrangeiros não tinham escolha. Primeiramente, os estrangeiros não sabem francês, e não podem se informar nem dos seus direitos humanos nem das formas legais. O sindicato não estabeleceu escolas para eles. Em segundo lugar, numerosas burocracias policiais tornam quase impossível para os estrangeiros encontrar trabalho em Paris, e os manda de volta para seus países depois de eles terem gasto o dinheiro que de alguma forma eles pouparam em seus próprios países para virem a Paris. Em outras palavras, o trabalhador estrangeiro é virtualmente forçado a abandonar sua humanidade de modo a conseguir um emprego. Consequentemente, o trabalhador estrangeiro não está disposto a arriscar perder seu emprego mesmo se sua própria definição de si mesmo como ser humano esteja em questão, dado que ele em grande parte cessou de definir a si mesmo como um ser humano. Sistematicamente desumanizados, esses trabalhadores são facilmente manipulados pelos donos de grandes indústrias francesas: dispostos a trabalhar por baixos salários, eles reduzem a escala salarial como um todo; dispostos a trabalhar em qualquer condição, eles são usados para furar greves.
Do ponto de vista dos trabalhadores franceses, os estrangeiros são representados como uma ameaça constante. Um trabalhador francês desempregado tem de competir com estrangeiros dispostos a trabalhar por menores salários em piores condições. Trabalhadores empregados, privilegiados em termos de tipos de empregos, condições de trabalho e salários, podem fazer greve apenas hesitantemente, por medo de que os donos de fábricas e o estado aproveitem a greve como um pretexto para substituir os franceses por trabalhadores estrangeiros.
De modo a justificar seus privilégios relativos e racionalizar seus medos dos trabalhadores estrangeiros, os trabalhadores franceses desenvolveram atitudes psicológicas que são basicamente idênticas ao racismo.
O sindicato do Partido Comunista (C.G.T) não fez qualquer esforço especial para equalizar as condições dos estrangeiros com as dos trabalhadores franceses. Isso em grande parte porque os contratos de trabalho dos estrangeiros são temporários, e os trabalhadores estrangeiros não podem votar, o que significa que os trabalhadores estrangeiros não representam uma base de poder para o Partido Comunista. E alguns porta-vozes dos sindicatos contribuíram para piorar a situação dos trabalhadores estrangeiros ao colaborar com a repressão policial dos estrangeiros, e até mesmo definindo publicamente os estrangeiros como a pior ameaça para a classe trabalhadora francesa.
Para compreender o choque atual do sindicato comunista com o movimento pela democracia direta, deve ser notado que um “sindicato” não é definido como uma comunidade unificada de trabalhadores de uma fábrica ou região, e ele não expressa a vontade de todos os trabalhadores. O “sindicato” é na verdade um grupo particular de pessoas que “representa” os trabalhadores, que fala pelos os trabalhadores, que tomam decisões pelos trabalhadores. Isso significa que um movimento de democracia revolucionária que busca novas formas políticas de expressão da vontade de todos os trabalhadores (por exemplo, através de uma assembleia geral de todos os trabalhadores), ameaça a própria existência do “sindicato” dos dias de hoje. O movimento pela democratização revolucionária, iniciado pelos estudantes, assume o princípio de que a união dos trabalhadores, ou seja, a coletividade inteira, é o único corpo que pode falar por, e tomar decisões pelos trabalhadores. Nessa concepção, o sindicato oficial (e o Partido Comunista Francês) seria reduzido a uma organização de serviços e um grupo de pressão sem nenhum poder de decisão. Essa é a razão pela qual a C.G.T (e o Partido Comunista como um todo) tem sistematicamente difamado, insultado e tentado pôr um fim ao movimento estudantil, e a razão pela qual os funcionários do sindicato tem tentado evitar qualquer forma de contato entre trabalhadores e estudantes. Nessa luta com o movimento revolucionário, o Partido Comunista, visto pelos liberais americanos como o epítome do mal, tem lutado por objetivos e têm empregado técnicas há muito tempo familiares aos liberais americanos.
Os primeiros trabalhadores a serem influenciados pelo movimento dos estudantes por autonomia e autogestão direta foram trabalhadores que tinham muito em comum com os estudantes, ou seja, trabalhadores jovens, instruídos e altamente politizados. Os revolucionários das fábricas não são nem velhos membros intrépidos do partido nem trabalhadores estrangeiros superexplorados e sem educação, mas sim jovens trabalhadores relativamente privilegiados. São esses jovens que tomam parte em contínuas discussões sobre democracia direta e derrubada do capitalismo e do estatismo que ocorrem continuamente na Universidade de Paris. E são estes trabalhadores que são os primeiros a convocar greves nas fábricas, e que definem os objetivos da greve como a substituição do capitalismo e do estatismo por um sistema de democracia direta, socialista, dos trabalhadores.
Uma vez que a efervescência revolucionária nas fábricas começa, os funcionários dos sindicatos se comportam como americanos liberais em períodos de crise. Os funcionários sindicais colocam-se na “cabeça” daquilo que eles chamam de movimento de “reforma”, e no lugar de falar de uma transformação radical do sistema sócio-econômico, eles falam em negociar com os donos das fábricas (que foram de facto expropriados) por salários maiores. E, para constituírem-se como os únicos porta-vozes legítimos dos trabalhadores, os funcionários sindicais empregam um “consenso político” de estilo liberal que consiste na máxima exploração dos conflitos de interesse entre os diversos níveis de trabalhadores na fábrica.
Os funcionários do sindicato aterrorizam os trabalhadores franceses conservadores, mais velhos, com a ameaça de uma repressão violenta e inimaginável que o “aventureirismo anarquista” acarretaria. Essa ameaça ganha força pelo fato de que, durante o crescimento e radicalização do movimento, o Partido Comunista coopera cada vez mais com o poder estatal (que ainda mantém a força do exército em reserva), e pelo fato de que o Partido Comunista não foi o maior dos críticos da repressão policial ou sequer da exploração colonial. Na verdade, as políticas do regime gaulista coincidiram com as políticas do Partido Comunista com mais frequência do que não.
E os funcionários sindicais tentam isolar os jovens trabalhadores revolucionários fazendo um de seus raros apelos de apoio dos trabalhadores estrangeiros. O alvorecer da ocupação das fábricas é uma das raras ocasiões em que um grande esforço é feito para traduzir os panfletos do sindicato em todos os idiomas dos trabalhadores estrangeiros. E nestes panfletos, e através dos microfones, os porta-vozes do sindicato, com um estilo caracteristicamente “liberal” (NT: No sentido que se dá ao termo nos EUA), diz aos trabalhadores estrangeiros que “nossas” demandas são por salários mais altos e férias mais longas. O uso da primeira pessoa do plural é artificial, já que, exceto pelas palavras pronunciadas através do microfone, há muito pouco contato entre os funcionários do sindicato e os trabalhadores estrangeiros, e o sistema de som unidirecional obviamente aniquila a possibilidade de uma discussão de duas vias que permita aos trabalhadores definir quais são realmente “nossas” demandas.
Embora os estudantes e os trabalhadores revolucionários sejam as forças dinâmicas por detrás das ocupações das fábricas, uma vez que todos os trabalhadores se convenceram a se mover para dentro da fábrica e “ocupá-la”, os funcionários do sindicato fecharam os portões das fábricas com os estudantes ficando do lado de fora, isolando os trabalhadores revolucionários no interior. Os funcionários do sindicato isolam os trabalhadores jovens dos velhos pintando os jovens como aventureiros extremistas que irão trazer a polícia para dentro da fábrica, e isolam dos trabalhadores estrangeiros insinuando que apenas o sindicato está lutando pela melhoria dos salários dos trabalhadores estrangeiros, e que se o sindicato falhar, então os trabalhadores estrangeiros podem perder seus empregos arduamente conquistados e serem forçados pela polícia a retornarem a seus países.
Dado que a originalidade e a coragem dos estudantes é admirada pela maioria dos setores da população francesa, o Partido Comunista vacila entre um leve apoio e ataques extremos. E de modo a impedir que as formas revolucionárias e experimentais desenvolvidas pelos estudantes circulem na classe trabalhadora, o Partido Comunista está cooperando com o Estado, colaborando com seu “inimigo de classe” (os proprietários das fábricas), e explorando as diferenças de interesses entre os trabalhadores que antes eram explorados pelo estado capitalista e pelos proprietários.
Assim, depois que a fábrica é ocupada por todos os seus trabalhadores, o sindicato se torna o único porta-voz dos trabalhadores. Em outras palavras, enquanto os trabalhadores como um todo decidiram tomar suas próprias fábricas e expropriar os proprietários, os trabalhadores não desenvolveram entretanto formas políticas através das quais discutir e executar as decisões subsequentes. Nesse vácuo, o sindicato faz decisões no lugar dos trabalhadores, e transmite suas decisões para os trabalhadores através de microfones. E enquanto escrevemos isto, o sindicato comunista decidiu pelos trabalhadores que as fábricas expropriadas devem ser devolvidas aos proprietários em troca de salários mais elevados.
F. Perlman
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O COMITÊ DE AÇÃO DA CITROËN - I
Paris, 30 de Maio, 1968 1
Os Comitês de Ação nascidos em toda França no fim de maio transcendem meio século de atividade política da esquerda. Com militantes de todos os setores e partidos de esquerda, de social-democratas a anarquistas, os Comitês de Ação dão nova vida a objetivos há muito esquecidos pelo movimento socialista, eles dão novo conteúdo a formas de ação que existiam na Europa durante a Revolução Francesa, e eles introduzem no movimento socialista formas totalmente novas de participação local e atividade social criativa.
Este artigo vai traçar o desenvolvimento, durante os últimos dez dias de maio, de um comitê (o Comitê de Ação de Trabalhadores e Estudantes - Citroën) cujo objetivo primário era conectar o “movimento estudantil” com os trabalhadores das fábricas de automóveis Citroën em Paris e arredores .
Na terça-feira, 21 de Maio, um comitê de greve representando os trabalhadores das fábricas da Citroen convocou uma greve de duração ilimitada. Os donos das fábricas imediatamente chamaram o “poder do estado para tomar medidas que são indispensáveis para assegurar a liberdade ao trabalho e o livre acesso às fábricas para aqueles que desejam trabalhar.” (Le Monde, 23 de maio, 1968)
No mesmo dia que os proprietários chamaram por intervenção policial, estudantes, jovens trabalhadores e professores que nos dias anteriores haviam lutado com a polícia nas ruas de Paris formaram o “Comitê de Ação Citroën” no centro Censier da Universidade de Paris. O primeiro objetivo do Comitê de Ação foi cooperar com o comitê de greve das fábricas na realização de uma ocupação delas. O objetivo de longo prazo do Comitê de Ação foi ajudar a trazer uma situação revolucionária que levaria à destruição da sociedade capitalista e a criação de novas relações sociais.
O Comitê de Ação Citroën é composto de jovens franceses e trabalhadores estrangeiros e intelectuais que, desde o nascimento do comitê, tiveram igual poder e igual voz na formulação dos projetos e métodos do comitê. O comitê não começou com, e nem adquiriu um programa fixo ou uma estrutura organizacional fixa. O vínculo que une antigos militantes de organizações de esquerda radical e jovens que nunca antes se envolveram em atividade política, é uma determinação inabalável de desmantelar a sociedade capitalista contra cujas forças policiais todos combateram nas ruas.
O comitê não tem adesão fixa; cada indivíduo que toma parte nos encontros diários e ações é um membro participante. Qualquer um que conhece pessoas o suficiente para agrupá-las para formar um encontro pode presidir; não há presidente permanente. A ordem da discussão é estabelecida no começo do encontro; os temas para serem discutidos podem ser propostos por qualquer membro. O comitê é autônomo no sentido de que não reconhece a legitimidade de qualquer corpo “superior” ou qualquer “autoridade” externa. Os projetos do comitê não são realizações de planos pré-determinados, mas são respostas a situações sociais. Portanto, um projeto chega ao fim tão logo a situação mude, e um novo projeto é concebido, discutido e posto em ação em resposta a uma nova situação.
No dia em que o comitê de greve das fábricas da Citroën chamou os trabalhadores para ocupar suas fábricas, o Comitê de Ação Citroën executou seu primeiro projeto: contribuir para a ocupação da fábrica conversando com os trabalhadores e distribuindo panfletos explicando a greve. Um dos panfletos foi uma chamada para uma unidade dos trabalhadores-estudantes em luta para “destruir esse sistema policial que oprime todos nós… Juntos vamos lutar, juntos vamos vencer.” (Panfleto “Camaradas”, Comité d’Adction Travailleurs-Etudiants, Centre universitaire Censier, 3ème etage.)
Outro panfleto foi o primeiro anúncio público do internacionalismo inegociável do comitê. ”Centenas de milhares de trabalhadores estrangeiros são importados como qualquer outra mercadoria útil ao capitalismo, e o governo vai tão longe a ponto de organizar a imigração clandestina de Portugal, revelando-se assim como um traficante de escravos”.
O panfleto continua: ”Tudo isso deve ter um fim! Os trabalhadores estrangeiros contribuem, através de seu trabalho, na criação da riqueza da sociedade francesa… Cabe consequentemente aos trabalhadores e estudantes assegurar que os trabalhadores estrangeiros adquiram a totalidade de seus direitos políticos e sindicais. Essa é a base concreta do internacionalismo.” (“Travailleurs Etrangers,” Comité d’Action, Censier.)
Às 6 horas da manhã, durante o alvorecer da ocupação, quando os trabalhadores da Citroën aproximaram-se das fábricas, eles foram saudados por jovens trabalhadores, estudantes e professores, distribuindo panfletos laranjas e verdes. Durante essa manhã, entretanto, os militantes do Comitê de Ação foram saudados por duas surpresas. Primeiro, eles encontraram os funcionários da C.G.T (o sindicato comunista) chamando por uma ocupação da fábrica, e, segundo, eles foram procurados pelos funcionários da C.G.T que lhes disseram para ir para casa.
Nos dias anteriores, a C.G.T se opôs à onda de greves que se disseminava e à ocupação das fábricas. Entretanto, durante a manhã da ocupação, trabalhadores que chegavam e viam os funcionários do sindicato lendo discursos em seus microfones nas entradas da fábrica tiveram a impressão de que eram os funcionários da C.G.T que haviam iniciado a greve.
Entretanto, o sindicato, diferente do movimento de estudantes e diferente dos trabalhadores que iniciaram a greve, não estava exigindo a expropriação das fábricas dos seus proprietários capitalistas, ou a criação de uma nova sociedade.
Os funcionários do sindicato comunista estavam reivindicando salários mais altos e melhores condições de trabalho dentro do contexto da sociedade capitalista. Assim os funcionários opuseram-se energicamente à distribuição dos panfletos do Comitê de Ação, argumentando que a distribuição dos panfletos iria “interromper a unidade dos trabalhadores” e “criar confusão”.
Os funcionários do sindicato não perderam muito tempo argumentando com os militantes do Comitê de Ação porque a ocupação das fábricas não aconteceu do modo como eles ‘planejaram”.
Sessenta por cento da força de trabalho das fábricas da Citroën são trabalhadores estrangeiros e a vasta maioria deles não está na C.G.T (nem em sindicatos menores). Quando um grupo pequeno de membros do sindicato entrou na fábrica para ocupá-la, eles foram mantidos fora dos locais de trabalho por guardas da fábrica colocados ali pelos proprietários. A vasta maioria dos trabalhadores estrangeiros não acompanhou os membros do sindicato dentro da fábrica, os trabalhadores estrangeiros permaneceram lá fora observando. Os oficiais do sindicato fizeram um grande esforço para traduzir os discursos em alguns dos idiomas dos trabalhadores estrangeiros. Os trabalhadores estrangeiros ouviam os alto-falantes com indiferença e às vezes com hostilidade.
Nesse momento, os oficiais do sindicato pararam de tentar afugentar os agitadores do Comitê de Ação: na verdade, os oficiais decidiram usar os agitadores. Entre os militantes havia jovens que falavam as línguas dos trabalhadores estrangeiros e os jovens se misturavam livremente entre os trabalhadores estrangeiros. Por outro lado, os oficiais do sindicato, burocratas experimentados, eram institucionalmente incapazes de falar diretamente aos trabalhadores: anos de prática os fizeram peritos em discursos em microfones, e seus microfones não estavam trazendo os efeitos desejados.
Assim, os funcionários começaram a encorajar os jovens agitadores a se misturar aos trabalhadores, a explicar a ocupação das fábricas à eles; os funcionários até deram microfones para alguns dos membros estrangeiros do Comitê de Ação. O resultado foi que, após duas horas de comunicação direta entre os trabalhadores estrangeiros e os membros do Comitê de Ação, a maioria dos trabalhadores estrangeiros estava dentro da fábrica, participando da ocupação.
Orgulhosos de sua contribuição para a ocupação da Citroën, as pessoas do Comitê de Ação foram para a fábrica na manhã seguinte para falar aos trabalhadores ocupantes. Outra vez, eles não foram bem-vindos. Uma grande bandeira vermelha flamulava no portão da fábrica, mas os jovens militantes encontraram os portões fechados para eles. Nas entradas das fábricas estavam oficiais do sindicato que explicavam estar sob ordens estritas (dos sindicatos - e do Comitê Central do Partido Comunista) de não permitir que os estudantes e outros estranhos entrassem na fábrica. Os jovens agitadores explicaram que eles tiveram um papel crucial na ocupação da fábrica, mas a expressão nos rostos dos funcionários do sindicato apenas endureceram mais.
Nesta tarde, o Comitê de Ação Citroën teve uma reunião urgente. Os membros do comitê ficaram furiosos. Até agora, eles disseram, eles tinham cooperado com o sindicato; eles tinham evitado um confronto aberto. Sua atitude cooperativa não fez qualquer diferença para os oficiais do sindicato; os militantes do comitê simplesmente se deixaram utilizar pelos funcionários, e, após serem usados, eles foram rejeitados. Era hora de um confronto aberto contra o sindicato. O comitê elaborou um novo panfleto, no qual chamavam os trabalhadores para abandonar o sindicato e tomar o controle da fábrica em suas próprias mãos.
Devido à presença de guardas do sindicato nas entradas da fábrica, um número relativamente pequeno de trabalhadores leu o panfleto. Entretanto, entre estes trabalhadores havia alguns que se ressentiam com a tomada de comando pelo sindicato dentro da fábrica, e alguns que começaram a frequentar as reuniões do Comitê de Ação Citroën e a participar nas discussões políticas na Sorbonne e no Censier.
Neste momento o Comitê Citroën junto com outros comitês de ação da Sorbonne e Censier compuseram uma chamada para ação aos trabalhadores dentro das fábricas. ”A política dos líderes do sindicato é agora bem clara, incapazes de se opor à greve, eles tentam isolar os trabalhadores mais militantes dentro das fábricas, e deixam a greve apodrecer para poder, mais tarde, forçar os trabalhadores a aceitarem os acordos que os sindicatos vão obter junto com os proprietários”. Entretanto, o panfleto continua, “os partidos políticos e os sindicatos não estão na origem dessa greve. As decisões foram dos próprios grevistas, fossem eles sindicalizados ou não. Por esta razão, os trabalhadores devem retomar o controle sobre suas organizações do trabalho. Todos os grevistas, sindicalizados ou não, unidos em uma Assembleia Geral Permanente! Nessa Assembleia, os próprios trabalhadores irão livremente determinar suas ações e objetivos”.
Essa chamada para a formação de Assembleias Gerais dentro das fábricas representa um apelo para expropriar a classe capitalista, um apelo à insurreição. Com a formação de uma Assembleia Geral como órgão de tomada de decisão dentro da fábrica, o poder do estado, do proprietário assim como do sindicato deixam de ser legítimos. Em outras palavras, a Assembleia Geral de todos os trabalhadores da fábrica torna-se o único poder de decisão legítimo; o estado é ignorado, o capitalista, expropriado, e o sindicato deixa de ser o porta-voz para os trabalhadores e torna-se simplesmente outro grupo de pressão dentro da Assembleia Geral.
Incapazes de comunicar essas ideias aos trabalhadores na fábrica, o Comitê de Ação Citroën elaborou um novo projeto. Visto que sessenta por cento dos trabalhadores da fábrica eram estrangeiros, e dado que os trabalhadores estrangeiros vivem em projetos especiais de moradia providos pelos donos das fábricas, o Comitê Citroën decidiu alcançar os trabalhadores em suas casas. Os trabalhadores estrangeiros estavam passando seus dias nos seus alojamentos, já que eles não eram mais capazes de se deslocar até as fábricas (o transporte até as fábricas também é fornecido pelos donos das fábricas, e não estava obviamente sendo provido durante a greve).
Uma vez que esse projeto foi concebido durante um período em que a gasolina era escassa em Paris, a maioria dos participantes tinha que pegar carona até os centros de moradia. Muitos projetos relacionados foram sugeridos pelos militantes do Comitê de Ação para os trabalhadores estrangeiros. Em primeiro lugar, os trabalhadores estrangeiros foram encorajados a ajudar aqueles grevistas que reivindicavam o controle operário das fábricas, e não meramente aumentos salariais. E em segundo lugar, os trabalhadores estrangeiros foram encorajados a organizar-se em comitês de ação para lidar com seus próprios problemas específicos.
O projeto do Comitê de Ação iniciou e estimulou vários tipos de atividade entre os trabalhadores estrangeiros. Em alguns dos alojamentos, cursos foram organizados para trabalhadores estrangeiros que sabiam francês. Em Nanterre, por exemplo, o comitê de ocupação da Universidade de Nanterre garantiu uma sala para um recém formado Comitê de Ação de Trabalhadores Iugoslavos. A sala foi organizada para servir a encontros políticos e aulas de francês. Em outro centro, trabalhadores organizaram-se para se protegerem coletivamente dos abusos dos agentes do proprietário (isto é, a Citroën) no centro de moradia. Em alguns dos guetos ao redor de Paris, onde trabalhadores pobres ficaram sem comida para suas famílias, caminhões foram obtidos para transportar comida de camponeses que contribuíram sem custo. Contatos foram estabelecidos entre os trabalhadores estrangeiros e os trabalhadores revolucionários dentro das fábricas. Os trabalhadores estrangeiros foram encorajados a se unir aos trabalhadores franceses na ocupação das fábricas. Em cada excursão aos alojamentos, os membros do Comitê de Ação Citroën diziam aos trabalhadores estrangeiros que não permitissem que fossem usados como fura-greves pelos donos das fábricas.
Em todos esses contatos entre o Comitê de Ação Citroën e os trabalhadores estrangeiros, o internacionalismo do Comitê ficou claro. Quando os membros do comitê chamaram para a expropriação dos donos e o estabelecimento do poder dos trabalhadores dentro das fábricas, eles enfatizaram que esse poder sobre a fábrica deveria ser compartilhado por todos os trabalhadores que trabalhavam nela, fossem de origem francesa ou estrangeira. E quando alguns trabalhadores estrangeiros disseram que eles estavam na França por um curto período e que em breve retornariam para casa, os militantes do Comitê de Ação responderam que o objetivo do movimento não era meramente decapitar o capitalismo francês, mas decapitar o capitalismo enquanto tal, e que assim, para os militantes, o mundo inteiro era um lar.
F. Perlman.
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DA REVOLTA DOS ESTUDANTES À GREVE GERAL: UMA REVOLUÇÃO FRUSTRADA
Paris, 13 de Junho, 1968
A explosão que paralisou a França no Maio de 1968 foi uma revolução frustrada e um claro aviso. Ela representa uma revolução frustrada para os estudantes e trabalhadores que estavam correndo, quase cegamente em alegria e entusiasmo, em direção a uma nova sociedade. Mas a revolta e a greve foram um aviso para toda a classe dominante, um aviso para os burocratas e capitalistas, para os governos e os sindicatos. Os revolucionários frustrados estão começando a fazer um balanço dos feitos e tentando identificar as deficiências. Entretanto, os revolucionários não são os únicos que estão fazendo balanços. As forças de repressão também estão empreendendo a tarefa de analisar a situação; eles também estão fazendo as contas dos feitos, ou melhor, dos perigos revelados à eles no Maio de 1968. E os revolucionários não serão os únicos a se preparar para a próxima crise; as classes dominantes também se prepararão, e não apenas na França. Políticos, burocratas e capitalistas definirão as formas da Revolução de Maio, de modo a prevenir seu reaparecimento; eles estudarão a sequência de eventos, de modo a impedir um novo Maio de 68. Para manter-se à frente das forças da reação, os revolucionários de Maio terão que fornecer mais do que souvenirs: eles devem ver modelos gerais por detrás da sequência específica de eventos; eles terão que analisar o conteúdo por detrás das formas.
A sequência de eventos que levou a uma confrontação repentina entre o estado capitalista francês e um determinado movimento revolucionário pegou ambos os lados de surpresa. Nenhum dos dois lados estava preparado. Mas o momento de hesitação foi fatal apenas para os revolucionários; a classe dominante tomou vantagem da breve pausa para extinguir o fogo. O fato de que apenas um lado ganhou após a pausa é compreensível, os revolucionários teriam que correr rumo ao inexplorado, o desconhecido, enquanto as “forças da ordem” foram capazes de voltar a formas bem conhecidas, de fato formas clássicas de repressão.
O movimento revolucionário avançou a uma velocidade imensa, alcançou um certo ponto e, então, subitamente desorientado, confuso, talvez temeroso do desconhecido, parou apenas tempo o suficiente para permitir que as enormes forças policiais da polícia francesa empurrassem o movimento para trás, o dispersassem e o destruíssem. A reflexão começa agora em ambos os lados. Os revolucionários estão começando a definir a linha que foi atingida; eles estão determinados a ir além dela “na próxima vez”. Eles chegaram tão perto, e entretanto foram empurrados de volta tão longe! Para muitos, foi claro que os passos no desconhecido foram dados, que a linha foi de fato cruzada, que o mar tinha começado de fato a fluir sobre a represa. Para muitos, não foi uma surpresa que a represa iria ser reforçada, que esforços para controlar a maré seriam empreendidos. O que eles não esperavam, o que eles apenas lentamente e penosamente aceitaram, era que o mar em si mesmo iria começar a baixar. Eles aceitaram a derrota com dor porque eles sabiam que, a medida que assistiam a água recuar, por mais alto como a maré tenha subido, por mais perto que a inundação tenha chegado, o mar teria que subir com muito mais força, a maré teria que elevar-se ainda mais alto, apenas para atingir o nível da represa outra vez.
As classes dominantes foram avisadas; deve-se assumir que tomarão as precauções necessárias. Análises das fissuras particulares da represa através das quais as inundações passaram serão feitas de ambos os lados. Tais análises serão a documentação de um evento específico, a história de uma revolução que falhou. Com base nessa documentação, as classes dominantes irão se preparar para prevenir a recorrência desse mesmo evento. Esse é o motivo pelo qual os revolucionários não podem usar a documentação como base de preparação de um evento futuro: as mesmas fissuras não serão encontradas duas vezes na mesma represa; elas terão sido reparadas, e a represa inteira estará erguida mais alto. Um futuro maremoto irá encontrar novas fissuras na represa, fissuras que são invisíveis tanto para os insurgentes como para os defensores da velha ordem. Esse é o motivo pelo qual organizações conspiratórias que planejam correr através de uma fissura particular na represa são condenadas a falhar: não importa quão engenhosos seus “comitês centrais”, não existe razão para supor que os “diretores” ou “líderes” do grupo conspiracional sejam capazes de ver a fissura que os diretores da velha ordem são incapazes. Além disso, a ordem estabelecida está de longe melhor armada com ferramentas investigativas do que qualquer grupo conspiratório.
Historiadores irão descrever através de quais fissuras o mar correu no Maio de 1968. O objetivo da teoria revolucionária é analisar o mar em si mesmo; o objetivo da ação revolucionária é criar um novo maremoto. Se o mar representa toda a população trabalhadora, e se o maremoto representa a determinação de se reapropriar de todas as formas de poder social que foram alienadas aos capitalistas e burocratas em todos os níveis da vida social, então as novas rachaduras serão encontradas, e se a represa for impecável ela será varrida por inteiro.
Ao menos uma lição foi aprendida: o que faltava não era um pequeno partido que pudesse dirigir uma imensa massa; o que estava faltando era a consciência e a confiança por parte de toda a população trabalhadora que eles poderiam eles mesmos dirigir sua atividade social. Se os trabalhadores possuíssem essa consciência no dia em que eles ocuparam as suas fábricas, eles teriam prosseguido para expropriar seus exploradores; na ausência dessa consciência, nenhum partido poderia ter ordenado os trabalhadores a tomarem as fábricas em suas próprias mãos. O que estava faltando era consciência de classe na massa da população trabalhadora, não disciplina partidária de um pequeno grupo. E a consciência de classe não pode ser criada por um grupo secreto, fechado, mas apenas por um movimento vasto, aberto, que desenvolve atividades que visam abertamente a subverter a ordem social existente, ao eliminar a mentalidade servil a população trabalhadora inteira.
F. Perlman
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COMITÊ DE AÇÃO DA CITROËN - II
Paris, 24 de junho, 1968 2
Experiências e perspectivas
As fábricas da Citroën empregam em torno de 40 mil trabalhadores em Paris e nos arredores. Um total de 1500 trabalhadores estão em sindicatos. Dentro das fábricas, os donos organizam a repressão através de agentes da administração, uma polícia privada e um “sindicato livre”. Em torno de 60% dos trabalhadores são estrangeiros, e eles são empregados nas linhas de montagem mais pesadas.
Na sexta-feira, 17 de maio, interrupções do trabalho ocorreram nas oficinas de inúmeras fábricas. Tal evento não ocorria há décadas. Nesse dia, inúmeros trabalhadores foram até o Centro Censier, da Universidade de Paris, e descreveram a repressão policial, a impotência do sindicato, e o espírito guerreiro dos trabalhadores. Os trabalhadores das fábricas, eles disseram, estavam prontos para interromper o trabalho na próxima segunda-feira se os piquetes estiverem disponíveis e se a informação se espalhasse entre as fábricas. Junto com os trabalhadores da Citroën, os estudantes da Censier prepararam um panfleto para ser distribuído no dia seguinte em todas as fábricas da Citroën.
No dia seguinte, sábado, a C.G.T (Confederação Nacional do Trabalho) distribuiu um panfleto clamando por uma greve na segunda-feira e demandando um salário mínimo de 600 NF [novo franco] (em torno de 120 dólares) por mês. Numerosas fábricas em toda França já estavam em greve. Na Citroën, a CGT tem uma filiação bem pequena; perguntava-se então: estava a CGT tomando a iniciativa para tentar ganhar controle de um movimento que até o momento estava fora de seu controle?
A greve de 20 de maio e a ocupação
O Comitê de Ação de Estudantes e Trabalhadores estava funcionando no Centro do Censier desde 13 de maio. Depois de um primeiro contato entre trabalhadores e estudantes, um novo comitê foi formado. O Comitê de Ação Citroën preparou dois panfletos para o dia 20 de maio, um dirigido para todos os trabalhadores, e outro para os trabalhadores estrangeiros nas fábricas da Citroën. O objetivo do Comitê era informar os trabalhadores do movimento de estudantes que desafiou o sistema capitalista e todas as formas de hierarquia. Os panfletos não desafiavam o sindicato nem as demandas do sindicato. Pelo contrário, os panfletos sugeriam que as demandas dos sindicatos desafiavam o sistema capitalista do mesmo modo como os estudantes o desafiaram. Os panfletos expressam uma preocupação com o inimigo comum dos trabalhadores e estudantes, um inimigo que não pode ser destruído a menos que os trabalhadores controlem as forças produtivas. A ocupação das fábricas foi percebida como o primeiro passo em direção ao poder dos trabalhadores.
O primeiro panfleto dizia:
Milhões de trabalhadores estão em greve.
Eles estão ocupando os locais de trabalho. Esse movimento crescente, em massa, vai além da capacidade do Poder estabelecido de reagir.
Para destruir o sistema policial que oprime todos nós, devemos lutar todos juntos.
Os Comitês de Ação de Estudantes e Trabalhadores foram constituídos para esse propósito. Esses comitês trazem uma luz a todas as demandas e todos os desafios das fileiras de toda a classe trabalhadora. O regime capitalista não pode satisfazer essas demandas.
O segundo panfleto, impresso em quatro idiomas, era dirigido aos trabalhadores estrangeiros:
Centenas de milhares de trabalhadores estrangeiros são importados como qualquer outra mercadoria útil aos capitalistas, o governo vai tão longe a ponto de organizar imigração clandestina de Portugal, se desmascarando assim como um traficante de escravos.
Esses trabalhadores são ferozmente explorados pelos capitalistas. Eles vivem em condições terríveis nas favelas que cercam Paris. Visto que são semiqualificados, eles são mal pagos. Dado que eles apenas falam suas próprias línguas, eles permanecem isolados do restante da população trabalhadora e não são compreendidos. Assim, isolados, eles aceitam a forma mais inumana de trabalho nos piores locais de trabalho.
TUDO ISSO PORQUE ELES NÃO TEM ESCOLHA:
Eles deixam seus países porque eles estão morrendo de fome, porque seus países estão também sob o jugo do capital. Vítimas em seus países, eles são vítimas aqui também.
Tudo isso deve acabar.
Por que eles não são INIMIGOS DO PROLETARIADO FRANCÊS: PELO CONTRÁRIO, ELES SÃO SEUS ALIADOS MAIS SEGUROS. Se eles ainda não estão se movimentando, é porque eles são cientes da precariedade de sua situação. Visto que eles não têm direitos, a menor ação pode levá-los a expulsão, o que significa retornar à fome (e para a prisão).
Através de seu trabalho, os trabalhadores estrangeiros participam da criação da riqueza de toda a sociedade francesa. Eles devem ter os mesmos direitos que todos os outros.
Assim, cabe aos trabalhadores revolucionários e estudantes assegurar que os trabalhadores estrangeiros PARTICIPEM DA TOTALIDADE DE SEUS DIREITOS POLÍTICOS E SINDICAIS.
Esse é o começo concreto do internacionalismo.
Os trabalhadores estrangeiros, que fazem parte integral da classe trabalhadora na França, junto com seus camaradas franceses, irão massivamente participar dessa luta radical para destruir o capitalismo e criar uma SOCIEDADE SEM CLASSES tal como NUNCA se viu antes.
Em 20 de Maio, estudantes e trabalhadores do Comitê Citroën distribuíram panfletos e falaram com os trabalhadores em todas as entradas das fábricas da Citroën. Os primeiros contatos com os delegados da CGT foram negativos. Os delegados tentaram impedir a distribuição dos panfletos. O pretexto era que a variedade de panfletos destruiria a unidade dos trabalhadores e criaria confusão. ”Seria melhor”, os delegados disseram, “se elementos externos à fábrica dessem o fora: eles dão pretextos provocativos para os administradores.”
Entretanto, um número significativo de membros do Partido Comunista e funcionários da CGT que vieram para dar um forte apoio à CGT eram externos à fábrica, isto é, eles não trabalhavam em nenhuma instalação da Citroën. Os oficiais do CGT entregaram panfletos que reivindicavam, entre outras coisas, um salário mínimo de 1,000 NF ($200), ou seja, quase o dobro do que eles haviam exigido dois dias antes.
Nas ruas, os delegados sindicais comunicavam-se com os trabalhadores através de megafones. Os estudantes do Comitê Citroën, por outro lado, misturavam-se livremente entre os trabalhadores franceses e estrangeiros. Uma vez que os trabalhadores estrangeiros não estavam obedecendo ao chamado da CGT para ocupar a fábrica, os oficiais do sindicato decidiram usar os estudantes. No lugar de tentar expulsar os jovens “agitadores”, os oficiais encorajaram os militantes dos comitês de ação a continuarem a fazer contato pessoal com os trabalhadores estrangeiros. O resultado de duas horas de comunicação direta foi que a maioria dos trabalhadores estrangeiros estava dentro da fábrica, participando ativamente da sua ocupação.
Os portões são trancados pela CGT
Em 21 de maio, no segundo dia da ocupação, os militantes do comitê de ação encontraram todos os portões da fábrica fechados, e os delegados do sindicato defendendo suas entradas contra “provocadores”. Assim, os jovens militantes foram interditados dos contatos que eles tinham feito antes da ocupação. Jovens trabalhadores dentro da fábrica protestaram vigorosamente contra as ameaças que foram lançadas aos “elementos externos à fábrica”. A CGT se tornou o novo Chefe. O sindicato fez tudo que pôde para impedir os trabalhadores de se tornarem conscientes do fato de que a ocupação da fábrica era uma primeira etapa em direção à expropriação dos proprietários. Para lutar contra essa nova força inesperada, o comitê de ação endereçou aos trabalhadores um novo panfleto:
Trabalhadores:
Vocês ocuparam as fábricas. Vocês não são mais controlados pelo Estado nem pelos ex-proprietários.
Não permitam que novos senhores comandem vocês.
Todos vocês e cada um de vocês tem o direito de falar.
NÃO DEIXEM OS MICROFONES FALAREM POR VOCÊS.
Se aqueles por detrás dos microfones propõem uma moção, todos os trabalhadores, franceses e estrangeiros, devem ter o mesmo direito de propor outras moções.
Vocês, OS TRABALHADORES, têm o poder. Vocês têm o poder de decidir o que produzir, quanto e com que fim.
Vocês, OS TRABALHADORES, controlam as fábricas. Não deixem ninguém tirar esse controle de vocês.
Se algumas pessoas limitam seus contatos com o exterior, se algumas pessoas não permitem a vocês aprenderem sobre a profunda democratização que está ocorrendo na França, então essas pessoas não estão tentando representar vocês, mas controlar vocês.
As fábricas ocupadas devem ser abertas a todos os camaradas, trabalhadores assim como estudantes, de modo a permiti-los tomarem decisões juntos.
Trabalhadores e estudantes possuem os mesmos objetivos. Apesar do governo, as universidades já estão abertas a todos.
Se microfones decidem no lugar de vocês, se microfones transmitem decisões que “nós” fizemos, então esses homens por detrás dos microfones não estão trabalhando com vocês, eles estão manipulando vocês.
Um segundo panfleto, preparado por inúmeros comitês de ação, foi também distribuído. Este panfleto clamava pela formação de novas assembleias gerais de todos os trabalhadores que deveriam superar o sindicato e prevenir que um pequeno grupo falasse em nome dos trabalhadores e negociasse em nome da classe trabalhadora:
... Os oficiais e os políticos do sindicato não foram os iniciadores da greve. As decisões foram feitas, e devem continuar sendo feitas, pelos próprios grevistas, sejam eles sindicalizados ou não…
De modo a driblar a CGT e continuar seu trabalho de contato e informação, o Comitê Citroën lançou três novos projetos: ações com os trabalhadores estrangeiros nas favelas e dormitórios; contatos com trabalhadores nas entradas das fábricas; vínculo entre os trabalhadores politizados nas diferentes fábricas da Citroën.
Contatos na fábrica
Nas fábricas de Balard e Nanterre, encontros diários ocorreram entre os trabalhadores e os comitês de ação. O tema desses encontros foi uma discussão política básica sobre a natureza do movimento estudantil e sua relação com a greve. Os trabalhadores das fábricas tornaram-se crescentemente conscientes de que a greve começou a se transformar cada vez mais em uma forma tradicional de greve sindical. Eles deploraram a desmobilização e despolitização dos piquetes, que foram acompanhadas por uma deserção massiva. Na fábrica de Balard, durante a noite, por exemplo, um pequeno grupo de jovens defendeu a fábrica. Todas as tentativas dos jovens trabalhadores de se organizarem foram sabotadas pela burocracia do sindicato, seja na forma de oposição direta ou na forma de fingir esquecer problemas.
Os jovens trabalhadores não sindicalizados tentaram romper com seu isolamento. Eles contataram militantes da CFDT (Confederação Democrática do Trabalho Francesa) que pareciam favorecer os contatos entre estudantes e trabalhadores, mas as intenções da CFDT eram mais políticas que revolucionárias; o sindicato minoritário tentou alistar novos membros, e a popularidade do movimento estudantil entre os trabalhadores tornou oportuno para o sindicato minoritário se associar com o movimento de estudantes. Segundo, os jovens trabalhadores buscaram contatar militantes que desejavam trabalhar dentro do sindicato organizando os trabalhadores de chão de fábrica contra os oficiais. Terceiramente, os jovens trabalhadores contataram o Comitê de Ação Citroën no Censier, e, depois da última semana de maio, eles trabalharam cada vez mais com o comitê de ação. No fim de maio, os jovens trabalhadores não mais se sentiam seguros de si e nem apoiados por seus camaradas dentro da fábrica. As forças policiais tinham tomado medidas agressivas contra os trabalhadores em outros setores, e os jovens trabalhadores se sentiram isolados e olhavam para fora em busca de apoio.
De modo a responder a essa necessidade de uma organização de chão de fábrica, o Comitê Citroën propôs uma série de ações. Os camponeses estavam enviando alimentos do interior para a Sorbonne e o Censier; contatos foram estabelecidos entre os camponeses, comitês de ação e trabalhadores. O Comitê Citroën informou os trabalhadores sobre as possibilidades de obter alimento e contatar os camponeses diretamente. O problema era encontrar meios de transporte, ou seja, ao menos um caminhão da Citroën que pudesse transportar trabalhadores e estudantes para o campo. A sugestão foi recebida favoravelmente entre os trabalhadores e seu potencial revolucionário foi profundamente compreendido. Mas os trabalhadores não queriam assumir eles mesmos a responsabilidade de tomar um caminhão que pertencia aos proprietários, e então eles buscaram por apoio do sindicato. Os representantes do sindicato mandaram os trabalhadores para o comitê central do sindicato em Balard. O comitê central estava disposto a contatar os camponeses, mas apenas sob a condição de que toda a ação fosse centralizada, que ela fosse toda dirigida pelo comitê central do sindicato; estas condições deveriam sabotar todas as tentativas de uma organização de chão de fábrica.
A segunda forma de ação proposta pelo Comitê Citroën foi estabelecer contatos entre os trabalhadores de diferentes empresas. Entretanto, tais contatos não poderiam ocorrer dentro da fábrica, desde que a fábrica se tornara um bastião inexpugnável guardado pela burocracia do sindicato, que se opunha a qualquer contato entre os trabalhadores de chão de fábrica. Assim o problema era lutar pela livre expressão e pela possibilidade de comunicação entre os trabalhadores.
A terceira forma de ação proposta pelo comitê de ação era contatar os trabalhadores estrangeiros em seus dormitórios. Havia dois aspectos nesses contatos: eles eram meios de radicalizar a luta ao incluir camaradas estrangeiros nos piquetes da greve, e esses contatos eram um meio de se livrar da exaustiva batalha dos grevistas contra os fura-greves, que eram geralmente trabalhadores estrangeiros manipulados pela direção da fábrica; os trabalhadores estrangeiros eram manipuláveis porque eles eram geralmente despolitizados, desinformados; em inúmeras ocasiões, a administração os chamou para votar pelo retorno do trabalho.
Os dormitórios dos trabalhadores estrangeiros
Os dormitórios para trabalhadores estrangeiros permitem aos proprietários explorarem os trabalhadores duas vezes, quer dizer, durante o dia e outra vez durante a noite. Os dormitórios são geridos por agentes da Citroën que não permitem a ninguém entrar, nem mesmo membros da família dos trabalhadores. Por exemplo, em um dormitório na Viliers-le-Bel, a cinquenta quilômetros de Paris, os trabalhadores viviam em quarenta e oito apartamentos com catorze pessoas em cada apartamento de dois ou três quartos. A designação dos trabalhadores aos apartamentos é feita arbitrariamente. Assim, iugoslavos são hospedados junto com trabalhadores espanhóis e portugueses. Os trabalhadores são raramente capazes de se comunicar uns com os outros. Eles trabalham em diferentes turnos e diferentes locais de trabalho. Os trabalhadores pagam 150 NF ($30) por mês. Deste único dormitório, a fábrica obtém 50,000 NF ($10,000) por mês.
Membros do Comitê Citroën que falavam os idiomas dos trabalhadores estabeleceram contatos nos dormitórios de modo a informar os trabalhadores estrangeiros sobre os comitês de ação, e estabelecer conexões entre os grevistas e os trabalhadores estrangeiros. O objetivo do comitê era possibilitar que os trabalhadores se organizassem por si mesmos em comitês de ação de modo a lidarem com problemas específicos: transporte para as fábricas, comida, a luta contra condições repressivas dentro da fábrica e contatos com os camaradas franceses. Cursos de língua francesa foram organizados em diversos centros depois que os trabalhadores se auto-organizaram em comitês e encontraram salas de aulas nas universidades ocupadas próximas ou em centros de cultura locais. Na favela e nas áreas do gueto, a comida fornecida por camponeses e distribuída por comitês de ação foram pegas pelos trabalhadores pobres e suas famílias. Em todas as ocasiões, os trabalhadores estrangeiros foram informados sobre as diferentes formas usadas pelos empregadores para quebrar a greve usando trabalhadores estrangeiros como fura-greves. Numerosos trabalhadores estrangeiros foram postos em contato com grevistas, e eles tomaram uma parte ativa na ocupação da fábrica.
O objetivo de todas essas ações era o de habilitar e encorajar a organização de chão de fábrica entre os trabalhadores.
Um grupo pequeno de trabalhadores, isolados dentro da fábrica, expôs o problema de defender a fábrica contra todas as formas de agressão. O sindicato lhes tinha dado a ordem de abandonar a fábrica “de uma maneira digna” caso alguém atacasse; essa ordem foi explicada em termos de “relações de forças”. O Comitê de Ação Citroën colocou diversos “piquetes” ao redor da fábrica e em uma ocasião esses “piquetes” defenderam a fábrica de um ataque de fura-greves e mafiosos contratados pelos proprietários para expulsar os grevistas ocupantes.
Os comitês de chão de fábrica
Um número crescente de trabalhadores foi até o Centro Censier para buscar contato com os comitês de ação, e os trabalhadores transformaram o caráter do Comitê Citroën e abriram perspectivas para organização e ação pelos próprios trabalhadores dentro das fábricas. Encontros entre o Comitê Citroën com o Comitê Entre-Empresas e com trabalhadores da fábrica química Rhône Poulenc abriram mais perspectivas .
Os trabalhadores de Rhône Poulenc familiarizaram os trabalhadores das outras empresas com a organização dos comitês de chão de fábrica que surgiram de forma muito bem sucedida dentro de sua fábrica. O eco foi imediato. Os trabalhadores da Citroën reconheceram que as organizações de chão de fábrica, onde o poder de tomada de decisões sobre a execução da greve permanecia com os próprios trabalhadores, eram a solução para os problemas que eles enfrentaram durante a greve. Entretanto o período no qual os trabalhadores da Citroën se familiarizaram com os comitês de chão de fábrica da Rhône Poulenc não mais permitia a execução de um projeto semelhante dentro da Citroën, visto que essa era uma das últimas fábricas ainda em greve, e visto que a greve tinha se tornado uma greve sindical tradicional.
Os trabalhadores da Rhône Poulenc, que chamavam os companheiros das outras plantas para seguir seu exemplo, também apontaram que o verdadeiro poder dos trabalhadores não pode ser realizado a menos que a organização de chão de fábrica fosse estendida a todas as partes do mundo capitalista. E durante o tempo em que os trabalhadores da Citroën estavam aprendendo as experiências com os trabalhadores químicos, alguns membros do Comitê Citroën foram para Turim estabelecer contato com a Liga de Trabalhadores e Estudantes agrupados ao redor da Fiat, a maior empresa da Europa. Em Turim, informações foram trocadas sobre as batalhas dos trabalhadores na Itália, a similaridade dos obstáculos postos pelos sindicatos em ambos países, e sobre a significância dos comitês de ação. A organização de comitês de chão de fábrica e o problema do controle dos trabalhadores abriu novas perspectivas para os companheiros em Turim. Como base para mais contatos, os dois grupos estabeleceram uma troca regular de informações (panfletos, jornais e cartas), trocas de listas de demandas, e contatos diretos por trabalhadores e estudantes. Companheiros italianos chegaram em Paris de Milão de modo a estabelecer contatos similares com o Comitê Citroën, e alguns membros do Comitê Citroën retornaram eles mesmos para outros países (tais como Inglaterra e Estados Unidos) de modo a generalizar os contatos internacionais.
A greve por demandas materiais
No sábado, 22 de junho, depois da CGT ter obtido um acordo com os diretores da Citroën, os trabalhadores do Comitê Citroën que se opuseram ao retorno ao trabalho buscaram contato com outras forças organizadas de modo a preparar uma ação na próxima segunda-feira. Os trabalhadores prepararam um panfleto que explicava que, em termos de demandas materiais do sindicato, nada foi recebido pelos trabalhadores:
...Enquanto o sindicato CGT se considera satisfeito com o acordo com os administradores, uma vasta maioria dos trabalhadores, consciente de que as migalhas recebidas não correspondem a suas cinco semanas de luta nem com a greve que começou como uma greve geral, estão prontos para continuar sua luta…
Na manhã da segunda feira, três diferentes panfletos opostos ao retorno ao trabalho foram distribuídos. Os oficiais da CGT não conseguiram encontrar trabalhadores dispostos a distribuir seus panfletos. As forças do sindicato passaram para a oposição; delegados do sindicato e oficiais foram vaiados durante a assembleia antes do voto. Trabalhadores se expressaram fisicamente para permitir os discursos dos trabalhadores opostos ao retorno ao trabalho. Durante a assembleia, um representante do sindicato que não podia falar por causa das vaias demandou ser ouvido em nome da democracia, e então denunciou os trabalhadores que o vaiavam como “aqueles que querem levantar a bandeira vermelha da classe trabalhadora acima da CGT”.
Perspectivas
A insatisfação com as demandas materiais, e a desilusão com o sindicato, fez com que os trabalhadores analisassem em profundidade um problema que havia sido tocado antes pelo Comitê Citroën, ou seja, o problema de se a ação militante deveria ocorrer dentro do sindicato ou fora dele. Um grande número de trabalhadores não organizados estava tentando concentrar sua força forjando novas formas de organização. Uma vez que o problema do sindicato fosse resolvido, o Comitê Citroën seria capaz de desenvolver e aumentar as perspectivas de ação que poderiam ser projetadas a partir da experiência.
Para os trabalhadores da Citroën, o Comitê de Ação Citroën é um órgão de relações e informações. No contexto do comitê, os trabalhadores são capazes de coordenar seus esforços para organizar comitês de chão de fábrica dentro dos locais de trabalho das fábricas. Durante os encontros semanais com outro comitê de ação, o Comitê Entre-Empresas, os trabalhadores da Citroën aprenderam que esforços organizacionais similares estavam acontecendo em outras empresas, e através de seus contatos no exterior eles aprenderam sobre os esforços de trabalhadores automotivos em outros países. Os trabalhadores estão conscientes de que a significação revolucionária dos comitês de chão de fábrica só pode encontrar expressão em outro período de crise. Os comitês de chão de fábrica são vistos como uma base para a ocupação massiva das fábricas, acompanhada por uma consciência da parte dos trabalhadores de que eles são o único poder legítimo dentro delas (ou seja, que nenhum grupo especial pode falar e negociar pela massa dos trabalhadores). A ocupação massiva, acompanha pela consciência dos trabalhadores de seu poder enquanto classe, é a condição para os trabalhadores começarem a se apropriar, isto é, usar, dos instrumentos de produção como uma manifestação aberta de seu poder. O ato de apropriação aberta dos meios de produção pelos trabalhadores deverá ser acompanhado por uma defesa armada organizada das fábricas, visto que a classe capitalista tentará retomar as fábricas com sua polícia e com o que restar de seu exército. Nesse momento, para abolir o sistema capitalista e evitar ser esmagado por um exército estrangeiro, os trabalhadores deverão estender sua luta para os principais centros do sistema capitalista mundial. Apenas nesse momento, o controle completo dos trabalhadores sobre as condições materiais de sua vida serão uma realidade, e nesse momento, a construção de uma sociedade sem mercadorias, sem troca e sem classes pode começar.
pelos membros do Comitê de Ação Citroën.
(Roger Gregoire e Fredy Perlman)
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CENSIER LIBERTADO: UMA BASE REVOLUCIONÁRIA
Paris, Julho, 1968
Kalamazoo (Michigan), agosto, 1968
Introdução
O movimento revolucionário que mostrou seu centro na França em maio e junho de 1968, foi difamado e incompreendido pela imprensa capitalista, a imprensa do Partido Comunista e as impressas dos grupelhos “revolucionários”.
De acordo com a imprensa liberal capitalista, a revolta dos estudantes e a greve geral podem ser compreendidos em termos de “características peculiares” da França Gaullista. De acordo com a imprensa do Partido Comunista, a ocupação das universidades e a greve geral representam um movimento reformista, com os estudantes lutando por uma “universidade moderna” e os trabalhadores lutando pela satisfação de demandas materiais, ambos grupos sendo atrapalhados por uma “penca de loucos e aventureiros”. De acordo com alguns grupelhos “revolucionários”, o movimento na França é um exemplo da eficácia de uma “vanguarda revolucionária” e “líderes”, ou senão é um exemplo da falta de vanguardas e líderes. Existe também uma versão eclética: a “ascensão” do movimento ilustra a eficácia das vanguardas revolucionárias, e seu “declínio” ilustra o que acontece a um movimento sem uma vanguarda.3
Essas “explicações” não explicam por que alguma coisa aconteceu na França em maio de 1968. A revolta dos estudantes e a ocupação das fábricas não estão entre as “características” da sociedade francesa, nem condições “peculiares” para tal comportamento apareceram na França precisamente em maio de 1968. O comportamento “normal” dos estudantes e trabalhadores na sociedade capitalista, o desejo dos estudantes por mais privilégios e dos trabalhadores por mais bens, não explica porque os estudantes e trabalhadores pararam de agir “normalmente” e começaram a lutar para destruir o sistema de privilégio.
A explosão de maio-junho de 1968 é uma ruptura súbita com as regularidades da sociedade francesa e não pode ser explicada nos termos dessas regularidades. As condições sociais, a consciência dos estudantes e trabalhadores, as estratégias das seitas (facções) “revolucionárias”, tudo isso existia antes do Maio de 1968, e não tinha dado origem à revolta estudantil, à greve geral, nem a um movimento em massa determinado a destruir o capitalismo. Algo novo apareceu em maio, um elemento que não foi regular, mas único, um elemento que transformou a consciência “normal” dos estudantes e trabalhadores, um elemento que representou uma ruptura radical com o que era conhecido antes de Maio de 1968.
O novo elemento, a faísca que deu origem à explosão, foi “uma penca de loucos” que não se consideravam nem um partido revolucionário nem uma vanguarda. A história do movimento estudantil que começa em Nanterre com uma manifestação pelo fim da guerra do Vietnã foi contada por todos os lados 4
. As ações do movimento estudantil eram “ações exemplares”; elas iniciaram um processo de escalada contínua, cada etapa envolvendo um setor mais amplo da população.
Uma das etapas nesse processo de escalada foi a ocupação do Censier, anexo da Faculdade de Letras da Universidade de Paris (Sorbonne). Não tão divulgada quanto as ações ou personalidades do movimento estudantil de Nanterre, a atividade que se desenvolveu no Censier durante as últimas duas semanas de maio são paralelas e complementam as do Movimento 22 de Março. Este ensaio irá tentar descrever as etapas no processo de escalada como elas foram experimentadas e interpretadas pelos ocupantes do Censier.
O que aconteceu no Censier não pode ser explicado nos termos da vida cotidiana francesa. Os ocupantes do Censier subitamente cessaram de ser objetos passivos, inconscientes, moldados por combinações particulares de forças sociais; eles se tornaram conscientes, sujeitos ativos que começaram a moldar suas atividades sociais.
O objetivo dos ocupantes do Censier era a destruição das relações sociais capitalistas, mas eles não definiam a si mesmos como o sujeito histórico que iria derrubar o capitalismo. Suas ações, como aquelas do Movimento 22 de Março, são ações exemplares. Seu objetivo foi comunicar o exemplo para um sujeito mais amplo: os trabalhadores. Para fazer o exemplo fluir da universidade para a população trabalhadora, os ocupantes do Censier criaram uma nova forma social: os comitês de ação de estudantes e trabalhadores.
Cada ação foi desenhada para ir além de si mesma. O objetivo dos ocupantes do Censier não foi criar uma comuna autogerida naquele prédio, mas assegurar a ocupação das fábricas. A ocupação do Censier é uma ruptura com a continuidade; o objetivo dos ocupantes é criar novas rupturas.
Os ocupantes não agiram tomando por base aquilo que é o “normal”, mas tomando por base aquilo que é possível. Rupturas radicais com a vida cotidiana não são normais, mas elas são possíveis. Um movimento com o slogan “tudo é possível” avança com base no potencial, não no habitual.
A tarefa destes revolucionários não é definir as condições que tornam a revolução impossível, mas criar as condições que tornam a revolução possível. Essa orientação é provavelmente a ruptura mais radical do 22 de Março e do Censier com a Esquerda Ocidental, que começa sempre apontando as “condições objetivas” (por exemplo, a apatia, o auto-interesse e a dependência dos trabalhadores) que tornam a revolução impossível. O movimento francês começa indo além dos “limites objetivos”, uma orientação que ele compartilha com um punhado de revolucionários cubanos e vietnamitas que começaram uma luta em um tempo em que qualquer análise das “condições objetivas” deveria levar a uma predição de derrota certa. Os revolucionários franceses romperam a psicologia da derrota, a perspectiva de perdedor, e começaram a lutar. Sua luta, como a dos cubanos e vietnamitas, era exemplar: o exemplo fluía para setores da população que eram de longe muito mais numerosos e fortes do que os revolucionários iniciais.
No espírito do 22 de Março e do Censier, este ensaio não abordará as “condições objetivas” da sociedade francesa, mas as ações exemplares que romperam com tais condições; ele não abordará a apatia, auto-interesse e a dependência que tornam impossível a auto-organização dos trabalhadores e estudantes, mas o papel do Censier em criar as condições de ruptura radical que torna a auto-organização possível; ele não abordará as condições que impedem a comunicação e a cooperação entre os trabalhadores e estudantes, mas o papel do Censier em fazer tais comunicações e cooperações possíveis. Este ensaio não vai tentar explicar por que o movimento do Censier não foi além, mas porque ele foi tão longe quanto ele foi.
O caráter exemplar da ocupação da universidade
Para compreender por quê estudantes universitários de uma sociedade industrialmente avançada estão “enfurecidos”, é essencial compreender que os estudantes não estão furiosos com os cursos, os professores, os testes, mas com o fato de a “educação” os preparar para um certo tipo de atividade social: é essa atividade que eles recusam. ”Nós nos recusamos a ser acadêmicos desligados da realidade social. Nós nos recusamos a ser usados para o lucro de diretores. Nós queremos acabar com a separação entre o trabalho de executar e o trabalho de pensar e organizar.”5
Ao rejeitar os papéis para os quais a educação os prepara, os estudantes rejeitam a sociedade na qual tais papéis são exercidos. ”Nós rejeitamos essa sociedade de repressão” na qual “explícita ou implicitamente, a universidade é universal apenas para a organização da repressão.”6
Dessa perspectiva, um professor é um apologista da ordem social existente, um treinador de servos do sistema capitalista; um engenheiro ou um técnico é um servo que é super-treinado para exercer funções altamente especializadas para seu senhor; um gestor é um agente da exploração cuja posição institucional lhe dá poderes de pensar e decidir por outros. ”No sistema social atual, alguns trabalham e outros estudam. E temos uma divisão social do trabalho, até mesmo do intelectual. Mas nós podemos imaginar um sistema diferente…”7
Essa divisão e subdivisão do trabalho social, talvez necessária em um período anterior do desenvolvimento econômico, não é mais aceita. E se a especialização crescente é associada com o nascimento e o “progresso” da sociedade (como argumentado, por exemplo, por Adam Smith), então a recusa da especialização pelos futuros especialistas marca a morte da sociedade capitalista.
Os estudantes descobriram que a divisão de funções sociais entre grupos especializados está na raiz da exploração e alienação. A alienação do poder político por todos os membros da sociedade, e a apropriação do poder político da sociedade (através de eleição, herança ou conquista) por uma classe dominante especializada, é a base da divisão da sociedade em governantes e governados. A alienação (venda) do trabalho produtivo pelos produtores, e a apropriação (compra) do trabalho e de seus produtos pelos proprietários dos meios de produção (capitalistas), é a base da divisão da sociedade em patrões e trabalhadores, gerentes e empregados, exploradores e explorados. A alienação da atividade reflexiva pela maioria dos membros da sociedade e sua apropriação por um corpo especializado de “trabalhadores intelectuais” é a base da divisão da sociedade entre pensadores e executores, estudantes e trabalhadores. A alienação da atividade criativa pela maioria das pessoas, e sua apropriação por “artistas”, divide a sociedade em atores e audiência, criadores e espectadores. As “profissões” e “disciplinas” especializadas representam o mesmo padrão: uma tarefa econômica particular ou atividade social é relegada a um indivíduo particular que não faz nada mais, e o resto da comunidade é excluída de pensar, decidir e participar na realização de uma tarefa que afeta a comunidade inteira.
Ao se recusar a ser transformado em um fator ou uma função em um sistema burocrático organizado (mesmo que fosse um sistema organizado inteligentemente), o estudante não está negando a necessidade social de tarefas e funções. Ele está afirmando que ele irá tomar parte em todas as atividades que o afetam, e ele está negando o direito de qualquer outro de governá-lo, de decidir por ele, de pensar por ele, ou de agir por ele. Ao lutar para destruir as instituições que obstruem sua participação na criação consciente de seu ambiente socioeconômico, o estudante se apresenta como um exemplo para todos os homens governados, subjugados, deixados sem decidir, sem pensar, sem agir. Sua luta exemplar é simbolizada por uma bandeira negra em uma mão e uma bandeira vermelha na outra; ela é comunicada por um chamado a todos os alienados e explorados para destruir o sistema de dominação, repressão, alienação e exploração.
***
“No sábado, 11 de maio, às 6 horas da tarde, militantes do Comitê de Ação 3 de Maio ocuparam o anexo da Faculdade de Letras, no Centro Censier. Durante toda a noite e nos dias que se seguiram, a atmosfera é similar à “noite das barricadas”, não em termos de violência, mas em termos de auto-organização, de iniciativa, de discussão.”8
A universidade deixa de ser um lugar de “transmissão da herança cultural,” um lugar para treinar administradores, especialistas e instrutores, um lugar para fazer lavagem cerebral em fazedores de lavagem cerebral.
A universidade capitalista chega ao fim. A ex-universidade, ou melhor, seu prédio, torna-se um lugar de expressão coletiva. A primeira etapa dessa transformação é a ocupação física do território. A segunda etapa é a discussão, a expressão de ideias, informações, projetos, a auto-expressão criativa dos ocupantes. ”Nos grandes auditórios, a discussão é contínua. Estudantes participam e também professores, assistentes, pessoas da vizinhança, alunos de ensino médio, jovens trabalhadores.”9
A expressão é contagiosa. Pessoas que nunca expressaram suas ideias antes, que nunca falaram na frente dos professores e estudantes, se tornam confiantes em sua habilidade. É o exemplo de outros falando, analisando, expressando suas ideias, sugerindo projetos, que dá às pessoas confiança em sua própria habilidade. ”O serviço de comida”, por exemplo, “é representado durante os encontros por um jovem companheiro: ele tem treze anos, talvez catorze. Ele organiza, discute, toma parte nos auditórios. Ele estava atrás das barricadas. Sua ação e seu comportamento são a única resposta para a baboseira de estudantes de ensino médio serem pirralhos irresponsáveis”. 10
O que começa nesse momento é um processo de aprendizado coletivo, a “universidade”, talvez pela primeira vez torna-se um espaço de aprendizado. As pessoas não aprendem apenas a informação, as ideias, os projetos de outros; elas também aprendem com o exemplo de outras pessoas que elas têm informações específicas para contribuir, que elas são capazes de expressar suas ideias, que elas podem iniciar projetos. Não há mais especialistas nem peritos; a divisão entre pensadores e executores, entre estudantes e trabalhadores, colapsa. Nesse ponto, todos são estudantes. Quando um especialista, um professor de direito, diz aos ocupantes que a ocupação da universidade é ilegal, um estudante lhe diz que não é mais legal para um especialista definir o que é ilegal, que os dias em que um jurista definia o que as pessoas podem ou não podem fazer acabaram. O professor pode ou ficar e participar do projeto de aprendizado coletivo, ou senão pode sair e se juntar à polícia para voltar a impor sua legalidade.
Dentro da universidade ocupada, a expressão se torna ação; o despertar das capacidades das pessoas de pensar, de iniciar, de decidir, é de fato o despertar de suas capacidades de agir. Os ocupantes da universidade tornam-se conscientes de seu poder coletivo: ”nós decidimos fazer de nós mesmos nossos mestres.”11
Os ocupantes não mais seguem ordens, não mais obedecem, não mais servem. Eles se expressam numa assembleia geral, e as decisões da assembleia geral são a expressão de vontade de todos os seus membros. Nenhuma outra decisão é válida, nenhuma outra autoridade é reconhecida. ”Os estudantes e trabalhadores que lutaram nas barricadas não permitirão que qualquer força que seja os impeça de se expressar e de agir contra a universidade capitalista, contra a sociedade dominada pela burguesia”.12
Essa consciência da capacidade de expressar-se, essa consciência do poder coletivo, é por si só um ato de desalienação.”Você não pode mais dormir tranquilamente depois que você subitamente abriu seus olhos”.13
As pessoas não são mais marionetes de forças externas; elas não são mais objetos, elas subitamente se tornarem sujeitos conscientes. E uma vez com seus olhos abertos, as pessoas não estão dispostas a fechá-los outra vez: sua passividade e dependência são negados, aniquilados, e nada exceto a força que quebra sua vontade pode impor outra vez a passividade e a dependência.
Essa assembleia geral não apenas rejeita os mestres anteriores, a autoridade anterior; ela também se recusa a criar novos mestres, uma nova autoridade. Os ocupantes conscientes de seu poder se recusam a alienar esse poder para qualquer força que seja, seja ela imposta externamente ou criada pela assembleia geral em si mesma. Nenhuma força externa, seja a administração da universidade ou o estado, podem fazer decisões para os ocupantes da universidade, e nenhuma força criada internamente pode falar, decidir, negociar ou agir pela assembleia geral. Não há nem líderes nem representantes. Nenhum grupo especial, nenhum funcionário do sindicato, nenhum “comitê de coordenação”, nenhum “partido revolucionário”, tem o poder de negociar pelos ocupantes da universidade, falar por eles, vendê-los. E não há nada para negociar: os estudantes assumiram; eles falam por si mesmos, tomam suas decisões, e executam suas próprias atividades. O Estado e a imprensa capitalista tentam encontrar líderes, porta-vozes, representantes com quem negociar a evacuação da universidade, mas nenhum dos “líderes” são aceitos: seu poder usurpado é ilegítimo, eles não falam por ninguém. Em face desse aparecimento da democracia direta, do controle pela base (a imprensa comunista e capitalista chamam de “anarquia e caos”), o Estado tem apenas um recurso: violência física.
A consciência do poder coletivo é a primeira etapa em direção à apropriação do poder social (mas apenas a primeira etapa, como será mostrado logo a seguir). Conscientes do seu poder coletivo, os ocupantes da universidade, trabalhadores e estudantes, começam a se apropriar do poder de decidir, eles começam a aprender a dirigir suas próprias atividades sociais. O processo de desalienação política começa; a universidade é desinstitucionalizada; o prédio é transformado em um lugar que é dirigido pelos seus próprios ocupantes. Não há “especialistas” nem “responsáveis”. A comunidade é responsável coletivamente pelo que acontece, e pelo que não acontece, dentro do prédio ocupado. Atividades sociais anteriormente especializadas se tornam integradas nas vidas de todos os membros da comunidade. As atividades sociais não são mais executadas pela coerção direta e nem pela coerção indireta do mercado (i.e., a ameaça de pobreza ou fome). Como resultado, algumas atividades sociais, como arrumar o cabelo ou enfeitar as unhas, não são mais executadas. Outras atividades, como cozinhar, varrer os quartos, limpar os banheiros - tarefas executados por pessoas que não tem outra escolha em um sistema coercitivo - são deixadas sem fazer por vários dias. A ocupação mostra sinais de degradação: a comida é ruim, os quartos estão sujos, os banheiros estão inutilizáveis. Essas atividades se tornam a ordem do dia para a assembleia geral: todos estão interessados em sua execução eficiente, e ninguém é coagido institucionalmente para desempenhar essas tarefas. A assembleia geral é responsável pelo seu desempenho, o que significa que todos são responsáveis. Comitês de voluntários são formados. Um Comitê de Cozinha melhora a qualidade das refeições; a comida é de graça: ela é provida por comitês de vizinhança e por camponeses. Um serviço de arrumação se incumbe de manter os banheiros limpos e guarnecidos com papel higiênico. Cada comitê de ação limpa sua própria sala. As tarefas são executadas por professores, estudantes e trabalhadores. Nesse ponto, todos os ocupantes do Censier são trabalhadores. Não há mais trabalhos de status superior e inferior; não existem mais tarefas intelectuais e manuais, trabalho qualificado e não qualificado; há apenas atividades socialmente necessárias.
Uma atividade que for considerada socialmente necessária por um punhado de ocupantes se torna a base para a formação de um comitê de ação. Cada pessoa é um pensador, um iniciador, um organizador, um trabalhador. Companheiros estão sendo feridos gravemente por policiais nas lutas na rua: um andar do Censier é transformado num hospital; doutores e estudantes de medicina cuidam dos pacientes; outros sem experiência médica ajudam, cooperam e aprendem. Um grande número de companheiros têm bebês e como resultado não podem tomar parte nas atividades que os interessam: os companheiros se juntam para formar uma creche. Os comitês de ação precisam imprimir panfletos, anúncios, relatórios: máquinas de mimeógrafos e papéis são encontrados e um serviço de impressão livre é organizado. Pessoas da cidade - observadores e participantes em potencial - afluem no Censier constantemente e são incapazes de se localizar em meio ao complexo sistema social que começou a se desenvolver no prédio: uma janela de informação é mantida na entrada e escritórios de informação são mantidos em cada andar para orientar os visitantes. Muitos militantes vivem longe do Censier: um dormitório é organizado.
O Censier, anteriormente uma universidade capitalista, é transformado num sistema complexo de atividades e de relações sociais auto-organizadas. Entretanto, o Censier não é uma Comuna autossuficiente removida do restante da sociedade. A polícia está na ordem do dia em cada assembleia geral. Os ocupantes do Censier estão plenamente cientes que suas atividades sociais auto-organizadas estão ameaçadas enquanto o Estado e o aparato repressivo não forem destruídos. E eles sabem que sua força, e mesmo a força de todos os estudantes e de alguns trabalhadores, não é suficiente para destruir o potencial do Estado para a violência.
A única força que pode colocar os ocupantes do Censier de volta no sono é uma força que é fisicamente forte o bastante para quebrar sua vontade: a polícia e o exército nacional ainda representam tal força.
Os meios de violência produzidos por uma indústria altamente desenvolvida são ainda controlados pelo Estado capitalista. E os ocupantes do Censier estão cientes de que o poder do Estado não será quebrado enquanto o controle sobre estas atividades industriais não passar aos produtores: eles “estão convencidos de que a luta não pode ser concluída sem a massiva participação dos trabalhadores”. 14
O poder armado do Estado, o poder que nega e ameaça aniquilar o poder da criação coletiva e de auto-organização manifestadas no Censier, só pode ser destruído pelo poder armado da sociedade. Mas antes que a população possa ser armada, antes que os trabalhadores tomem controle dos meios de produção, eles devem se tornar conscientes de sua capacidade de fazê-lo, eles devem se tornar conscientes do seu poder coletivo. E essa consciência do poder coletivo é precisamente o que estudantes e trabalhadores adquiriram depois que eles ocuparam o Censier e transformaram-no em um lugar de expressão coletiva. Consequentemente, a ocupação do Censier é uma ação exemplar, e o objetivo central dos militantes do Censier torna-se comunicar o exemplo. Todas as atividades auto-organizadas giram em torno dessa tarefa central. Antigas salas de aula se tornam oficinas de comitês de ação recém formados; em cada sala, projetos são sugeridos, discutidos e iniciados; grupos de militantes surgem com um projeto, e outros surgem para iniciar um novo.
O problema é comunicar, disseminar a consciência do poder social além da universidade. Todos que foram até as assembleias gerais e participaram nas discussões dos comitês sabem o que deve ser feito. Cada militante do comitê de ação sabe que a autoconfiança em sua própria capacidade, a consciência de seu poder, não pode se desenvolver enquanto outros pensarem, decidirem e agirem por ele. Cada militante sabe que seu comitê de ação é capaz de iniciar e executar seus projetos apenas porque esse é um comitê com sujeitos conscientes, e não um comitê de seguidores esperando por ordens de seus “líderes” ou de seu “comitê central”.
O Censier existe como um espaço e como um exemplo. Trabalhadores, estudantes, professores, pessoas da cidade vêm ao local para aprender, para expressarem-se, tornarem-se conscientes de si como sujeitos, e eles se preparam para comunicar o exemplo a outros segmentos da população e a outras partes do mundo. Estudantes estrangeiros organizam uma assembleia geral para “participar da luta de seus companheiros franceses e lhes dar apoio incondicional”. Percebendo que “a luta dos seus companheiros franceses é apenas um aspecto da luta internacional contra a sociedade capitalista e contra o imperialismo”, 15
os estudantes estrangeiros se preparam para disseminar o exemplo no exterior. Estudantes da europa oriental expressam sua solidariedade enviando notícias para seus companheiros em casa. Um grupo americano forma um comitê de ação da esquerda americana, e eles “planejam estabelecer um canal de informação com os EUA.”16
O mais importante de tudo, a maior contribuição do Censier para o movimento revolucionário, os comitês de ação dos trabalhadores e estudantes, são formados. ”Trabalhadores”... “Para destruir esse sistema repressivo que oprime todos nós, nós devemos lutar juntos. Alguns comitês de ação de trabalhadores e estudantes foram criados para esse propósito.”17
A formação dos comitês de ação de trabalhadores e estudantes coincide com o início de uma greve selvagem: ”No estilo dos estudantes que se manifestam, os trabalhadores da Sud-Aviation ocuparam a fábrica em Nantes.”18
A consciência revolucionária do poder social
Os trabalhadores de uma sociedade capitalista altamente industrializada subitamente cessam de agir “normalmente”: eles param de trabalhar e não começam uma greve ordinária por condições materiais. Eles ocupam suas fábricas, e começam a falar em expropriação.
Para compreender essa ruptura radical com o comportamento usual dos trabalhadores, é necessário compreender que esse comportamento não usual é uma potencialidade sempre presente na sociedade capitalista. A existência dessa potencialidade não pode ser compreendida em termos de condições materiais dos trabalhadores, mas apenas em termos de estruturas das relações sociais na sociedade capitalista.
O fato básico da vida em uma sociedade capitalista é a alienação do poder criativo. O poder alienado da sociedade é apropriado por uma classe. Concentrado em instituições - Capital, Estado, Polícia e Exército -, o poder alienado pela sociedade torna-se o poder da classe dominante para controlar e oprimir a sociedade. Para os criadores do poder, as instituições que os controlam e oprimem parecem forças externas, como forças da natureza, permanentes e imutáveis.
A alienação do poder criativo e a apropriação desse poder ocorre no ato de troca.
O produtor vende seu trabalho; o capitalista compra o trabalho. Em troca do seu trabalho, o produtor recebe salários, ou seja, dinheiro com o qual comprar bens de consumo. A compra e a venda do trabalho em uma sociedade capitalista reduz o trabalho a uma coisa, uma mercadoria, algo que pode ser comprado e vendido. Uma vez que o trabalho é vendido ao capitalista, o produto do trabalho “pertence” ao capitalista, ele é sua “propriedade”. Estes produtos do trabalho incluem os meios de produção com os quais os bens são produzidos, os bens de consumo pelos quais o produtor vende sua força de trabalho, e as armas com as quais a “propriedade” capitalista é protegida dos produtores. Os produtos alienados do trabalho então adquirem vida própria. Os meios de produção não mais aparecem como produtos do trabalho mas como Capital, como objetos e instrumentos que emanam do capitalista, como a “propriedade” do capitalista. Os bens de consumo não mais aparecem como produtos do trabalho mas como recompensas do trabalho, uma manifestação externa da importância, valor e caráter de um indivíduo. As armas não mais aparecem como produtos do trabalho, mas como instrumentos naturais e indispensáveis do Estado. O Estado não mais aparece como uma concentração de poder alienado da sociedade, e sua “lei e ordem” não mais aparece como uma imposição violenta de relações de alienação e apropriação que fazem sua existência possível; o Estado e seu meio repressivo parecem servir a objetivos “elevados”.
Os dois termos do ato de troca (trabalho por salários, poder criativo por bens de consumo) são completamente desiguais. Eles são desiguais em termos de quantidade e em termos de qualidade. Para analisar a greve geral francesa é necessária compreender ambos os tipos de desigualdade, e é crucial compreender a diferença entre elas. A desigualdade quantitativa foi cuidadosamente analisada por uma literatura apologética e crítica. Uma área inteira do conhecimento, a “ciência da economia”, existe para mascarar a desigualdade quantitativa. De acordo com essa “ciência”, cada lado da troca é paga de acordo com sua “contribuição”: o capital é trocado por uma quantidade “correspondente” de lucros, e o trabalho é trocado por uma quantidade “correspondente” de salários. Deve ser notado que as quantidades que são trocadas não correspondem uma com a outra, mas a uma relação histórica de forças entre a classe capitalista e a classe trabalhadora, e que greves e sindicatos tem aumentado a quantidade de bens com o qual o trabalho “corresponde”. Entretanto, o propósito dessa “teoria” não é analítica, mas apologética: seu propósito é mascarar o fato de que mais é trocado por menos, que os trabalhadores produzem mais bens do que eles recebem em troca pelo seu trabalho. Entretanto esse fato é difícil de mascarar: se os trabalhadores recebessem todos os bens que eles produzem, não haveria capital, e não restaria nada para o Estado, Exército, Polícia ou Propaganda.
Além disso, a afirmação de que cada um é pago por “sua” contribuição, o capitalista por “seu” capital e o trabalhador pelo seu trabalho, simplesmente não é verdadeira: a “contribuição” do capitalista consiste de meios de produção produzidos pelos trabalhadores, então o capitalista é pago pelo trabalho dos trabalhadores. O capitalista absorve (ou acumula) trabalho excedente [sobre-trabalho], isto é, o que o trabalhador contribui mas não recebe, ou o que é “deixado de fora” depois que os trabalhadores são pagos.
Os sindicatos preocupam-se exclusivamente com a relação quantitativa entre capitalistas e trabalhadores. O papel dos sindicatos é diminuir o grau de exploração dos trabalhadores, isto é, aumentar os bens que os trabalhadores recebem em troca de seu trabalho, e às vezes ainda aumentar a fatia de riqueza social que é distribuída para a classe trabalhadora. Os sindicatos ajudam os trabalhadores a terem mais, não a serem mais. Eles servem para aumentar a quantidade de bens que o trabalhador recebe em troca de sua atividade alienada; eles não servem para abolir o trabalho alienado. Os sindicatos, como os economistas dos regimes comunistas, assim como boa parte da literatura socialista do século XX, lidam exclusivamente com a relação quantitativa entre trabalhadores e capitalistas.
Entretanto, os grevistas selvagens na França no último maio não ocuparam suas fábricas para obter uma maior porção dos bens que eles produziram. Foi o Sindicato (a Confederação Geral do Trabalho) que fixou esse objetivo na greve, para descarrilhá-la. O objetivo revolucionário do último maio era a relação qualitativa entre trabalhadores e capitalistas, não a relação quantitativa. Entretanto a relação qualitativa não foi tratada extensivamente por socialistas revolucionários - talvez em parte porque o problema quantitativo pode ser compreendido mais facilmente e pode ser ilustrado com estatísticas numa sociedade que idolatra quantidades, em parte porque todos os teóricos soviéticos desconsideram todo o problema como “idealismo”, e em parte porque os ideólogos capitalistas tentaram co-optar o tema e transformá-lo em um programa de reforma liberal quase-religioso. O resultado foi que a ação dos trabalhadores e estudantes foi muito mais radical que a teoria dos mais “revolucionários teoristas” e “estrategistas”.
Os dois termos do ato de troca - trabalho e salário, poder criativo e bens de consumo, energia vital e coisas inanimadas - diferem em qualidade, em gênero. Os dois termos continuam a diferir em qualidade não importa o que acontece com suas quantidades.19
Em outras palavras, o fato de que o trabalhador troca sua atividade alienada por salários, isto é, duas qualidades diferentes, não muda se o trabalhador recebe mais salários, mais bens de consumo, mais coisas em troca de seu poder criativo. Não há “reciprocidade” nesse ato de “troca”: o trabalhador aliena sua energia vital em troca de objetos sem vida; o capitalista se apropria do trabalho alienado dos trabalhadores em troca de nada. (De modo a manter a ficção de reciprocidade, “cientistas sociais objetivos” teriam que dizer que o capitalista se apropria do poder produtivo da sociedade em troca da sua dominação; eles algumas vezes dizem isso, em termos mais eufemísticos).
Vendendo sua atividade, o trabalhador aliena seu poder produtivo, sua atividade; ele aliena o que ele faz na sua vida. Em troca por sua atividade, ou para compensar sua vida perdida, ele come, bebe, viaja, cerca a si mesmo com objetos sem vida, se abandona aos desenhos animados, e se intoxica com experiências viciantes. 20
Sociólogos americanos tentaram reduzir a alienação do trabalho a um sentimento de alienação: assim reduzido, o problema pode ser “resolvido” na sociedade capitalista, sem revolução; tudo que é necessário é uma propaganda sólida e um corpo competente de sociólogos e psicólogos para saber como mudar os sentimentos dos trabalhadores. Entretanto, enquanto as relações capitalistas existirem, o trabalhador vai continuar sendo alienado mesmo que ele se sinta desalienado. Esteja o trabalhador “feliz” ou não a esse respeito, ao alienar sua atividade, ele se torna passivo, ao alienar sua criatividade ele se torna um espectador, ao alienar sua vida ele vive através de outros. Esteja ele ou não “feliz” a esse respeito, ao alienar seu poder produtivo, ele dá poder para uma classe que o usa para contratá-lo, decidir por ele, controlá-lo, manipulá-lo, submetê-lo a propaganda, reprimi-lo, assassiná-lo, entretê-lo e fazê-lo “feliz”.
As relações quantitativas entre trabalhadores e capitalistas tem uma história. A quantidade de bens produzidos por trabalhador tem crescido, a quantidade de bens recebida pelos trabalhadores tem aumentado, e mesmo a porção do produto social recebida pelos trabalhadores pode ter aumentado dentro de regiões específicas, embora se alguém olha para a economia mundial como um todo verá que isso não ocorreu. A aplicação da ciência à tecnologia aumenta a produtividade do trabalho e, assim, o poder produtivo que a classe capitalista comanda; essa quantidade maior de bens aumentou o império controlado pelos capitalistas; a competição na introdução de inovações tecnológicas, e também as crises periódicas, arruinaram alguns capitalistas ineficientes ou sem sorte, e assim possibilitaram a centralização de capitais enormemente ampliados e a integração dos processos tecnológicos relacionados. A centralização do capital e a integração de processos relacionados significou que inúmeras atividades ocorrem sob o mesmo teto, e que a produção se tornou um processo sofisticado de coordenação e cooperação.
Entretanto, a relação qualitativa entre trabalhadores e capitalistas não tem uma história dentro da sociedade capitalista: ela nasceu com o capitalismo e será abolida com o capitalismo: ela é parte da espinha dorsal estrutural do capitalismo. O trabalhador é o objeto comandado, o capitalista é o sujeito que comanda; o trabalhador aliena seu poder produtivo, o capitalista se apropria dele; o trabalho do trabalhador cria produtos, o capitalista se apropria deles e então os vende para o trabalhador; o trabalhador cria Capital, o capitalista o investe; o trabalhador produz mais do que consome, ele cria um excedente, o capitalista dispõe do excedente e assim determina a forma do ambiente do trabalhador, produzindo um aparato repressivo que mantém o trabalhador “no seu lugar”, e contrata propagandistas, manipuladores e educadores para fazer o trabalhador “gostar” de sua condição, ou ao menos aceitá-la. Essa relação estrutural entre o trabalhador e o capitalista é o núcleo da sociedade capitalista, e é a base em que as mudanças quantitativas acontecem.
Essa é a carapaça que começou a quebrar em maio. Essa é a estrutura que começou a se desintegrar, não em partes, mas toda ela de uma só vez. O desenvolvimento das forças produtivas da sociedade, a centralização do capital e a integração da atividade econômica, o crescimento de forças produtivas socialmente combinadas e cientificamente coordenadas, tornam a carapaça capitalista crescentemente vulnerável. Os trabalhadores, unidos pelo capitalista sob o mesmo teto, cooperativos uns com os outros por causa das exigências do trabalho em si mesmo, altamente educados para ser capazes de manipular tecnologia sofisticada, não mais toleram sua situação, eles não mais toleram a existência do capitalista, eles não mais toleram a alienação de sua atividade e a transformação de sua atividade numa mercadoria. Educados, orgulhosos de seus trabalhos, confiantes de suas habilidades, eles começam a expressarem-se sobre o fato de que eles são reduzidos a ferramentas. Cada um vê suas próprias observações confirmadas por aquelas dos outros. Os trabalhadores adquirem consciência de classe. Eles ganham confiança em seu poder, eles se tornam conscientes de seu poder coletivo. Eles comunicam sua consciência para outros trabalhadores.
Os trabalhadores começam a assumir o controle; eles começam a tomar posse das forças produtivas (o antigo “capital”), e com estas poderosas forças produtivas eles podem destruir o poder concentrado da classe capitalista: o Estado e seu aparato repressivo. O núcleo capitalista começa romper, os expropriadores começam a ser expropriados.
Esse é o começo da revolução socialista. É o começo de um evento de dimensões mundiais: a destruição do capitalismo como um sistema unificado, mundial; a negação da alienação. É uma aventura, o início de um processo de criação social.
Quando os trabalhadores da Sud Aviation ocuparam sua fábrica “ao estilo dos manifestantes estudantis”, eles não estavam meramente expressando sua simpatia com os estudantes que se manifestavam. E quando outros trabalhadores ocuparam suas fábricas, eles não estavam demandando mais bens de consumo em troca de seu trabalho alienado. Alguns trabalhadores compreenderam profundamente o que estava acontecendo nas universidades. Esse não era o “conflito social” tradicional entre “trabalho e administração”. Na fábrica de automóveis da Renault em Cleon, por exemplo, “a iniciativa foi tomada por cerca de 200 trabalhadores, membros de sindicatos (a Confederação Geral do Trabalho e a Federação Democrática do Trabalho Francesa), mas que pareciam estar agindo espontaneamente, seguindo o modelo dos estudantes; não houve conflito social no establishment.”21
De fato, os sindicatos também compreenderam que essa não era uma greve tradicional, que o exemplo dos estudantes não tinha nada a ver com melhorias quantitativas dentro do contexto de uma sociedade capitalista, e ambos os sindicatos declararam “que resolveram não compartilhar a responsabilidade pelo movimento com os estudantes, e sua vontade de não permitir que seu transbordamento pudesse levar à anarquia.”22
A ocupação física das fábricas foi a primeira etapa em direção à “anarquia”. A próxima etapa seria os trabalhadores usarem seus locais de trabalho e pátios como espaços de expressão coletiva. Isso aconteceu em algumas fábricas. Mas apenas umas poucas. Os sindicatos começaram a tomar controle do movimento. E os sindicatos não têm interesse em permitir que a expressão criativa “transborde” nos locais de trabalho. Tornou-se urgente para os estudantes comunicar seu exemplo. Esse é o objetivo do Comitê de Ação de Estudantes e Trabalhadores do Censier. Para fazer isso, os comitês não apenas devem lutar contra a propaganda capitalista, mas também contra a oposição anunciada dos sindicatos. ”Nós não mais queremos confiar nossas demandas aos profissionais do sindicato, sejam eles políticos ou não. Queremos tomar nossos assuntos em nossas próprias mãos. Nossos objetivos não podem ser realizados sem informação viva, concreta e diária, sem um contato constante, humano e imaginativo entre estudantes e trabalhadores”.23
O “constante contato humano e imaginativo entre trabalhadores e estudantes” foi estabelecido no Censier desde o primeiro dia da ocupação; essa foi a base para a formação dos comitês de trabalhadores e estudantes. Durante a noite da ocupação, “jovens trabalhadores que se manifestaram no Bairro Latino, entraram na universidade francesa pela primeira vez, e eram mais numerosos que os estudantes. Todos eles discutiram, as vezes de uma forma desorganizada, as vezes de maneira demasiado entusiasmada, mas todos cientes que frases abstratas sobre a ligação entre trabalhadores e estudante podem ser superadas.” 24
A solidariedade entre trabalhadores e estudantes, a auto-expressão criativa, o aprendizado coletivo, a consciência do poder coletivo, tudo isso são fatos no Censier; eles precisam ser comunicados ao resto da população. Autoexpressão criativa e auto-organização em um único prédio ou uma única fábrica são como uma greve executada por apenas um trabalhador.
Um comitê de estudantes e trabalhadores é formado para cada uma das principais empresas, distritos, regiões. Os comitês incluem trabalhadores das empresas, estudantes franceses, estudantes estrangeiros, professores. Os nomes nas portas das antigas salas de aulas referem-se a lugares: Renault, Citröen, 5º Distrito, 18º Distrito. Os comitês não são nomeados de acordo com programas, linhas políticas ou estratégias, porque eles não tem programas, linhas ou estratégias. Seu objetivo é comunicar aos trabalhadores o que aconteceu no Censier. Auto-guiado e auto-organizado, eles não saem para “liderar a população” ou para “organizar os trabalhadores”. Eles sabem que eles não estão aptos para essa atividade de qualquer modo; mas eles também sabem que mesmo se eles fossem bem sucedidos nisso, eles falhariam em atingir um objetivo: eles iriam meramente reintroduzir um tipo de dependência, um tipo de relação entre líderes e guiados, justamente o tipo de estrutura hierárquica que eles começaram a lutar por destruir. Quando um grupelho “revolucionário” se instala no Censier, coloca o nome numa porta, e começa a “ajudar” os comitês de ação com problemas de “programa político” e “estratégia” para que os militantes sejam capazes de “liderar os trabalhadores” mais eficientemente, os militantes de inúmeros comitês de ação entram no escritório da “vanguarda revolucionária”, chamam os professores especialistas em revolução e até policiais, e dão um ultimato: ou aprendam conosco ou se juntem às autoridades lá fora.
Militantes do comitê vão até os portões das fábricas para falar com os grevistas, para trocar informação, para comunicar. Eles não vão lá para substituir os líderes sindicais, mas para estimular os trabalhadores a organizarem a si mesmos, tomar o controle independentemente dos líderes do sindicato e com suas próprias mão. ”Os líderes políticos e sindicais não iniciaram a greve. Os próprios grevistas, fossem eles sindicalizados ou não, tomaram as decisões, e são eles que devem fazer as decisões”. Para que isso se torne possível, os militantes do comitê de ação chamaram por uma “reunião de todos os grevistas, sindicalizados ou não, em uma Assembleia Geral contínua. Nessa Assembleia, os trabalhadores irão determinar livremente suas ações e seus objetivos, e eles irão organizar tarefas concretas, como os piquetes de greve ou distribuição de comida, a preparação de manifestações…” 25
Os militantes do comitê de ação chamam os trabalhadores para transformar a fábrica ocupada em um lugar de expressão coletiva pelos trabalhadores.
Os trabalhadores que são contatados pelos militantes do Censier, ou que são alcançados por panfletos, expressam si mesmos, eles discutem, e através das discussões eles se tornam conscientes de seu poder. Entretanto, não foi nas fábricas que eles se expressaram, mas em uma “zona liberada”, no Censier. Ao deixar o Censier se tornar o lugar de expressão criativa dos trabalhadores, o lugar para o aprendizado coletivo, os trabalhadores falharam em transformar as fábricas em lugares para a autoexpressão criativa. No Censier, os trabalhadores libertaram a si próprios; eles não derrotaram o sistema capitalista. No Censier, a revolução foi uma ideia, não uma ação.
As discussões nas Assembleias Gerais do Censier eram acaloradas. Concepções conflitantes do poder dos trabalhadores, do socialismo, da revolução, colidiram. Mas as discussões eram libertadoras. O ponto de partida em cada discussão era a situação atual dos ocupantes do Censier: os constituintes decidiam sobre e controlavam sua própria atividade; eles não entregavam seu poder a líderes, delegados, representantes que os controlassem em seus nomes. Não era uma exploração por um preço diferente, ou por pessoas diferentes; foi uma qualidade diferente de vida. E os oradores tiravam conclusões dessa transformação qualitativa das relações sociais.
“Em nossa opinião o socialismo deve ser definido como a derrubada das relações de produção. Esse é o ponto fundamental que permite desmascarar as tendências burguesas e burocráticas que se autoproclamam socialistas.”
Duas tendências principais foram desmascaradas:
- a primeira define socialismo como a nacionalização dos meios de produção e como planejamento. É óbvio que a nacionalização pode mudar as relações de propriedade, mas não pode de nenhum modo mudar as relações de produção. Concretamente, os trabalhadores continuam a se submeter a uma autoridade hierárquica no processo de produção e em todas as áreas da vida social. Essa corrente é representada na França pelo Partido Comunista Francês, que propõe esse modelo de socialismo como um objetivo de longo prazo. Ela também foi representada pelos grupelhos pró-maoístas e por numerosas micro-burocracias que propagandeiam seu bolchevismo.
- a segunda corrente, composta de social-democratas inteligentes… insiste na noção de autogestão dos trabalhadores, mas sem nunca colocar o problema da superação do capitalismo. Assim, eles apresentaram concepções de co-gestão e autogestão que podem ser facilmente assimiladas pelo capitalismo, dado que, no contexto do sistema atual, elas levarão no máximo a uma situação onde os trabalhadores gerenciam sua própria exploração. Essa corrente é representada na França por certos grupos anarquistas, e sobretudo, de forma mais elaborada, pela burocracia centralista do Partido Socialista Unido (P.S.U.), o qual tem ganhado alguma influência na presente crise através de seus intermediários na liderança da U.N.E.F. (o sindicato de estudantes) e do S.N.E. Sup. (o sindicato dos professores). As mesmas teses são apresentadas, com algumas variantes, pela liderança da C.F.DT. (Federação Democrática Francesa do Trabalho).”
Essas concepções são abandonadas. Elas são substituídas por uma generalização do que estava acontecendo no Censier, quer dizer, uma generalização da experiência real.
“Nossa concepção de socialismo é a seguinte:
- os trabalhadores diretamente organizam e controlam o processo inteiro de produção e todos os outros aspectos da vida social. Os órgãos dessa organização e controle não podem ser definidos de antemão. Nós podemos apenas dizer que a organização não será realizada por um sindicato ou por um partido. Isso obviamente implica a supressão de todas as hierarquias em todos os níveis.”26
Esse é um chamado pela morte do capitalismo, um chamado pela apropriação do poder social pela sociedade, um chamado para os trabalhadores se apropriarem do poder produtivo alienado aos capitalistas, um chamado para as pessoas se apropriarem do poder de tomada de decisões alienado aos topos das hierarquias, um chamado para todos se apropriarem do poder de pensar e agir alienado a especialistas e representantes.
Era a última semana de maio. Um número crescente de trabalhadores tomou parte nas Assembleias Gerais no Censier e em outras universidades. Não se trata de um “grupelho” nem um “partido de vanguarda”; é um movimento revolucionário em massa. Nesse ponto é ridículo para os militantes do Censier que ainda haja em algumas universidades “estudantes” discutindo reformas e reorganização.
Para os militantes do Censier, “tudo é possível”. As potencialidades da situação revolucionária são elaborados em panfletos, em discussões nas assembleias gerais.
“Todos os programas e estruturas das organizações tradicionais da classe trabalhadora explodiram. A questão do poder foi exposta. Não é mais uma questão de substituir um governo por outro, ou substituir um regime por outro. É uma questão de instalar o Poder de toda a classe trabalhadora sobre toda a sociedade; é a questão da abolição da sociedade de classes.”27
Não apenas na França, mas em toda a região capitalista. A destruição do estado capitalista e seu aparato repressivo (a polícia e o exército), a força que protege a transferência da riqueza do mundo de regiões “atrasadas” para “desenvolvidas” e das classes baixas para classes altas é eliminada. A ausência de um regime, de um governo, torna urgente estender a revolução para além das fronteiras da França tanto quanto estendê-la para além das fronteiras do Censier. Essa observação é feita na assembleia geral; isso causa furor, é uma perspectiva que não havia sido levantada pelos revolucionários socialistas desde a vitória da concepção de Stalin de “socialismo em um único país”.
“Na Bélgica, na Alemanha, na Itália, na Inglaterra, na Holanda, em todos os países capitalistas, lutas similares às nossas, ou em solidariedade a nossa luta, estão se desenvolvendo.”28
A economia está paralisada. Todos os locais de trabalho estão ocupados pelos trabalhadores. O poder do regime capitalista é suspenso:
“... ele perdeu suas fábricas, ele perdeu o controle sobre a atividade econômica, ele perdeu sua riqueza. Ele perdeu tudo; tudo que restou é poder, e este deve ser tomado.” 29
A questão do poder é colocada. A primeira etapa é pensada: os produtores ocupam fisicamente os locais de trabalho: “a bandeira vermelha da classe trabalhadora, e não a de partidos, tremula em todos lugares”. A próxima etapa são os trabalhadores se expressarem, se organizarem e desenvolverem sua enorme capacidade de iniciativa.” 30
. Nesse ponto, a expressão é traduzida em ação, a consciência do poder coletivo é seguida pela organização de poder coletivo, a greve é transformada em uma “greve ativa”. E nesse momento,
“a violência é inevitável enquanto a ameaça de perderem tudo que conquistaram pairar sobre os trabalhadores, enquanto o poder repressivo do estado continuar a existir... Agora os trabalhadores deverão organizar seu poder em todos lugares de modo a destruir o poder repressivo nas suas raízes… Os trabalhadores devem se preparar organizando a retaliação armada a qualquer provocação… Eles devem destruir as próprias fontes do poder fazendo a burguesia inútil, assumindo o controle da organização da produção e da distribuição.”31
“... o aparato de estado, seja burguês ou burocrático, é destruído. Não há mais qualquer corpo repressivo especializado (polícia, exército, etc), estes corpos deram lugar ao armamento geral de toda a população trabalhadora.”32
O capitalismo é destruído, a alienação é aniquilada; a aventura começa, a população trabalhadora organiza sua própria atividade social; as pessoas conscientemente criam suas próprias condições materiais e sociais.
Essas perspectivas são expressadas nas assembleias gerais no Censier. Entretanto, o Censier não era o lugar onde a expressão podia ser traduzida em ação social, onde a consciência do poder coletivo poderia ser transformada na organização de um poder coletivo, onde a greve poderia ser transformada em uma greve ativa. E quando, bem no fim de maio, os trabalhadores de uma indústria química relataram para a assembleia que eles começaram a se expressar nas suas fábricas, todos entenderam. ”Até agora, fomos impedidos de falar; mas nós tomamos o chão de fábrica, nós aprendemos a falar, e isso será irreversível.” 33
Eles tinham formado comitês de chão de fábrica “compostos por todos os trabalhadores de um setor. O comitê é uma expressão de vontade dos trabalhadores”. Isso é o que devia ter sido feito em todas as fábricas quando a greve começou; isso é o que será feito quando a próxima greve começar. As perspectivas estavam no passado, ou no futuro; nada tinha sido feito; o Censier serviu como um substituto.
Removendo o véu da repressão e propaganda
A revolução é uma ameaça tanto para o Partido Comunista quanto para os proprietários das fábricas. O Partido tornou-se parte interessada da lei e na ordem da sociedade capitalista: ele tem enormes recursos financeiros, uma tremenda máquina eleitoral, e controla o maior sindicato francês. Ele possui interesses no seu programa político de longo prazo e em sua estratégia para uma eventual vitória parlamentar. Ele possui interesses em sua fabulosa estrutura burocrática. O Partido Comunista não pode “liderar” a classe trabalhadora para a revolução. “Waldeck-Rochet para Ditador do Proletariado” 34
seria em qualquer caso um slogan ridículo em uma sociedade alfabetizada de meados do século 20. A conquista do poder pelos trabalhadores teria dado um fim ao programa político do Partido Comunista e sua estratégia de vitória parlamentar; teria aniquilado os recursos financeiros do Partido, sua máquina eleitoral, e seu sindicato. Para começar a contribuir para a conquista do poder pelos trabalhadores, o Partido Comunista deveria enterrar a si próprio. Mas o Partido Comunista é uma das maiores forças políticas da sociedade capitalista moderna: como outras instituições, ele possui interesse na continuação de sua existência. Consequentemente, o poder, a experiência e o conhecimento do Partido e da Confederação Geral do Trabalho foram todas mobilizadas para destruir a revolução.
O governo e o sindicato, os capitalistas e os comunistas, mobilizaram seus instrumentos de repressão e propaganda para evitar que o exemplo dos estudantes fluísse para a classe trabalhadora. Um dos primeiros atos do governo foi mandar a polícia ocupar o centro de transmissão de rádio (na Torre Eiffel).
Um dos primeiros atos do sindicato foi tomar controle absoluto de todo sistema de microfone em cada fábrica ocupada. As imprensas comunista e capitalista repetiam as “notícias” sobre estudantes preocupados com provas e trabalhadores preocupados com salários, esperando tornar existente essa situação ao mencioná-la interminavelmente.
A imprensa não mencionou o fato que os estudantes estavam gerindo suas próprias atividades sociais. Isso não foi devido à ignorância ou falta de informação. O Censier, por exemplo, foi amplamente aberto ao público, à imprensa, e mesmo aos policiais (à paisana, obviamente; eles não foram convidados, mas eles vieram, ninguém os impediu). Repórteres foram ao Censier, eles procuravam por líderes, por responsáveis, por quartéis generais organizativos, e não encontraram nenhum. Eles ficaram desapontados, decepcionados, nada estava acontecendo no Censier, e, seja como for, isso era caos e anarquia. A população que dependia de ordens de superiores, de instruções de seus líderes, não soube que a população do Censier se livrou de seus superiores e líderes.
De fato, todas as técnicas conhecidas da “ciência da informação” foram usadas para manter a população dormindo, para reforçar sua dependência dos superiores, dos líderes, dos porta-vozes, dos chefes. Se os líderes não existissem, eles teriam que ser inventados. A imprensa buscou ela mesma instalar o Porta Voz, os Representantes, os Líderes. Burocratas obscuros, professores vigorosos, militantes fervorosos, foram transformados pela imprensa nos Lenins, Maos e Ches da Revolução. Assim, Jacques Sauvageot, vice-presidente do sindicato estudantil, tornou-se o porta-voz do Movimento dos Estudantes; Alain Geismar, ex-secretário do sindicato dos professores, tornou-se o Representante dos estudantes enraivecidos e dos professores, e Daniel Cohn-Bendit se tornou o Líder dos Malucos.
Dany Cohn-Bendit era o favorito. Suas origens germânicas foram apontadas de modo a manter os anti-germânicos bem informados sobre a situação, suas origens judaicas foram apontadas para colocar os antissemitas em guarda. Então a situação era clara para toda a classe média, e para a maioria da classe trabalhadora: seus delicados filhos e filhas foram conduzidos para manifestações violentas, irresponsáveis, anarquistas, anti-patrióticas lideradas por um agitador estrangeiro insignificante. E a escolha se tornou nitidamente clara para todas as pessoas responsáveis. Era tudo uma questão de um ou outro Líder. Os franceses preferem um responsável De Gaulle, mesmo que ligeiramente senil, ou um alemão-judeu anarquista? O circo deveria acabar; os proprietários das fábricas, o governo e a imprensa se cansaram disso, os trabalhadores deveriam voltar aos seus trabalhos, os estudantes, para suas provas. Cada um deve ter a chance de votar em seu Líder preferido na próxima eleição.
O maior objetivo do sindicato era impedir as fábricas ocupadas de serem transformadas em espaços em que os trabalhadores pudessem expressar a si mesmos criativamente. Isso deveria ser feito, se possível, sem a intervenção da polícia, já que um ataque inoportuno da polícia durante a greve geral poderia levar os trabalhadores a começarem a se auto-organizar em auto-defesa. O sindicato dirigiu essa operação logo após o despontar da greve. Oficiais do sindicato se colocaram na cabeça do “movimento”; eles controlaram todos os microfones e “iniciaram” a ocupação da fábrica; a burocracia do sindicato procedeu então a “ocupar” a fábrica no lugar dos trabalhadores. Dentro da fábrica ocupada pelo sindicato, ninguém podia se expressar: os oficiais do sindicato liam nos microfones discursos preparados para uma audiência composta amplamente por delegados do sindicato. Os trabalhadores dentro da fábrica não estavam muito entusiasmados com a “ocupação”; estes que não se entusiasmaram não aplaudiram os discursos lidos pelos oficiais nos microfones, e à noite eles foram ao Censier para analisar o que devia ser feito.
Os militantes do Comitês de Ação estavam cientes do que acontecia. ”A política dos líderes sindicais é extremamente clara; incapazes de se opor à greve, eles estão tentando isolar os trabalhadores mais combativos dentro das fábricas, eles estão tentando deixar a greve apodrecer para fazer os grevistas aceitarem o acordo que eles irão obter com os patrões. E os patrões estão de fato prontos para negociar, a dar a alguns líderes sindicais mais poder, do modo como sempre foi feito em outros países. Se eles precisarem, não hesitarão em reconhecer o sindicato local, de modo a aumentar o controle sobre, e minimizar, a demanda dos trabalhadores.”35
O próximo maior objetivo do sindicato era impedir contatos entre os trabalhadores e os estudantes, para impedir que a consciência do poder coletivo fluísse até as fábricas. Isso foi feito por uma combinação de propaganda e força. No nível da propaganda, foi dito aos trabalhadores que os problemas dos estudantes não tinham nada em comum com os problemas dos trabalhadores; que os estudantes estão preocupados com as provas e querem uma Universidade Moderna, e que de qualquer modo o Líder dos estudantes, Dany Cohn-Bendit, não tem compreensão dos problemas dos trabalhadores e, consequentemente, não pode negociar por eles. No nível da força: os trabalhadores foram trancados dentro, os estudantes foram trancados fora. A maioria dos trabalhadores, de fato, não estava dentro da fábrica, eles foram mantidos longe pelo fato de que nada acontecia lá; esses trabalhadores estavam em casa, ouvindo o governo no rádio, lendo a imprensa burguesa, e esperando o fim da greve; eles foram afastados com segurança da possibilidade de se tornarem conscientes de qualquer coisa.
A minoria de trabalhadores que ocupou as fábricas está trancada dentro; assim eles são mantidos longe dos militantes do comitê de ação fora, e eles são expostos aos discursos lá dentro. Os piqueteiros da greve designados pelos oficiais do sindicato e do partido jogam cartas e esperam a greve acabar. Os militantes dos comitês de ação que chegam nas entradas das fábricas, vão até os piquetes da greve, que são instruídos a não deixar os militantes entrarem, não deixar os militantes falarem com os trabalhadores, não levar os “provocadores e aventureiros” seriamente, e expulsá-los por qualquer meio necessário caso multidões de trabalhadores se juntem a eles.
Nas fábricas ocupadas dessa forma, ninguém expressa nada, ninguém aprende nada, o nível de consciência permanece onde ele estava antes da greve. Os trabalhadores são orientados pelos seus “porta-vozes” que o que eles querem são salários mais altos e condições melhores, e que apenas o sindicato pode negociar esses ganhos para eles. A greve inteira é reduzida a um problema de melhorias quantitativas e ganhos materiais dentro da sociedade capitalista. Presos dentro das fábricas por piqueteiros designados, que falam pelos oficiais do sindicato, informados por microfones e pela imprensa que os militantes lá fora são provocadores anarquistas que seguem um irresponsável Líder estrangeiro, os trabalhadores se tornam ainda mais dependentes. Presos em um contexto no qual todos os seus poderes são alienados, os trabalhadores veem suas possibilidades do ponto de vista da impotência - e desse ponto de vista, nada é possível e nada pode ser aprendido.
Por exemplo, quando os camponeses contataram o Censier e ofereceram galinhas a preços de custo, e quando outros camponeses ofereceram batatas de graça, os militantes dos comitês de ação estavam excitados: esse é o começo de uma greve ativa. Caminhões tiveram que ser colocados a serviço dos grevistas para transportar a comida. Militantes se aproximaram do piquete de greve de uma fábrica automobilística. Os guardas do sindicato na entrada não estavam interessados. O chefe não iria dar permissão para permitir aos grevistas usarem um de seus caminhões, e de qualquer modo a cantina do sindicato compra comida através dos canais estabelecidos. Os oficiais do sindicato ouviram a proposta. Como pequenos negociantes, eles calculam os ganhos quantitativos para a tesouraria do sindicato. Eles aceitam: essa é uma boa compra. Eles enviam um caminhão do sindicato para a comida. Oficiais comunistas e comitês de greve comunistas não podem imaginar quaisquer outras relações que não relações capitalistas.
Assim, as fábricas ocupadas não são transformadas em lugares de expressão e aprendizado, as assembleias gerais não são formadas; os trabalhadores não se tornam conscientes do seu poder coletivo, e eles não se apropriam das forças produtivas da sociedade. A apropriação do poder social pela população trabalhadora teria significado a transformação de toda a sociedade em um lugar de expressão coletiva, um lugar para a criação ativa, consciente, desalienada. Essa anarquia é impedida. Perto do fim da greve, comitês de chão de fábrica são formados em cada vez mais fábricas. Os trabalhadores desses comitês sabem seriamente os meios que são usados para impedir a apropriação do poder social pelos trabalhadores - esse tempo.
Uma vez que as fábricas foram afastadas dos trabalhadores pelos sindicatos, a polícia ataca as universidades. Para justificar a repressão, bodes expiatórios precisam ser encontrados. Os que são apontados são os grupelhos revolucionários, as vanguardas cuja importância declinou durante o período mais alto da crise. Os grupelhos revolucionários são criminalizados, muitos de seus membros atirados na cadeia. É nesse momento que as vanguardas revolucionárias reganham sua importância perdida. Seu papel como vanguardas foi certificado pelo Estado capitalista, e é diariamente confirmado pela imprensa burguesa. Os revolucionários banidos retomam ao Censier.
Dessa vez eles não foram expulsos. Todos são receptivos. São feitos encontros para protestar contra o banimento. São planejadas manifestações para protestar contra o encarceramento dos companheiros. Os revolucionários são seguidos por policiais. Uma guarda é colocada na entrada do Censier - pela primeira vez desde a ocupação. Os grupelhos revolucionários estão lutando para se salvar: é tempo de se organizar. Uma atmosfera nervosa e elementos de paranoia são introduzidos no Censier.
O Censier é transformado. Os militantes dos comitês de ação se vêem examinados, do mesmo modo que os estudantes são examinados pelos professores. Os militantes são avaliados, classificados. Mais uma vez, eles são uma subclasse: eles são politicamente informes, são uma massa amorfa. São a matéria prima que deve ser coordenada, organizada, guiada.
Nesse momento, os comitês de trabalhadores e estudantes deixam o Censier. A Assembleia Geral dos Comitês de Ação dos Trabalhadores e Estudantes muda seu nome: ela se torna o Comitê Inter-empresas. Ele é agora composto principalmente por trabalhadores de diversas empresas; ele se torna a ocasião para membros dos recém formados comitês de chão de fábrica trocarem experiências. Ele não mais se reúne diariamente, mas apenas uma vez por semana. Alguns comitês de fábricas individuais, como o Comitê Citroen, continuam a levar uma existência independente. Os trabalhadores continuam se expressando, aprendendo, tomando iniciativa e agindo dentro dos comitês de ação. Mas os comitês não são mais lugares de auto-expressão para todos os trabalhadores; eles foram afastados das fábricas e universidades. Eles são grupos de pessoas. Eles não tem nem estratégia nem programa político. Eles têm uma perspectiva. E eles sabem o que eles fizeram, eles sabem como, e eles sabem por quem.
A repressão dá nascimento ao tipo de “Esquerda” descrita pela propaganda: uma “Esquerda” composta por sociedades clandestinas, vanguardas perseguidas, líderes trágicos, e mesmo estudantes preocupados com problemas estudantis.
Quando a greve geral está acabada, quando os comitês de ação de trabalhadores e estudantes estão acabados, o Censier se torna “organizado” pela primeira vez desde sua ocupação: ele adquire uma hierarquia interna. Os revolucionários vanguardistas frustrados, que não tinham conseguido dirigir, organizar, planejar, durante a crise, agora trazem seus talentos ao Censier. Eles forjam para eles próprios um lugar em um Comitê Central da Ocupação. Eles formam um Comitê Central de Coordenação que designa salas para grupos apropriados de modo ordenado. Eles explicam que os “anarquistas” agora se foram; que as ideias dos “anarquistas” correspondiam a um “estágio anterior da luta”, e que agora a “luta” requer centralização, coordenação, liderança. Eles alocam salas para novos grupos - novos comitês - feitos inteiramente por estudantes. E eles presidem comissões na reorganização da universidade e na transformação dos cursos.
Os “problemas dos estudantes” chegam ao Censier pela primeira vez desde a ocupação. Na esteira dos “problemas dos estudantes” chega a polícia. Quando a polícia tenta ocupar o Censier ninguém tenta defender o prédio, não há nada para defender; o Censier consiste agora de uma “massa” de estudantes preocupados com as modalidades de uma universidade reorganizada, e uma “vanguarda” preocupada em manter a si mesma no Comitê Central. Uma casca vazia foi tomada pela polícia.
F Perlman.
[hr]
PARTE 2. AVALIAÇÃO E CRÍTICA
Kalamazoo, Fevereiro, 1969
Limites da escalada
Por que nós participamos nos comitês de ação de estudantes e trabalhadores? O que pensávamos que estava acontecendo quando a greve geral começou? Qual foi a base para o que nós pensávamos?
Os estudantes deixaram de aceitar o estado e as autoridades acadêmicas dentro das universidades. Regularmente controlada e gerenciada pelo estado, e nesse sentido uma “propriedade estatal”, as universidades foram transformadas em instituições “sociais”, onde os estudantes determinavam o que deveria ser feito, o que deveria ser discutido, quem deveria fazer as decisões e regras.
Em numerosas assembleias gerais, as pessoas expressavam a consciência que, se era para as universidades serem mantidas nas mãos das pessoas que se encontravam nelas, os trabalhadores deveriam tomar controle das fábricas. De fato, as pessoas foram às fábricas para dizer aos trabalhadores: ”Nós tomamos as universidades. Para isso ser permanente, vocês devem tomar as fábricas”. Alguns trabalhadores começaram a “imitar” o movimento dos estudantes independentemente. Na Renault, por exemplo, a greve começou antes dos “estudantes” irem lá. Isso também é verdadeiro para a Sud-Aviação. Em inúmeras outras fábricas, os jovens trabalhadores que haviam se juntado aos estudantes nas barricadas começaram a seguir o “exemplo” das universidades, chamando por greves e eventuais tomadas das fábricas pelos trabalhadores.
Entretanto, aqui é onde uma primeira crítica deve ser feita. Nós não tínhamos compreendido, de fato, o pleno significado do “modelo” das ocupações das universidades, e consequentemente nossa perspectiva de “assembleias gerais das fábricas” não possuía a base que nós pensávamos que tinha.
O que aconteceu nas universidades foi que estudantes, trabalhadores e outros tomaram os prédios estatais, e assumiram eles mesmos o poder anteriormente possuído pelo Estado. Entretanto, eles não “reorganizaram” nem “reestruturaram” a universidade; eles não substituíram uma universidade “gerida pelos estudantes” por uma universidade gerida pelo estado; eles não reformaram a universidade capitalista. As ocupações não estabeleceram o “poder estudantil” nas universidades, os estudantes não elegeram nem designaram uma nova administração, dessa vez uma burocracia de estudantes, para comandar a universidade no lugar da burocracia do estado. De fato, os ocupantes das universidades rejeitaram a burocracia estudantil tradicional, os sindicatos de estudantes (Sindicato Nacional dos Estudantes Franceses - UNEF).
O que é ainda mais importante é que os “estudantes” não “tomaram” as universidades. Na Sorbonne, no Censier, em Nanterre, e em outros lugares, a universidade foi proclamada uma propriedade social; os prédios ocupados tornaram-se ex-universidades. Os prédios foram abertos para toda a sociedade - estudantes, professores, trabalhadores - para qualquer um que desejasse ir lá. Além do mais, as ex-universidades foram geridas pelos seus ocupantes, fossem eles estudantes ou não, trabalhadores, camponeses. No Censier, de fato, a maioria dos ocupantes não era “estudante”. Essa socialização foi acompanhada por uma ruptura da divisão do trabalho, da divisão entre “trabalhadores” e “intelectuais”. Em outras palavras, a ocupação representou a abolição da universidade como uma instituição especializada restrita a um segmento específico da sociedade (estudantes). A ex-universidade se tornou socializada, pública, aberta a todos.
As assembleias gerais nas universidades foram momentos de auto-organização pelas pessoas dentro de um prédio específico, independente de suas especializações anteriores. Elas não foram momentos de auto-organização a respeito de “seus próprios” assuntos.
Entretanto, isso foi o mais longe que a “escalada” foi. Quando as pessoas que organizavam as atividades dentro da universidade ocupada foram “aos trabalhadores”, fosse nas barricadas ou nas fábricas, e quando eles disseram para os “trabalhadores”: VOCÊS devem tomar SUAS fábricas”, eles mostravam uma completa falta de entendimento sobre o que eles já estavam fazendo nas ex-universidades.
Nas ex-universidades, a divisão entre “estudantes” e “trabalhadores” foi abolida na ação, na prática cotidiana dos ocupantes; não havia mais “tarefas de estudantes” e “tarefas de trabalhadores”. Entretanto, a ação foi mais longe que a consciência. Ao ir aos “trabalhadores” as pessoas viam os trabalhadores como um setor especializado da sociedade, eles aceitaram a divisão de trabalho.
A escalada foi tão longe a ponto da formação de assembleias gerais de seções da população dentro das universidades ocupadas. Esses ocupantes organizaram suas próprias atividades.
Entretanto, as pessoas que “socializaram” as universidades não viram as fábricas como meios SOCIAIS de produção; elas não perceberam que essas fábricas não foram criadas pelos trabalhadores empregados lá, mas por gerações de trabalhadores. Tudo que eles viram, dado que isso é visível na superfície, é que os capitalistas não fazem a produção mas os trabalhadores fazem. Mas isso é uma ilusão. A Renault, por exemplo, não é em nenhum sentido um “produto” dos trabalhadores empregados na Renault, ela é um produto de gerações de trabalhadores (não apenas na França), incluindo mineiros, produtores de máquinas, produtores de comida, pesquisadores, engenheiros. Pensar que as fábricas automobilísticas da Renault “pertencem” às pessoas que hoje trabalham lá é uma ilusão. Porém, essa ficção foi aceita por pessoas que rejeitaram a especialização e a “propriedade” nas universidades ocupadas.
Os “revolucionários” que transformaram as universidades em espaços públicos, e consequentemente em propriedade de ninguém, não estavam conscientes do caráter SOCIAL das fábricas. O que eles contestaram foi o “sujeito” que controlava a propriedade, o “proprietário”. A concepção dos “revolucionários” era que “os trabalhadores da Renault devem gerir as fábricas ao invés dos burocratas do estado; os trabalhadores da Citroen devem gerir a Citroen no lugar dos proprietários capitalistas”. Em outras palavras, as propriedades privada e estatal devem ser transformadas em propriedade do grupo: a Citroen deve se tornar uma propriedade dos trabalhadores empregados na Citroen. E visto que essa “corporação” de trabalhadores não existe no vácuo, ela deve estabelecer maquinarias para se ligar a outras corporações, “externas”, de trabalhadores. Consequentemente, eles devem estabelecer uma administração, uma burocracia, que “representa” os trabalhadores de uma fábrica particular. Um elemento dessa concepção corporativista foi afetado pelo “modelo” das universidades ocupadas.Tão logo o sindicato estudantil foi rejeitado como o “porta-voz” dos estudantes que ocuparam a universidade, o sindicato tradicional (A Confederação Geral do Trabalho) foi rejeitado como o “porta-voz” dos trabalhadores incorporados: ”os trabalhadores devem ser representados não pela CGT; eles devem ser representados por eles mesmos,” quer dizer, por uma nova burocracia eleita democraticamente.
Assim, mesmo na perspectiva dos ocupantes da universidade, as fábricas não deveriam ser socializadas. Desse modo, as “assembleias Gerais” dentro das fábricas não possuíam o mesmo significado que nas universidades. As fábricas deveriam se tornar uma propriedade de grupo, como as empresas iugoslavas. Tais empresas não são socialmente controladas; elas são geridas por burocracias dentro de cada empresa.
Ao enfrentar a polícia gaulista nas ruas, as pessoas contestaram a legitimidade desse poder sobre suas vidas. Ao ocupar um prédio como o Censier, elas contestaram a legitimidade dos burocratas que controlavam essa “instituição pública”. Pessoas ocuparam o Censier, tenham ou não sido alguma vez estudantes ali; ninguém agiu como se o Censier “pertencesse” àqueles estudantes que estavam matriculados nos cursos de lá. Mas a mesma lógica não foi aplicada às fábricas. As pessoas não foram para a Renault ou Citroen dizendo “Isso não mais pertence ao capitalista, ou ao estado, e não mais pertence à CGT também! Além disso, isso não pertence a uma nova burocracia que alguém possa instituir. Isso pertence ao povo, que nos inclui. A Renault é nossa. E nós estamos indo participar dela. Antes de tudo, nós queremos ver o que é isso, e então nós vamos ver o que fazer com isso”.
Em maio certamente era possível para dez mil pessoas irem à Renault e ocupá-la. Mais de dez mil de fato demonstraram sua “solidariedade” com os trabalhadores da Renault e caminharam do centro de Paris até a fábrica da Renault em Billancourt. Mas a ideia dominante era que os trabalhadores que eram empregados lá é que deveriam decidir o que acontece dentro da fábrica. Os manifestantes aceitaram a ordem mais importante da vida capitalista: eles aceitaram a propriedade, eles apenas queriam um novo dono.
(Um pequeno número de trabalhadores de uma fábrica química foi ao Censier para convidar “estranhos” para a fábrica, mas seu convite não teve consequências, e eles foram até mesmo contraditos com argumentos “revolucionários” como “Nós não devemos substituir os trabalhadores”.)
A ideia de que “os meios de produção pertencem aos trabalhadores” foi traduzida como significando que os trabalhadores são donos da fábrica em particular na qual eles trabalham. Essa é uma vulgarização extrema. Tal interpretação implicaria que a atividade particular à qual a luta pelo salário condenou alguém na sociedade capitalista é a atividade a que esse alguém estaria condenado quando a sociedade é transformada. E se alguém que trabalha nas fábricas de automóveis quisesse pintar, plantar, voar ou fazer pesquisa no lugar de produzir numa linha de montagem de carros? Uma revolução deveria significar que os trabalhadores, a partir desse momento, poderiam ir a toda a sociedade, e é duvidoso que muitos deles retornassem para a fábrica de carro particular que o capitalismo os tinha condenado a trabalhar.
A “ideia” de conselhos de trabalhadores não implica necessariamente que os trabalhadores estarão presos a uma fábrica particular por toda vida, no sentido de que os trabalhadores “pertencem” à fábrica que “pertence” a eles. O que a ideia sugere é que todos os trabalhadores irão governar a produção social. Entretanto, em maio e junho não houve ações nessa direção; os discursos dirigidos aos trabalhadores dizem explicitamente: “Trabalhadores, formem assembleias gerais em SUAS fábricas, formem conselhos de trabalhadores em SUAS fábricas”, o que é uma implementação automática do modelo da Iugoslávia.
O movimento de estudantes estava impregnado de exemplos históricos de “conselhos de trabalhadores” na Rússia, Alemanha, Espanha, Hungria e Iugoslávia. Uma tática pela qual os trabalhadores podem efetivamente se opor a burocracia industrial foi transformada num “programa revolucionário”. Os “conselhos de trabalhadores” deveriam ser criados dentro das fábricas pelos próprios trabalhadores do mesmo modo que as ocupações tinham sido realizadas pelos estudantes.
Entretanto, o que aconteceu em 15 de maio foi que uma “greve selvagem” eclodiu, ou seja, um evento que está dentro dos limites da atividade que ocorre na sociedade capitalista. A greve selvagem se degenerou em uma greve burocrática por causa do fracasso do movimento revolucionário em “escalar” ou fluir para as fábricas. Os militantes não tiveram perspectivas de passar das greves selvagens, de uma rebelião contra a autoridade, para a libertação da vida cotidiana. Em poucos dias a greve foi tomada pela burocracia sindical, e nesse sentido não foi sequer uma greve selvagem bem sucedida. A etapa faltante entre a luta dos estudantes e a greve geral fechou efetivamente essa rota de escalada: o movimento de estudantes não “escalou” em um movimento dentro das fábricas.
Talvez, depois da eclosão da greve, ainda houvesse possibilidades de escalada, possibilidades de um passo a mais na direção de uma transformação da vida cotidiana. As pessoas continuavam lutando. Com dez milhões de trabalhadores em greve e milhares de pessoas nas ruas todos os dias, a escalada poderia ter tomado a forma de uma tentativa sistemática de destruir o aparato do estado. A orientação do movimento era anti-estatista, o estado geria as universidades e seu poder tinha sido abolido. Houve uma “escalada” até 10 de maio. Os estudantes comunicaram suas intenções para outros estudantes nas ruas. E suas intenções eram muito específicas. No dia 10 de maio, eles estavam determinados a tomar de volta sua universidade. Eles tiveram apoio da maioria dos estudantes, de jovens trabalhadores que se juntaram a eles nas ruas, e de pessoas nas vizinhanças (o Bairro Latino). Entretanto, depois de 10 de maio, uma série de pequenas manifestações reproduziam as manifestações e a luta de 10 de maio, e não constituíram mais “escaladas” da luta. Milhares de pessoas participaram nestas ações, houve confrontos constantes com a polícia. Mas não havia mais a determinação de tomar controle de uma atividade essencial.
Por exemplo, o poder do estado, que não ousou enviar seu exército ou polícia a nenhum lugar entre 16 de maio e 20 de maio, estava usando um pequeno grupo de policiais para transmitir notícias para toda a França. O estado transmitia suas “notícias” de uma torre com uns poucos policiais na sua frente, e todo mundo na França sabia que mentiras estavam sendo transmitidas (por exemplo, que os trabalhadores estavam lutando por demandas sindicais, e que os estudantes estavam ansiosos para fazer suas provas).
As pessoas nas universidades e nas ruas, assim como os trabalhadores em greve, realmente precisavam se comunicar com o resto da o população, meramente para expor o que elas tinham feito e estavam fazendo. Entretanto, nessa situação, onde a “correlação de forças” estava do lado da população e não do estado (na visão de ambos os lados), quando os “revolucionários” pensaram que já haviam vencido e quando o governo pensou que já havia perdido - durante essa situação, entre 16 de maio e 20 de maio, tudo que aconteceu a respeito da falta de informação foi que as pessoas murmuravam sobre isso nas ruas, e alguém disse vagamente “nós devemos tomar a estação de rádio nacional”.
Em 22 de maio, um grupo de mini-burocratas que viu sua chance de organizar “O Partido Revolucionário” convocou “delegados oficiais” de todos os comitês de ação para uma reunião que deveria planejar a próxima “grande” manifestação. A natureza da manifestação havia, de fato, sido planejado antes da reunião ocorrer; os delegados foram reunidos para ajudar os burocratas a pensar em “slogans”. E o que foi decidido foi que, em 24 de maio, outra exibição de força deveria ser feita, em frente a estação férrea; foi decidido também que a única diferença entre a manifestação anterior e esta seriam os slogans. Mas não havia mais necessidade de exibir àqueles no poder que “nós somos fortes”. Em outras palavras, não deveria ser uma transformação da realidade, ou das atividades da vida cotidiana; era para ser ser uma transformação de slogans (isto é, palavras, e no fim das contas, se as palavras “pegassem”, então as ideias nas cabeças das pessoas seriam transformadas). Os mini-burocratas decidiram não se envolver em nada tão aventureiro como a ocupação da estação de rádio por secções da população que estavam de saco cheio com a repressão ideológica do rádio. ”Nós estaremos em minoria e atirarão contra nós”, raciocinaram os mini-burocratas, que estavam tão acostumados a pensar em termos de “grupos revolucionários” de vinte ou menos pessoas confrontando a polícia inteira da França que eles pensaram do mesmo modo em maio. A outra “ideia” era: ”Nós não podemos proteger todas essas pessoas da polícia”, uma ideia que desmascara o modo como esses “líderes” pensam a respeito de suas “ovelhas”. A única atividade que interessava aos mini-burocratas era policiar manifestantes nomeando a si mesmos para o “serviço de ordem”, mantendo pessoas nas calçadas, ou nas ruas, dizendo aos manifestantes o que fazer, os dispersando. De modo que a rota de potencial escalada foi fechada em 24 de maio.
Autogestão em assembleias gerais
As assembleias gerais funcionavam, na Sorbonne e no Censier, apenas quando os ocupantes do prédio se reuniam para planejar uma nova ação, apenas quando eles se encontravam para organizar suas próprias atividades práticas. Se uma ação concreta não fosse proposta, a assembleia geral tendia a se deteriorar.
Na Sorbonne, por exemplo, as intervenções do Movimento de 22 de Março foram muito importantes. Os militantes do M 22 anunciaram o que eles pretendiam fazer, e as pessoas reunidas na assembleia geral planejaram suas próprias ações com o conhecimento que uma ação concreta deveria ocorrer em um dia específico. Os militantes do M 22 não colocavam a si próprios (nem eram eles mesmos eleitos) como burocratas ou porta-vozes das assembleias gerais; eles continuavam a lutar para libertar a si mesmos, e se recusavam a reconhecer o direito de qualquer um de definir ou limitar os termos de sua própria libertação, fosse uma burocracia estatal ou uma burocracia “revolucionária” que consistisse de “representantes” eleitos de uma assembleia geral. Quando eles abdicaram dessa liberdade, quando os militantes do M 22 permitiram presidentes autoproclamados de uma assembleia geral para definir sua ação, como nas sessões de planejamento das manifestações de 24 de maio, o resultado não foi a libertação de ninguém, mas sim a limitação do movimento inteiro.
Os militantes do M 22 não foram as únicas pessoas que confrontaram as assembleias gerais com a escolha de apoiar ou se opor a ações. Indivíduos assumiram o direito de interromper as discussões da assembleia geral para descrever as ações em que eles estavam engajados, para buscar apoio, e para confrontar “simpatizantes” passivos e “espectadores revolucionários” com o desafio: “O que você está realmente FAZENDO para se libertar?”
O direito de intervir, que era garantido de maneira justa universalmente, foi abusado frequentemente. Todos os tipos e variedades de pequenas açõezinhas eram expostas nas assembleias gerais, não meramente ações que fossem significativas e possíveis em termos de uma situação transformada e do poder social de pessoas prontas para agir.
Quando não havia ações coletivas que fossem significativas enquanto transformações da situação social, as assembleias gerais perdiam seu caráter de atividade auto-organizada, e frequentemente se degeneravam em audiências de espectadores entediados pelas maquinações de burocratas. Essa degeneração era frequentemente explicada como o resultado de deficiências estruturais das assembleias gerais; os comitês de ação eram supostamente estruturas mais efetivas. Entretanto, os comitês de ação eram parte integral da assembleia geral. A assembleia geral, um grande corpo de pessoas, não realizava ela própria ações: as ações eram realizadas por pequenos grupos de pessoas que organizavam e planejavam os projetos que eram escolhidos e definidos pela assembleia. Os comitês de ação não representavam uma nova “estrutura social” que deveria ser a “forma da futura sociedade”. A segunda função dos comitês de ação era tornar possível a comunicação direta, o desenvolvimento de ideias e perspectivas, a definição de objetivos concretos, os quais não seriam possíveis em um grupo maior de pessoas. Entretanto, quando os comitês de ação se tornaram “institucionalizados”, quando eles não mais situavam sua ação dentro do contexto da assembleia geral que deu origem a eles, quando os membros dos comitês de ação começaram a pensar no seu comitê como uma instituição, como uma coisa cuja importância seria explicada em termos de um misterioso “movimento revolucionário”, a atividade dos comitês perdeu seu contexto. Consequentemente, a degeneração das assembleias gerais era de fato um mero reflexo da degeneração de comitês de ação. Não é porque havia burocratas que os militantes dos comitês de ação não podiam dizer nada relevante para a assembleia geral, mas foi precisamente porque os militantes deixaram de ter qualquer coisa a dizer que eles se tornaram burocratas.
O Comitê de Ação Citroen foi um dos grupos que cessou de ter qualquer ação relevante para apresentar para a assembleia geral no Censier. Esse comitê, como os outros, não conseguiu se engajar em ações que fossem transparentemente liberatórias para todas as pessoas reunidas na assembleia. O comitê descreveu “contatos” com trabalhadores estrangeiros, tentativas de criar lugares para debates não supervisionados dentro das fábricas, tentativas de encorajar os trabalhadores a tomarem os caminhões das fábricas para coletar comida que os camponeses desejavam distribuir livremente. Entretanto, as pessoas do Comitê Citroen, não foram, digamos, até a fábrica dizendo: ”Nós sabemos onde há comida, e nós precisamos de uns caminhões aí dentro”, e eles não propuseram para a assembleia geral, ”Nós estamos entrando na fábrica para tomar os caminhões, e nós precisamos cinquenta pessoas para nos ajudar”.
Entretanto o Comitê da Citroen continuou a existir, e a “funcionar”. O que nós fizemos exatamente durante o mês depois do fim da greve, e o que nós pensamos que estávamos fazendo? Nós nos envolvemos em tal movimento porque nós “gostávamos dos trabalhadores”?
Parte da razão pela qual nós fomos para as fábricas era porque nós nos considerávamos simplesmente como uma força física que poderia auxiliar os trabalhadores a tomarem as fábricas. Entretanto, a iniciativa nesse caso foi deixada “aos trabalhadores,” e dado que os trabalhadores não libertaram a si próprios da burocracia dos sindicatos, a iniciativa foi deixada aos burocratas do sindicato. Consequentemente, como uma “força física”, os militantes do comitê de ação foram aos portões da fábrica para ajudar a CGT. Os primeiros panfletos do Comitê Citroen de fato confirmam isso. “Trabalhadores, nós apoiamos seus direitos políticos e sindicais… suas demandas… Longa vida às liberdades políticas e sindicais”. Essas afirmações podem apenas ter significado numa situação onde existe um sindicato que domina: elas podem significar apenas Longa Vida à CGT, quaisquer que fossem as ilusões de quem escreveu os panfletos. A lógica por trás dessas proposições era exatamente a que segue: “Não é necessário ofender os trabalhadores atacando seu sindicato, que eles aceitam”. Porém, a mesma lógica poderia ser estendida para a proposição: “Nós não devemos ofender os trabalhadores atacando a sociedade capitalista, que eles também aceitam”.
Essa foi uma estratégia reformista sem qualquer elemento real que fosse além do reformismo. Essa estratégia não foi nada mais que um apoio a uma greve selvagem, e quando a greve foi tomada pelo sindicato, os militantes do comitê apoiaram uma greve tradicional, burocrática.
Autogestão nos comitês de ação
Que tipo de consciência levou os militantes do comitê de ação a essa estratégia reformista?
Caracterizada em termos gerais, essa é uma consciência que simplesmente aceita a vasta maioria das regularidades e convenções da vida cotidiana capitalista; uma consciência que aceita a organização burocrática, a propriedade privada, a representação dos trabalhadores através de sindicatos, a separação dos trabalhadores em termos de tarefas particulares e localizações na sociedade. Em resumo, essa é uma consciência que aceita a sociedade capitalista. É dentro desse quadro que os militantes “se movem”. Eles “agem”, mas eles nem sequer aplicam fora do Censier o que eles já estavam fazendo dentro do Censier. Auto-organizados dentro do Censier, eles ainda aceitam a sociedade capitalista. (Um exemplo menor disso é que os “revolucionários” que pensavam estarem lutando para abolir a sociedade capitalista de uma vez por todas, não usam os últimos nomes porque eles temiam a repressão que viria uma vez que a “estabilidade” fosse restaurada). Eles querem participar em qualquer ação que ocorra; eles apoiam as greves dos trabalhadores por maiores salários, eles apoiam as greves dos trabalhadores demandando mais “direitos” para os burocratas do sindicato; eles apoiam pessoas fazendo greve por uma “estação de rádio nacional autônoma”, mesmo se isso conflitar com outras “ideias” que eles defendem.
Há, é claro, vários tipos de comitês de ação: alguns eram tão reformistas quanto o Partido Comunista e o sindicato, outros tentaram definir uma “estratégia revolucionária” passando por “etapas transitórias” reformistas. Alguns militantes dos comitês de ação projetavam a auto-organização das universidades para as fábricas, mas eles projetaram uma auto-organização corporativista no lugar da auto-organização social. Essa auto-organização corporativista nas fábricas atraía dois tipos: ela atraía os anti-comunistas e liberais, e ela atraía os anarco-comunistas. Para os anti-comunistas, a auto-organização em cada fábrica significa que os trabalhadores deveriam organizar um sindicato separado em cada fábrica e se livrar da CGT. Os “radicais” não fizeram nenhum ataque claro a essa perspectiva, e era precisamente por isso que eles atraíam menos os trabalhadores que os burocratas da CGT. Os trabalhadores são obviamente muito mais fortes com a CGT do que eles seriam com sindicatos separados em cada fábrica. Membros da CGT foram de fatos coerentes ao rejeitar uma perspectiva que prometia pouco mais que fragmentação dentro da sociedade capitalista. As organizações “autônomas” dos trabalhadores iriam substituir o sindicato nacional na tarefa de vender a força de trabalho, isto é, barganhar com os proprietários capitalistas e estatais, e elas iriam ter obviamente menos força para fazer isso do que com um sindicato nacional.
Qual foi então a “ação” dos comitês de ação após o romper da primeira greve? Eles “mantiveram a coisa indo”. Eles “continuaram a luta”. Os militantes gastaram tempo e energia. Por que? Foi porque simplesmente não havia nada para fazer, amigos foram ver amigos, “intelectuais” vieram “falar aos trabalhadores”? O Comitê Citroen, por exemplo, continuou a se reunir diariamente. Alguns dias foram gastos discutindo um artigo escrito por dois membros; outro dia um trabalhador escreveu um panfleto reformista, em outra ocasião houve uma luta com fascistas em frente a fábrica. As pessoas foram certamente mantidas ocupadas. Mas elas se moveram a alguma direção? Elas tiveram alguma estratégia, perspectiva?
Alguns de nós tivemos perspectivas. Mas nós fomos incapazes de definir ações que nos levassem de onde estávamos para onde nós queríamos chegar. Nós chamamos por uma “assembleia geral dos trabalhadores” para a “defesa das fábricas pelos trabalhadores”. Mas não eram nossas ações que deveriam levar a, ou provocar, esses eventos. Havia uma expectativa (ou uma esperança) que alguma coisa, alguém, deveria trazer tais coisas. Se “alguém” fizesse isso, então haveria autodefesa, escalada, etc. Nossas “perspectivas eram baseadas em eventos que, de fato, não ocorreram. De algum modo “os trabalhadores” iriam adquirir tais perspectivas por si mesmos, mesmo que as pessoas que tinham essas perspectivas não estivessem dentro das fábricas. As pessoas do comitê de ação não foram para as fábricas para chamar pela formação de uma assembleia geral de todos aqueles presentes, do modo que eles tinham feito no Censier. Elas disseram aos trabalhadores para fazerem isso. E não houve elementos significativos entre os trabalhadores para fazer isso. Se um ou outro grupo de trabalhadores tivesse formado tal assembleia geral, isso significaria que esses trabalhadores eram mais “radicais” que os militantes do Censier, que eram incapazes de traduzir em ações suas palavras. Mas uma fábrica cheia de trabalhadores que fossem mais “radicais” que as pessoas do Censier iria obviamente prover a base para uma perspectiva mais ampla. Se um grupo de trabalhadores convidasse a população para usar a tecnologia livremente, para levar os carros e as máquinas para casa, essa ação iria claramente levar a vários tipos de “escalada”. Tais trabalhadores teriam também confrontado o comportamento de ovelha de outros trabalhadores.
Os militantes que se reuniam no Censier esperavam que a ação viesse de uma “massa” mitologicamente concebida que tem suas próprias perspectivas e age. Essa dependência da ação externa pode ser situada na própria origem da formação dos comitês de ação de trabalhadores e estudantes no Censier. Já em 6 de Maio, jovens trabalhadores e intelectuais que lutaram juntos nas barricadas começaram a discutir. Esses grupos de estudantes e trabalhadores continuaram as discussões quando eles ocuparam o Censier em 11 de Maio, nas assembleias gerais e em grupos menores. Foi nessas assembleias iniciais que os “militantes” do Censier confrontaram as ações radicais propostas por trabalhadores.
Um grande número de trabalhadores estava entre os ocupantes do Censier. Muitos desses trabalhadores compreenderam que a continuidade da vida cotidiana capitalista foi quebrada, que uma ruptura tomou lugar, que as regularidades da vida foram suspensas; consequentemente eles compreenderam que novas atividades eram possíveis. Outros trabalhadores viram as manifestações dos estudantes e as lutas de rua como uma ocasião para aumentar as demandas por bens materiais. Entretanto, os “intelectuais” no Censier tendiam a amalgamar todos os trabalhadores numa mesma “classe”; eles não discerniam aqueles que estavam lá para reformar a vida capitalista daqueles que pretendiam abolir o capitalismo, e como resultado eles foram incapazes de focar no caráter específico das ações propostas por trabalhadores radicais.
Por exemplo, jovens trabalhadores de uma escola de impressão privada anunciaram que eles tinham expulsado o diretor, pretendiam ocupar a escola, e pretendiam colocar as prensas à disposição das pessoas reunidas no Censier. Entretanto os “militantes” do Censier não foram tão radicais quanto esses trabalhadores; ocupando “ilegalmente” o prédio de uma universidade, eles questionaram a ‘legalidade” da ação proposta pelos jovens trabalhadores (que teriam feito melhor propondo essa ação ao movimento 22 de Março). Outro exemplo: dois ou três trabalhadores vieram da empresa de distribuição de jornais de Paris. Eles chamaram os militantes do Censier para participar com eles na interrupção da distribuição dos jornais; eles chamaram as pessoas reunidas no Censier para explicar aos trabalhadores nas empresas o que estava ocorrendo nas universidades.
Os militantes que ouviram tais sugestões não reagiram como agentes ativos que pudessem transformar a situação social em uma fábrica real indo até lá em pessoa. (Um dos escritores deste artigo estava presente em uma discussão que tomou lugar antes de 10 de maio entre um militante do Movimento 22 de Março (Dany Cohn-Bendit) e algumas das pessoas que depois influenciaram o desenvolvimento do Censier ocupado. Era claro que os futuros ocupantes do Censier não se definiam do modo como Dany se definia; Dany considerava sua própria atividade uma força dinâmica que poderia transformar a situação social; mas eles perguntaram sobre o “apoio” que Dany possuía, sobre as “massas por detrás” dele. Sua concepção era que, de algum modo, as “massas” iriam surgir e agir, e que os militantes deveriam ser capazes de definir seus papéis apenas no contexto dessa “massa” ativa. Esses militantes consideravam-se impotentes para transformar um conjunto concreto de atividades.)
Consequentemente, quando os comitês de ação de trabalhadores e estudantes foram fundados no Censier, as pessoas na origem desses comitês já tinham definido para si mesmas um papel diferente daquele executado pelo Movimento 22 de Março e que tinha sido expresso por Dany Cohn-Bendit. Os militantes do Censier formaram comitês de ação no lugar de se juntarem aos trabalhadores radicais na transformação da vida social. É irônico que os militantes constituíram “comitês de ação” precisamente no momento em que eles renunciaram a ação. Eles tinham algum conceito de “ação”. Não é a mesma ação do Movimento 22 de Março - um grupo particular de pessoas que transformavam por si mesmas uma situação social concreta. É a ação que consiste em seguir uma atividade “espontânea” de um grupo social, particularmente ”a classe trabalhadora”. O objetivo era “Servir o Povo”. Por exemplo, se os trabalhadores ocupassem uma fábrica e abrissem suas portas para os militantes, então eles iriam ir ajudar; então não haveria questionamentos sobre a “legalidade”.
A falta de ação direta pelos militantes foi justificada ideologicamente nas assembleias gerais do Censier através da construção de uma mitologia sobre as “ações revolucionárias” executadas “pelos próprios trabalhadores”. Dado que os militantes não agiam por si mesmos, mas seguiam as ações “do povo”, o mito assegura que “as pessoas” são capazes de agir “espontaneamente”. A cidade de Nantes se torna mitologizada como uma “comuna operária” onde os trabalhadores supostamente dirigem todas as atividades de suas vidas cotidianas, enquanto que o que ocorreu em Nantes foi que uma nova burocracia ganhou temporariamente o poder sobre a rede de distribuição. O mesmo tipo de mitologia foi desenvolvido sobre supostas “atividades revolucionárias” dos trabalhadores da fábrica química Rhône-Poulenc. Foi dito que os trabalhadores expulsaram os burocratas do sindicato e organizaram eles mesmos um comitê de chão-de-fábrica que comandava toda a fábrica; aqui, supostamente, está uma perspectiva de autogestão iniciada pelos trabalhadores dentro de suas próprias fábricas. O fato é que a burocracia do sindicato em uma fábrica criou um “comitê de chão-de-fábrica” em uma tentativa de recuperar a agitação que estava ocorrendo entre os trabalhadores, e além disso, através de seu controle de um “comitê central de greve”, a burocracia do sindicato manteve seu poder nessa fábrica do começo até o fim da greve. Alguns dos trabalhadores na fábrica química viram uma potencialidade de transformar o comitê de chão-de-fábrica em uma fonte real de poder dos trabalhadores: estes trabalhadores foram ao Censier para tentar convencer outros da urgência de transformar estes comitês; eles definiam a si mesmos como militantes com o poder de mudar sua situação. Entretanto, com base no que estes trabalhadores disseram, os militantes do Censier não definiram ações concretas pelas quais eles transformariam os comitês de chão-de-fábrica. No lugar, eles transformaram as afirmações desses trabalhadores em confirmações dos mitos sobre “a atividade revolucionária espontânea da classe trabalhadora”.
Com base nessa mitologia, os militantes do Censier se distanciaram ainda mais da ação direta. Quanto mais distantes eles ficavam da ação feita por eles mesmos, mais radical se tornavam suas perspectivas da ação dos outros. Eles desenvolveram conceitos de “autogestão pelos próprios trabalhadores” e conceitos de “greve ativa” (trabalhadores em greve dando início a produção eles mesmos). Em outras palavras, os militantes do Censier construíram uma ideologia. Eles colocaram essa ideologia em panfletos que eles distribuíram aos trabalhadores. Entretanto, é irônico que os panfletos falassem de “greve ativa”, de uma economia gerida pelos próprios trabalhadores, justo depois da burocracia do sindicato já ter ganho controle da greve por toda a França. Esta ação não ocorria mais na realidade; ela ocorria em debates e discussões entre os militantes do comitê no Censier.
Crítica das ações
Se a consciência dos militantes do comitê de ação não foi além dos limites de uma perspectiva burocrática e capitalista, por que tantos “militantes revolucionários” foram atraídos para o Censier por mais de um mês depois que a greve foi recuperada pelo sindicato? Qual foi a natureza das “ações” desses comitês?
A variedade de perspectivas e posições políticas reunidas nos comitês do Censier não pode ser caracterizada como reformista per se. Eles não vieram ao Censier para tomar parte em ações reformistas; em termos do que eles disseram, nas reuniões do comitê e nas assembleias gerais, eles deixaram claro que eles pensavam estar se engajando em ações revolucionárias, ações que estavam levando à abolição do capitalismo e da burocracia. Porém, em frente das fábricas, eles apoiaram as “demandas dos trabalhadores”, eles apoiaram “direitos políticos e sindicais” e eles chamaram por “organizações autônomas dos trabalhadores”.
Em uma breve caracterização, pode ser dito que suas ações não foram reformistas per se; elas foram oportunistas per se. Os comitês de trabalhadores e estudantes do Censier estavam na linha de frente das possibilidades que a situação social permitia, e ali eles fizeram tudo que a situação permitiu. Quando a sociedade capitalista funcionava regularmente, eles fizeram tudo que é feito normalmente na sociedade capitalista, aceitando todas as limitações da vida capitalista normal: greves por salário, sindicatos. Entretanto, em maio existiu a oportunidade dos membros da população se engajarem no processo produtivo, se apropriarem dos meios sociais de produção. E em maio eles já estavam prontos para fazer isso. Oportunismo. Nesse sentido, alguém pode dizer que as pessoas que “agitaram” o Censier representam um movimento popular genuíno que já estava pronto para fazer tudo que a situação permitia. Subjetivamente eles pensaram que eles eram revolucionários porque eles pensavam que uma revolução estava ocorrendo; eles pensavam que as fábricas iriam ser ocupadas e “socializadas”, e eles pensavam que eles estariam entre os primeiros a irem nas fábricas se juntar aos trabalhadores em um novo sistema de produção. Eles não iriam iniciar o processo; eles estavam seguindo a onda para onde quer que essa onda os levasse.
No entanto, quando eles foram para os portões das fábricas no dia da ocupação, eles se confrontaram com uma situação “ligeiramente diferente”. Os trabalhadores não estavam chamando a população para entrar na fábrica. Burocratas do sindicato estava chamando pela “ocupação” da fábrica. E então os militantes mudaram conforme o vento: os burocratas estavam chamando por uma greve salarial, então os “revolucionários” apoiaram as “demandas legítimas” dos trabalhadores.
Claro que era “revolucionário”, em maio, para um grupo de pessoas, estar pronto para “socializar” as fábricas tão logo a situação permitisse. Mas “alguém” iria fazer algo a esse respeito; esses militantes estavam prontos para a próxima etapa uma vez que isso fosse feito.
Se essas generalizações caracterizam as atividades dominantes dos Comitês de Ação de Trabalhadores e Estudantes, então estes comitês não eram “revolucionários” e seus membros não eram “militantes”. Eles representavam uma seção da população que estava pronta para uma mudança revolucionária quando eles pensassem que seriam levados para essa mudança. Eles estavam prontos para fazer a escolha, mas não seriam eles que iriam iniciar as ações que criariam as situações que forçariam a escolha. Nesse sentido, eles não tinham uma direção própria. Eles foram precisamente para os locais onde as mudanças eram possíveis, e eles estavam prontos para tomar parte, se alguém as trouxesse. Quem as traria? Havia o 22 de Março; haviam os “trabalhadores”, até a polícia gaulista era esperada para “desencadear” uma revolução por engano. Mas essas pessoas estavam apenas prontas para seguirem condições criadas para elas.
Deve ser ressaltado que as pessoas no Censier não eram “oportunistas” no sentido de que elas estavam prontas para aceitar qualquer possibilidade. Elas possuíam uma perspectiva distintamente anti-capitalista e anti-burocrática. É por isso que elas rejeitaram a “liderança” de mini-grupos burocráticos. Também deve ser ressaltado que que havia inúmeros militantes “políticos” no Censier que não estavam dispostos a se dirigir para onde quer que o vento levasse, e que possuíam concepções relativamente claras sobre a consciência burocrática e capitalista prevalecente entre os trabalhadores, sobre “conselhos de trabalhadores” e “autogestão” como cunhas que poderiam ser usadas para minar esta aceitação total das estruturas capitalistas.
Entretanto, deve-se ainda perguntar por que os militantes do Censier não foram bem sucedidos em impulsionar a situação um passo a frente. Em outras palavras, por que a greve se tornou uma greve burocrática tradicional? Por que ela caiu sob o controle dos funcionários do sindicato? A greve não poderia ter sido controlada pela CGT se um grande número de pessoas tivesse rejeitado o direito dessa burocracia de representar todo mundo. Os burocratas da CGT tinham o poder porque os trabalhadores aceitaram esse poder. Os burocratas não eram populares por causa da atratividade de suas personalidades, eles tinham muito pouco poder repressivo, e quando a greve selvagem irrompeu, seu poder de fato foi minados.
A “tomada” pela CGT já começara um dia depois das ocupações das fábricas iniciarem, nas fábricas da Renault. Cerca de dez mil pessoas marcharam no centro de Paris; elas estavam prontas para uma festa com os trabalhadores dentro da fábrica de automóveis nacional. Os manifestantes foram até a fábrica, e encontraram os portões fechados. Quem quer que fosse a liderança dessa marcha aceitou os portões fechados como a última palavra. Mas os portões não representavam nada; trabalhadores aclamavam de cima do telhado, eles poderiam enviar cordas para baixo. E em algumas partes, o muro da fábrica era baixo o bastante para possibilitar a escalada. Entretanto subitamente as pessoas temeram um “poder” que elas nunca temeram antes; os burocratas da CGT.
Se dez mil pessoas quisessem entrar, os burocratas não teriam nenhum poder. Mas havia claramente muito poucos “revolucionários” na marcha ou dentro da fábrica; havia muito poucas pessoas que sentiam que o quer que houvesse dentro das fábricas era “delas”. Havia algumas pessoas que queriam “atacar os portões” de modo a serem atingidos na cabeça pelos guardas da CGT nos portões. Mas não havia aparentemente ninguém fora ou dentro da fábrica que a considerasse como uma propriedade social. Alguém que soubesse que essa propriedade social não aceita um burocrata bloqueando a entrada.
As pessoas na marcha tiveram vários pretextos para não fazer nada. ”Tal ação é prematura; ela é aventureira! A fábrica não é uma propriedade social ainda!” É claro que os burocratas da CGT concordaram com esse raciocínio, um raciocínio que mina completamente qualquer “direito” que os trabalhadores pudessem ter de protestar. E dez mil militantes, muitos dos quais saíram das universidades ocupadas para tomar parte na marcha, muitos dos quais tinham desafiado ativamente a legitimidade do poder da polícia na rua, aceitaram docilmente a autoridade das gangues dos sindicatos que vigiavam os portões das fábricas.
O que atraiu as pessoas do Censier era a impressão que as ações ali estavam sendo preparadas para ir além da situação encontrada pelos manifestantes nos portões da Renault. As assembleias gerais do Censier, assim como as reuniões dos comitês de ação, entre 17 de março e 20 de maio, deram a impressão de que ali estavam reunidas pessoas determinadas a ir além. Ali estavam “os outros” que impulsionariam a situação além dos limites burocráticos que foram alcançados recentemente.
Muitas pessoas foram ao Censier para tomar parte em ações em uma base completamente cega. Muitas pessoas que viviam vidas completamente vazias encontraram uma breve oportunidade de distribuir panfletos; para tais pessoas, distribuir panfletos era, por si só, mais significativo que as atividades normais de suas vidas cotidianas.
Mas também havia pessoas dedicadas a ir além da distribuição pela distribuição de panfletos, e a possibilidade de ir além parecia existir no Censier. ”Ações” extremamente significativas foram discutidas nas assembleias gerais do Censier. Tinha-se a impressão que as pessoas tinham uma perspectiva, uma direção.
Entretanto, essa “perspectiva”, essa “direção”, revelou-se nada mais que um discurso eloquente que se contrapunha a posição de um trotskista ou um maoísta. A eloquência mascarava o fato que o orador não sentia que a propriedade social era sua na realidade; ela era sua apenas filosoficamente, e ele a “socializou” filosoficamente. A “socialização dos meios de produção” não foi concebida como uma atividade prática, mas como uma posição ideológica oposta a posição ideológica de “nacionalização”, assim como a “auto-organização” dos trabalhadores se opôs ao conceito de “partido revolucionário”. Os discursos eloquentes não eram acompanhados por ações eloquentes, porque os oradores não consideravam a si mesmos como pessoas sujeitas a privação, eram os “trabalhadores” que eram sujeitos a privação, e consequentemente “apenas os trabalhadores” poderiam agir. O orador chamava os trabalhadores para terem a convicção que o orador não tinha; ele chamava os trabalhadores para traduzir palavras em ações, mas sua própria “ação” consistia de palavras.
A libertação parcial dos militantes
Como podemos explicar essa passividade, durante o período de crise, entre militantes que se consideravam ativistas revolucionários em tempos normais? Por que eles subitamente dependeram da ação de outros?
As ações dos estudantes de Nanterre começaram como uma luta por libertação total. Em que medida as ações dos comitês do Censier tiveram esse caráter?
Nas primeiras assembleias do Censier, e nas lutas de rua, algo pareceu romper com os limites, com os obstáculos da vida cotidiana na sociedade capitalista. Tão logo os estudantes construíram barricadas, ocuparam prédios públicos, não reconheceram nenhum autoridade dentro daqueles prédios, eles comunicaram o caráter libertador do movimento: nada é sagrado, nem hábitos nem autoridades. As regularidades de ontem são recusadas hoje. E são as regularidades de ontem que fazem minha vida regular hoje: restrita, bem definida e morta. A libertação vem precisamente de minha independência da convenção. Eu nasci em uma época em particular que possui certos instrumentos de produção e certos tipos de conhecimento; eu tenho a possibilidade de combinar minha capacidade com meu conhecimento, e posso usar os meios de produção socialmente disponíveis como instrumentos com os quais realizar um projeto individual ou coletivo. Ao realizar uma atividade, eu não reconheço mais os limites da vida cotidiana capitalista: Eu não reconheço mais o direito do policial de decidir o que eu posso ou não posso fazer com os meios de produção que foram socialmente criados; eu não reconheço mais a legitimidade da burocracia estatal ou acadêmica que me força a um sistema de aprendizado para me adestrar para algo que não é meu projeto e no qual eu ficaria preso pelo resto de minha vida.
Ao perseguir a vida cotidiana restrita na sociedade capitalista, o indivíduo realiza certas atividades por causa da convenção, porque ele define a si mesmo como alguém que não tem escolha. Minhas atividades dependem de circunstâncias externas. Eu faço certas coisas porque elas são as únicas que são permitidas. Eu não ajo em termos de minhas possibilidades, mas de restrições externas.
Mudanças sociais tomam lugar dentro da sociedade capitalista, mas elas não são percebidas por mim como um projeto que eu faço junto com outros. A mudança é externa a mim; é um espetáculo; ela é o resultado de imensas forças impessoais: uma nação, um estado, um movimento revolucionário… Todas essas forças são externas a mim, elas não são o resultado de minha própria atividade cotidiana. Elas são atores no palco, os jogadores no jogo, e eu simplesmente assisto. Eu posso escolher meu lado e torcer por um lado ou outro, pelo vilão ou o herói. Mas eu não estou nisso.
No Censier, nas assembleias gerais durante os primeiros dias da ocupação, a atividade tinha o caráter de um projeto: o espetáculo externo tinha sido destruído, e assim também a dependência (visto que dependência nada mais é que o papel característico do membro de uma audiência que assiste o espetáculo). A maioria das pessoas foi originalmente ao Censier como espectadores, elas queriam ver o que “os revolucionários” fariam da próxima vez, elas queriam um show. Mas atendendo assembleia após assembleia onde as pessoas discutiam o que fazer com o prédio, com Paris, com o mundo, elas foram confrontadas com a consciência de que elas não estavam observando um grupo separado, um grupo de atores em um palco. Percebeu-se rapidamente que é a pessoa sentada próximo a ela, em frente ou atrás dela, que definia o que seria feito no Censier, e o que seria feito fora do Censier. As Assembleias não tinham o caráter de espetáculos externos, mas de projetos pessoais que alguém realiza com as pessoas conhecidas: os temas eram atividades que deveriam afetar todos aqueles que decidiam sobre elas.
A atitude passiva e conformada de um espectador de televisão que existia nas primeiras assembleias, se transforma em uma atitude ativa. No lugar de observar passivamente o que ELES (uma força externa, separada) estão indo fazer, por exemplo sobre cozinhar no Censier, VOCÊ fala porque você prefere comida limpa ao invés de comida suja e porque você tem o poder de mudar a situação da cozinha. Uma vez que você participa ativamente, uma vez que a ação não é mais a especialidade de um grupo separado, você subitamente percebe que você tem o poder sobre projetos maiores que a cozinha do Censier: as “instituições” da sociedade perdem o caráter de espetáculos externos e vem em foco como projetos sociais que podem ser determinados por você junto com outros.
Essa descrição é exagerada; é uma tentativa de caracterizar uma atitude. Na realidade, tais atitudes se expressam como tendências. Por exemplo, quando alguns dos burocratas do futuro nomearam a si mesmos como um “serviço de ordem” ou como um “comitê de greve” que deveria dirigir o Censier sob o pretexto de coordenar suas atividades, as pessoas não assistiram simplesmente eles o “tomarem”, cochichando umas para as outras a maldade do ato. As pessoas ficaram iradas: elas tomaram as medidas necessárias para prevenir a instalação de um “comitê de coordenação” autoproclamado. Elas sabiam que um “comitê central” iria outra vez decidir e iniciar ações no lugar dos ocupantes, e os ocupantes recém libertados se recusaram a entregar seu poder, sua possibilidade de agir, de decidir. Quando um “serviço de ordem” instalou a si próprio na entrada de uma assembleia geral e declarou que “estranhos” não poderiam participar na assembleia, o “serviço da ordem” foi rapidamente removido por pessoas dentro da assembleia.
Entretanto, o senso de que cada indivíduo no prédio mantém o prédio, a sensação de que, se existir alguma coisa que ele não goste, ele deve agir, junto com os outros, para mudar isso - esse senso de um poder social do indivíduo, essa libertação do indivíduo, não foi estendida para fora do Censier. Assim que as pessoas deixavam o Censier, elas eram de novo impotentes; alguns grupos separados (Movimento 22 de Março, A Classe Trabalhadora) mais uma vez se tornavam os atores no que mais uma vez se tornou um espetáculo. Os militantes não foram, de fato, libertados; eles de fato não agiram como se a sociedade fosse deles; eles não agiram como se a sociedade consistisse de pessoas com as quais eles realizam projetos, limitados apenas pelos instrumentos disponíveis e o conhecimento disponível. Mesmo dentro do Censier, um retrocesso tomou lugar: uma divisão do trabalho se instalou; grupos especiais faziam a mimeografia, a comida, a distribuição de panfletos.
Havia até pessoas no Censier para as quais nada foi comunicado. Um grupo de americanos instalou um “comitê de ação da esquerda americana”. Esse é um exemplo de completa passividade da parte de um “comitê de ação” inteiro. Muitos deles foram resistentes a projetos que uma vez tendo tomado uma decisão, se “retiravam” imediatamente após tomá-la. Eles foram para as manifestações em Paris, para as barricadas, para o Censier - não como participantes ativos mudando o mundo, mas como espectadores, como observadores assistindo a atividade de outros. Os eventos eram totalmente externos a eles; os eventos não tinham ligação com suas próprias vidas; eles não sentem o mundo como seu próprio mundo. Consequentemente, o que eles viam foi um tipo diferente de pessoas, os franceses, lutando contra um tipo diferente de sociedade, a sociedade gaullista francesa. Eles estavam “do lado” dos revolucionários, do mesmo modo que alguém está “do lado” de um time particular em um jogo. Esse grupo foi o símbolo da atitude que caracterizou muitos outros que vieram ao Censier, atendiam suas assembleias e as reuniões dos comitês, e assistiam, e esperavam - como coisas mortas. Eles absorviam uma nova mercadoria, um novo espetáculo, que era excitante e estimulante por causa de sua novidade. Tais atitudes eram um peso morto sobre qualquer libertação pessoal que ocorresse no Censier. Esses símbolos da ausência de vida desmobilizavam os outros, eles tornavam mais difíceis para os outros perceber que eles tinham o poder que essas pessoas não sonhavam em tomar.
Algumas pessoas alcançavam o ponto de perguntar a alguém “o que eu posso fazer?” e assim davam um passo na direção de viver. Mas quando ninguém dava a eles “uma boa resposta”, eles voltavam outra vez a sua passividade.
A passividade que caracterizou a “Esquerda Americana” no Censier também caracterizou as principais “ações” da maioria dos comitês “ativos” do Censier, tais como o Comitê Citroen. Quando a greve irrompeu, nós fomos até as fábricas da Citroen esperando algum tipo de fraternização, talvez dançando nas ruas. Mas o que nós encontramos foi uma situação que parecia com a de caubóis pastoreando vacas teimosas, quer dizer, os burocratas da CGT tentando arrebanhar os trabalhadores nas fábricas, sem contato ou comunicação entre os burocratas e “as massas”. Os trabalhadores não tinham ideia do que estava acontecendo com eles; eles meramente ficavam de pé, esperavam e assistiam os burocratas berrando nos megafones.
Todos assistiam e ninguém vivia. Um burocrata esbravejou um discurso, seus delegados aplaudiram fortemente, esses líderes de torcida pediam “entusiasmo” dos espectadores, a “massa” indiferente. “Massas” é o que as pessoas se tornam numa sociedade capitalista; elas visivelmente se transformam em rebanhos de animais esperando serem conduzidos por aí. As coisas passam na frente dos olhos dessa “massa”, mas a “massa” não se move, ela não vive, coisas acontecem a ela. Dessa vez os burocratas estavam tentando trazê-las para dentro dos portões das fábricas, porque o Comitê Central convocou uma “greve geral com ocupações das fábricas”.
Essa era a situação quando dois grupos chegaram nos portões da fábrica: o Comitê de Ação de Estudantes e Trabalhadores do Censier, e um grupo marxista-leninista com uma grande bandeira, um grupo chamado “Servir o Povo” (Servir le Peuple). Os militantes do Comitê Citroen do Censier distribuíram um panfleto apoiando as “demandas” dos trabalhadores, enquanto o outro grupo “Servir o Povo” colocava-se próximo aos portões da fábrica em um “piquete de greve” que não servia para nenhuma função. Gradualmente os militantes de ambos os grupos tornaram-se passivos, esperaram lá fora, e aguardaram a “ação autônoma dos trabalhadores”; eles olhavam para os outros trabalhadores (principalmente estrangeiros) do outro lado da rua. Subitamente, se tornou um espetáculo onde cada um estava assistindo e cada um estava esperando todos os outros agirem. E nada dramático acontece; as ovelhas lentamente são pastoreadas para o estábulo.
E os militantes do Comitê Citroen? Bem, nós ajudamos os burocratas a pastorear as ovelhas. Por que? Nós dissemos “os trabalhadores ainda aceitam o poder da CGT” e nossa resposta a isso foi aceitar o poder da CGT. Nenhum de nós tomou o microfone para informar aos trabalhadores quem nós éramos, para contar a eles o que nós pretendíamos fazer. Subitamente, estávamos completamente impotentes, nós éramos vítimas de “forças externas” que se moviam fora de nós. Pessoas que se acostumaram a se submeter continuaram a se submeter.
A razão pela qual estávamos ali era algum tipo de percepção de que a libertação pessoal precisa passar pela libertação social de todos os meios de produção. Havia também o conhecimento de que os trabalhadores, ao alienar sua atividade, produzem o capital assim como os meios capitalistas de repressão. Entretanto quando nós fomos para a fábrica por estas razões e não lutamos, o que nós tínhamos feito nas ruas e no Censier teve algo como um caráter parcial, porque, mediante nossa ação na fábrica, nós aceitamos a repressão e nós aceitamos a propriedade. Teríamos nós percebido que era uma questão de socializar os meios de produção agora ou nunca, que era essa a situação que nós queríamos criar por anos como militantes? Repentinamente, a situação estava ali, e nós estávamos no lugar crucial; entretanto nós não sentimos nenhuma raiva vendo os caubóis pastoreando as vacas ou as vacas permitindo que fossem arrebanhadas. Essa falta de raiva reflete a passividade. Nós não nos libertamos realmente; nós não compreendíamos os meios de produção como nossos, como instrumentos para nosso desenvolvimento que estavam sendo bloqueados pelos burocratas e pelos trabalhadores.
Nós enfrentamos a polícia de um lado e, do outro, nós dizemos a nós mesmos que os guardas autoproclamados do sindicato deveriam controlar os instrumentos com os quais os meios de repressão são produzidos. Nós adquirimos o espírito de libertação nas barricadas, porém, no momento em que fomos aos lugares onde a repressão se origina, ou seja, os locais de produção, nós perdemos nossa raiva, nós paramos de combater a repressão. Nós aceitamos. No entanto, ao aceitar, nós fizemos exatamente a mesma coisa que os trabalhadores que foram arrebanhados nas fábricas pela CGT, e que também aceitavam, paravam, assistiam e esperavam.
Um dos argumentos preferidos dos “anarquistas” e “libertários” do Censier era: ”os trabalhadores devem tomar suas próprias decisões, nós não podemos substituí-los por nós”. Essa é uma aplicação cega de uma tática anti-burocrática para uma situação em que essa tática não tem qualquer aplicação. Ela significa que os militantes do comitê de ação não tinham mais direito de dizer aos trabalhadores o que fazer do que mini-partidos burocráticos tinham. Mas a situação onde essa tática foi aplicada não era aquela que ela tinha como alvo. Os militantes do comitê de ação eram seções da população que atingiram algum nível de auto-organização. Eles não estavam em frente a fábrica aplicando uma estratégia que os levaria ao “poder estatal”. Eles podem não ter tido nenhum estratégia; de qualquer modo, a ação foi uma ação de auto-libertação, no sentido de eliminar aquelas condições da vida cotidiana que os impede de viver. Essa auto-libertação poderia apenas ser realizada se eles tivessem eliminado os obstáculos a sua expressão pessoal. Os obstáculos para sua libertação estavam nas fábricas, como meios de produção que estavam “alienados” deles, que “pertenciam” a um grupo separado.
Ao dizer a si mesmos que “caberia aos trabalhadores” tomar as fábricas, uma “substituição” de fato aconteceu, mas foi uma “substituição” oposta àquela que os anarquistas temiam. Os militantes substituíram a inação (ou melhor, a ação burocrática) das burocracias dos trabalhadores, que era a única “ação” que os trabalhadores estavam desejando tomar, pela própria ação deles. O argumento anarquista, de fato, virava a situação de ponta-cabeça. Os militantes, assim, foram a frente das fábricas e permitiram que os burocratas agissem no lugar deles; eles substituíram a ação da burocracia pela sua própria ação. Depois, eles desculparam-se de sua própria inação falando da “traição” da CGT. Mas a CGT não era “culpada” de nada. Quando os “militantes” foram ao portão das fábricas e assistiam, eles não fizeram mais que os trabalhadores que paravam e assistiam. E enquanto os trabalhadores assistiam, eles permitiram que a CGT agisse por eles. Os “militantes” racionalizaram sua dependência, sua inação, dizendo que a CGT “tomou o controle”. Mas a relação é mútua. Os militantes, junto com os trabalhadores, criaram o poder da burocracia do sindicato. Os militantes não foram até as fábricas para libertar a si mesmos; eles esperaram que um poder inexistente os libertasse.
Uma vez com a greve sob o controle da burocracia do sindicato, outros hábitos da vida cotidiana capitalista retornaram entre os militantes. Talvez o “relapso” mais significativo foi a aceitação da divisão e separação entre diferentes grupos sociais. Muito embora os comitês fossem compostos tanto de trabalhadores como de “intelectuais”, e mesmo que os membros dos comitês tenham deixado de separar cada um nessas duas categorias diferentes, eles desenvolveram uma atitude “especialista” que separou os militantes do comitê tanto dos trabalhadores quanto dos “intelectuais”. Na fábrica, eles separaram a si mesmos dos trabalhadores. E na universidade eles começaram a se separar dos “estudantes”. Os militantes desenvolveram uma atitude que “nós estamos envolvidos no processo mais importante porque nós estamos indo até as fábricas”. Havia uma convicção sobre essa atitude que era injustificada, desde que nunca foi feita nenhuma análise coerente da importância real das ações. Contrastada com essa falta de auto-análise havia uma atitude de desprezo em relação a todos os comitês engajados nos “problemas estudantis”. Talvez parte do desprezo fosse justificado, mas a questão é que os militantes do comitê de estudantes e trabalhadores não sentiam nenhuma obrigação de descobrir o que os comitês dos “estudantes” estavam fazendo. Eles automaticamente assumiram que ir aos portões das fábricas para assistir os trabalhadores agindo como ovelhas em face dos burocratas era, prima facie, mais importante que qualquer outra coisa sendo feita em qualquer lugar.
A aceitação da separação social foi um relapso no sentido de que as pessoas originalmente reunidas no Censier começaram a se desagregar em tais linhas. Entre 17 de maio e 20 de maio, no romper da greve, as pessoas abandonaram suas variadas atividades separadas, como literatura, trabalhos especializados. Elas vieram ao Censier para sintetizar suas atividades em um projeto coletivo. Por um período de cerca de dois ou três dias, os comitês de estudantes e trabalhadores do Censier foram imaginados como sendo a síntese de todo o movimento. Havia um vago sentimento de que as pessoas reunidas ali estavam determinadas a libertar todos os meios de produção para o livre desenvolvimento de todos. Foi devido a esse sentimento que houve uma profunda excitação em torno do Censier: suas assembleias gerais tornaram-se imensas, as pessoas vinham de todo lugar de Paris para “se juntar” aos comitês de ação, para perguntar o que eles podiam fazer em suas próprias vizinhanças. As pessoas desejavam tomar parte desse processo de libertação. Isso durou apenas dois dias.
O espírito de síntese, essa tentativa de integrar uma existência fragmentada em um todo significativo, veio a um fim tão logo o espetáculo se reafirmou nos portões das fábricas. Dentro do Comitê Citroen, por exemplo, a tentativa de sintetizar uma vida, de fazer um todo a partir do fragmento, foi repentinamente morta. Apenas uma vaga percepção de que “alguma coisa incomum” foi sentida no dia em que as greves começaram permaneceu com os militantes. E essa vaga percepção teve consequências extremamente irônicas. O primeiro dia que os militantes foram para as fábricas foi sentido como tão significativo, carregou tanta importância psicológica na mente dos militantes, que eles tentaram, por mais de um mês, recapturar o “espírito” desse dia. E o resultado real foi a repetição ritualística de ir às fábricas dia após dia - e mediante essa repetição, a especialização e a separação retornaram. Eles se tornaram especialistas no tipo de coisa que eles fizeram no primeiro dia da greve. Eles viajavam até as fábricas, distribuíam panfletos, falavam com os trabalhadores. Mas havia uma diferença trágica entre essas últimas excursões e a primeira visita a fábrica. No dia da greve, eles foram para fazer parte de todo um processo social, eles queriam aprender sobre tudo. Mas quando eles se tornaram especialistas em “ações de estudantes e trabalhadores”, eles perderam o interesse em tudo o mais. Eles agora se consideravam diferentes das comissões voltadas a expor e analisar a ideologia capitalista, de artistas minando a base da arte especializada. Um tipo vulgar de “operaísmo” surgiu: assistir os trabalhadores em frente a fábrica era uma “ação” mais importante do que expor a ideologia capitalista ou rejeitar uma arquitetura separatista. A vontade de se engajar em todo o processo social desapareceu; o que tomou seu lugar era o mesmo tipo de especialização, o mesmo tipo de repetição ritual, que caracteriza a vida cotidiana na sociedade capitalista.
A passividade dos militantes em frente às fábricas e o comportamento de ovelhas dos trabalhadores que se deixaram pastorear por burocratas - essa é uma situação que os mini-burocratas interpretam como uma confirmação de tudo que eles sempre souberam; essa é uma situação que “confirma a absoluta necessidade de um Partido Revolucionário”. Na visão deles, a “ação espontânea das massas” (a ação das pessoas dos comitês de ação, por exemplo) não pode tomar as fábricas, e a “ação espontânea dos trabalhadores” pode apenas levar ao reformismo liberal. Consequentemente, a “única solução” é os trabalhadores trocarem sua lealdade, dos “reformistas” para os “revolucionários” (as mini-burocracias); os trabalhadores devem “reconhecer” a mini-burocracia como “a vanguarda revolucionária que irá liderá-los a um tipo diferente de vida”. ”Ser reconhecido” pelos trabalhadores como sua “vanguarda” significa obter apoio passivo dos trabalhadores; esse apoio irá tornar possível aos mini-burocratas colocarem a si mesmos em todas as situações de poder na sociedade. Esse apoio tornará possível para o partido “tomar o poder do estado”, isto é, comandar toda hierarquia burocrática e administrar a repressão. Para “tomar o poder do estado”, o “partido revolucionário” deve convencer os trabalhadores de que o partido “representa os verdadeiros interesses dos trabalhadores” e que, uma vez no poder, ele vai satisfazer as demandas dos trabalhadores. Definindo a si mesmos como os únicos capazes de realizar o “socialismo”, os mini-burocratas prometem um futuro no qual as atividades em que as pessoas se envolvem não serão projetos, mas espetáculos externos assumidos por diferentes grupos separados - em outras palavras, uma futura vida cotidiana que é idêntica à vida na sociedade capitalista, com a “grande diferença” que os ex-mini-burocratas se transformam “no governo”. Além disso, a condição para sua chegada ao poder é precisamente a manutenção dessa passividade. É precisamente o comportamento de ovelha dos trabalhadores que permite que mini-burocratas assumam o poder que anteriormente era assumido pelos capitalistas, funcionários do estado, burocratas do sindicato. O poder separado de um grupo social separado continua a governar as atividades das pessoas, apenas com a diferença que agora o grupo que governa chama a si próprio de “revolucionário” e pode até mesmo chamar seus diretórios de “conselhos dos trabalhadores”.
A justificação para esse comportamento por parte dos mini-burocratas é a suposta “falta de consciência” entre os trabalhadores. No entanto, o que esses “revolucionários” chamam de consciência é a teoria que vai justificar que esse grupo particular assuma o poder. O que eles chamam de consciência é a teoria que racionaliza o poder separado desse grupo particular. ”Consciência” é o que habilita a burocracia a manter o poder sobre a sociedade como um grupo separado, enquanto definindo a si mesma como a “massa dos trabalhadores”. É a teoria que torna possível para essa burocracia imaginar que seu governo particular é o governo de todos. A mesma passividade, o mesmo espetáculo, a mesma alienação do trabalho persiste, apenas com a diferença que, agora, o diretor da fábrica é um funcionário do partido, e os capatazes são todos os membros de um “conselho dos trabalhadores”, e a nova linguagem que descreve essa situação é um conjunto de eufemismo que em si mesmo representa um novo estágio de desenvolvimento linguístico.
Essa concepção burocrática do “poder” e da “consciência” não é uma recusa das coerções da vida cotidiana capitalista. O burocrático “Partido Revolucionário”, que define sua ação dentro de uma mar de passividade, luta para se tornar a coerção central da vida cotidiana.
Entretanto, inatividade e espontaneísmo, uma atitude que defende que “não podemos substituir os trabalhadores por nós” não é a atitude oposta à concepção burocrática, dado que tal inatividade representa uma entrega às coerções e convenções da vida cotidiana capitalista. A questão é romper com a indiferença, a dependência, a passividade que caracteriza a vida cotidiana na sociedade capitalista. A questão não é uma nova apropriação ilegítima dos meios de produção social por um novo grupo separado, nem uma usurpação do poder social por novos “líderes”, mas a apropriação de meios sociais de produção pelos membros vivos da sociedade, e a destruição do poder separado. Consequentemente, os revolucionários cujo objetivo é libertar a vida cotidiana traem seu próprio projeto quando eles se entregam à passividade ou se impõem sobre ela: a questão é despertar o morto, forçar o passivo a escolher entre a aceitação consciente da coerção ou uma afirmação consciente da vida.
O caráter parcial da teoria revolucionária
O que aconteceu em maio? Foi um levante espontâneo e incoerente de várias secções da população, ou uma etapa coerente da parte de um determinado movimento revolucionário? Foi uma erupção cega de reclamações e insatisfações acumuladas, ou uma tentativa consciente de derrubar uma ordem social? O movimento dos estudantes que iniciou a revolta possuía uma teoria revolucionária coerente, e uma estratégia baseada nessa teoria? Se ele tinha uma teoria, em que medida ela foi comunicada aos comitês de ação, aos trabalhadores?
Havia inquestionavelmente elementos de teoria revolucionária na origem do movimento. Isso é ilustrado pelo fato de que os estudantes de Nanterre começaram uma luta contra a guerra no Vietnã e foram capazes de relacionar as atividades de sua própria universidade com essa guerra. Isso não significa que a “maioria” dos estudantes engajados percebeu explicitamente a conexão entre suas vidas cotidianas e a guerra do Vietnã. A maioria dos estudantes indubitavelmente entendia a guerra como uma luta distante entre Davi e Golias, eles a enxergaram como um espetáculo no qual eles tinham simpatia por um dos lados. Mas um pequeno número de estudantes agiu com uma compreensão muito mais profunda no momento em que eles se engajaram numa luta para desvelar a conexão entre a universidade, o sistema capitalista e a guerra do Vietnã. Para estes estudantes, a guerra no Vietnã deixou de ser um “tema” e se tornou uma parte integral de suas vidas.
Uma base na teoria marxista indubitavelmente teve um grande papel em prover aos estudantes europeus algumas ferramentas com as quais enxergar a conexão entre seus estudos e a guerra. Entretanto, em adição a essa base na teoria crítica, através da mídia de massa, os estudantes europeus tiveram uma visão diária do mais grosseiro espetáculo do mundo moderno: os Estados Unidos.
Meios de comunicação cada vez mais sofisticados revelam aos espectadores de todo o mundo um espetáculo de duzentos milhões de pessoas que observam passivamente “seus próprios garotos” matando, torturando, mutilando seres humanos diariamente, um espetáculo de tortura que é “cientificamente” preparado pelos mais altamente treinados “cientistas” do mundo, o espetáculo de um imenso “sistema educacional” devotado a uma frenética pesquisa de métodos para controlar, manipular, mutilar e matar seres humanos.
A arrogante insistência com que o “estilo de vida americano” anuncia a si próprio coloca os estudantes europeus em guarda contra os métodos através dos quais os “americanos” são produzidos. O estudante de Nanterre é capaz de ver a si mesmo sendo transformado em um servo indiferente de uma máquina militar. Os estudantes se tornam conscientes que as atividades para a qual eles estão sendo treinados são intimamente ligadas à guerra do Vietnã. Eles começam a enxergar as conexões entre o conteúdo burocrático de sua “educação”, as atividades executadas pelos burocratas e os assassinatos no Vietnã. E quando os estudantes começam a se engajar em “exposições” dos seus professores e aulas, eles tentam tornar explícito, transparente, a conexão entre a “objetividade” dessa ou daquela “ciência social” e a atividade que é uma consequência da prática desse “conhecimento objetivo”; eles começam a desmascarar o que esse sistema de conhecimento faz.
Os estudantes que começam a lutar contra a guerra do Vietnã expondo o conteúdo das aulas na universidade de Nanterre mostram que eles possuem dois insights cruciais: eles percebem que suas próprias atividades em Nanterre são uma parte de um sistema interconectado de atividades que abrange a sociedade mundial inteira; e eles percebem que suas próprias atividades práticas em Nanterre têm repercussões em toda a sociedade mundial.
Mesmo sem uma base na teoria marxista, os estudantes conseguem ver a si próprios manipulados diariamente por burocratas cujas conquistas pessoais e qualidade de vida não são muito impressionantes: professores, reitores universitários, funcionários do estado. Os estudantes percebem a si mesmos como sendo usados para propósitos definidos por burocratas; eles percebem a si mesmos como sendo treinados para desempenhar atividades que outros consideram necessárias. Eles também percebem, embora mais vagamente, que as atividades para as quais eles estão sendo preparados estão relacionadas com o espetáculo que eles veem na televisão e na imprensa. Essas percepções se tornam “uma teoria” quando as conexões entre as atividades dos estudantes, professores, burocratas, são tornadas explícitas. A teoria revolucionária traz à luz as conexões entre a atividade cotidiana dos estudantes e a sociedade de robôs obedientes que assistem televisão. Os mini-grupos “revolucionários” obviamente contribuem para essa elucidação da vida cotidiana, desde que o “tesouro” de cada grupo é um ou outro dos numerosos insights de Marx sobre as relações das atividades cotidianas das pessoas sob o capitalismo.
Essa exposição das conexões entre as atividades separadas da vida cotidiana capitalista, essa “pesquisa através da ação” que foi iniciada pelos estudantes de Nanterre, foi apenas parcialmente comunicada para outros setores da população, se é que foi. Assim que os estudantes perceberam a conexão entre sua passividade na sala de aula e a lavagem cerebral que ocorre na universidade, eles também descobriram a ação que eles tinham que iniciar para colocar um fim na lavagem cerebral: eles tinham uma estratégia, e ela consistiu em romper com a passividade dos estudantes.
Quando os militantes de Nanterre começaram a expor as atividades que eles estavam sendo treinados para executar, eles desenvolveram apenas uma meia estratégia para sua própria libertação. Quando eles questionaram a legitimidade do estado e dos burocratas acadêmicos para definir o conteúdo e a direção de suas vidas, eles desenvolveram apenas aquelas táticas que deveriam levar o poder para longe dos burocratas acadêmicos. Eles sabem que parar a burocracia acadêmica não é o bastante: eles sabem que precisam parar as atividades do resto da sociedade. Entretanto, a estratégia termina onde ela começa: com a universidade. Através do interrupção das aulas, através da exposição dos professores e a ocupação dos auditórios, eles foram capazes de parar as atividade da universidade capitalista. Eles sabem que suas próprias escolhas são limitadas por causa da atividade dos trabalhadores; eles sabem que sua própria libertação significa tomar o que foi construído pelas gerações anteriores, e usar esses instrumentos para definir o conteúdo e a direção de suas vidas com outros indivíduos vivos em projetos coletivos.
Eles sabem que o poder dos burocratas depende da aceitação desse poder pelos estudantes. Eles também sabem que o poder do estado, dos capitalistas e dos burocratas do sindicato também depende da aceitação desse poder pelos trabalhadores. Mas a aceitação pelos trabalhadores também deve ser explicada, visto que ela depende parcialmente da indiferença do resto da população. Assim, os trabalhadores consideram como uma parte normal da vida vender sua atividade, alienar sua atividade criativa, e o resto da população aceita isso.
Os estudantes começaram a dar um fim ao poder separado dos burocratas. Mas quando eles saem para as fábricas, eles são incapazes de definir que passos são necessários para quebrar a dependência e impotência dos trabalhadores. Isso reflete uma falta de teoria. Eles vão até os trabalhadores como se os trabalhadores representassem de fato um grupo separado que deve definir sua própria estratégia separada de libertação. Além disso, embora os estudantes militantes sejam capazes de conectar sua própria impotência com o comportamento de ovelha dos trabalhadores que produzem com indiferença os instrumentos de sua própria repressão, eles fazem essa conexão apenas em conceitos e são incapazes de traduzi-la em realidade; eles são incapazes de definir uma estratégia que seja relacionada a essa percepção. Na universidade, eles são conscientes de si mesmos como agentes vivos, eles são conscientes do seu próprio poder para transformar suas vidas cotidianas. Eles são capazes de assumir por si mesmos um projeto coletivo, e são capazes de avançar. Mas eles são incapazes de estender esse poder além da universidade. Uma vez lá fora, eles subitamente se tornam espectadores impotentes que esperam alguma coisa surgir da “classe trabalhadora”; eles deixam de se definir como membros da sociedade que tem o poder de transformá-la. Eles repentinamente aceitam a legitimidade do poder de grupos separados sobre os instrumentos sociais de sua própria libertação.
Roger Gregoire
Fredy Perlman
- 1Uma versão resumida deste artigo foi publicado no Guardian, 29 de junho, 1968.
- 2Publicado em Intercontinental Press (Vol. 6, No. 27), 29 de julho de 1968, pp. 683–688.
- 3De acordo com uma versão, a Juventude Comunista Revolucionária (J.C.R.) desempenhou o “papel de liderança central” (The Militant, 5 de julho de 1968). Segundo outra, os estudantes desempenharam o papel de liderança (The Militant, 21 de junho de 1968). De acordo com uma terceira versão, “os comitês de ação desempenharam um papel de vanguarda de importância central” (The Militant, 28 de junho de 1968). No entanto, de acordo com levemente diferentes “revolucionários de vanguarda”, o movimento “fracassou” porque não tinha vanguarda; eles concluem em um cabeçalho de uma manchete: “O Link Vital do Partido Revolucionário ainda Necessário” e eles apontam no artigo que “a greve geral confirmou a perspectiva que este jornal apresentou nos últimos anos” (Socialist Worker - Londres - julho de 1968). Chegou-se à mesma conclusão no Guardian, 1 de junho de 1968.
- 4Notavelmente pelos próprios “loucos”: Mouvement du 22 Mars, Ce n'est qu'un debut, continuons le combat (Esse é apenas o começo, continuemos o combate). A tradução em inglês das partes centrais deste livro foi publicada no CAW: nº 3, outono, 1968.
- 5“Votre lutte est la notre,” Action, 21 de maio de 1968, p. 5.
- 6“Les enfants de Marx et du 13 Mai,” Action, 21 de maio de 1968, p. 1.
- 7Daniel Cohn-Bendit, em entrevista com Jean-Paul Sartre, “L’imagination au pouvoir,” Le Nouvel Observateur, 20 de maio, 1968, p. 5.
- 8“L’Occupation,” Action, 13 de maio de 1968, p. 7.
- 9“L’Occupation,” Action, 13 de maio de 1968, p. 7.
- 10“L’Occupation,” Action, 13 de maio de 1968, p. 7.
- 11Folheto: “Travailleurs de chez Rhône Poulenc”, Comité d’Action Ouvriers-Etudiants, Centre Censier, 14 de maio de 1968.
- 12Folheto: “Appel general à la population”, Centre Censier de la Fac de Lettres, 11 de maio de 1968.
- 13Escrito em uma parede do Censier, citado em Action, 13 de maio de 1968, p. 7.
- 14Folheto: “Travailleurs R.A.T.P.,” Les Comités d'Action, Censier, 15 de maio (?), 1968.
- 15Folheto: “ Assemblée Generale des Etudiants Etrangers,” Centre Censier, 20 de maio de 1968.
- 16Folheto: “Permanence Americaine”, Center Censier, 17 de maio de 1968. Neste folheto, os estudantes americanos também mencionam que estão dispostos a informar seus camaradas franceses de “tentativas dos estudantes de organizar os trabalhadores” nos EUA. Os americanos encontraram muito poucos militantes do comitê de ação que estivessem interessados.
- 17Folheto: “Travailleurs”, Comité de Ação Estudantes-Travailleurs, Censier, 16 de maio de 1968.
- 18Le Monde, 16 de maio de 1968.
- 19Esta afirmação exclui a possibilidade de que mudanças quantitativas infinitesimais levem gradualmente a um salto qualitativo, uma perspectiva oferecida por JM Keynes: com o desenvolvimento contínuo das forças produtivas da sociedade, pode se tornar “comparativamente fácil tornar os bens de capital tão abundantes que a eficiência marginal do capital é zero... (A) uma pequena reflexão mostrará que mudanças sociais enormes devem resultar de um desaparecimento gradual de uma taxa de retorno sobre a riqueza acumulada”. Uma das principais consequências sociais seria “a eutanásia do rentista e, consequentemente, a eutanásia do poder cumulativo opressivo do capitalista para explorar a escassez-valor do capital”, isto é, o desaparecimento do capitalista e o desaparecimento do capitalismo. (J.M. Keynes, The General Theory of Employment, Interest and Money, New York: Harcourt, Brace, 1964, p. 221 e p. 376.)
- 20Muitas vezes, foi apontado que o trabalho alienado da sociedade capitalista difere da escravidão e da servidão. O ser inteiro do escravo, e não apenas seu trabalho (ou tempo de trabalho) é propriedade do senhor; estritamente falando, o escravo não tem nada para alienar, já que ele não é uma pessoa, mas um objeto, uma peça de propriedade. O servo, por outro lado, não é propriedade de seu senhor e não aliena seu trabalho; ele é forçado a entregar os produtos de seu trabalho, e ele não recebe nada em troca (exceto a “proteção” de seu senhor - o que na prática significa opressão, dominação e, muitas vezes, morte). O trabalhador, diferentemente do escravo, é um “homem livre”: seu corpo é propriedade dele mesmo; é o seu trabalho que se torna propriedade de um proprietário. Ao contrário do servo, o trabalhador aliena seu trabalho, mas recebe algo em troca do que ele entrega. [Nota dos tradutores: Na verdade, o proletário não vende seu trabalho, ele vende a sua capacidade de trabalhar (força de trabalho) de seu corpo e de sua mente em troca do salário. O produto de seu trabalho não lhe pertence porque o seu próprio trabalho nunca lhe pertenceu, mas a quem o paga em troca do direito de consumir sua capacidade de trabalhar, comandando-o para fazer qualquer trabalho que mandar, trabalho que pertence desde sempre ao capital, nunca ao proletário. Essa é a diferença entre os proletários e os artesãos pré-capitalistas, que, estes sim, eram donos de seu trabalho e por isso vendiam seu trabalho, sendo pagos por seus serviços ou por suas obras. O proletário não é pago por seus serviços nem por suas obras, mas pago para dispor as capacidades de seu corpo e sua mente ao comando do proprietário dos meios de produção.]
- 21Le Monde, 18 de maio de 1968, p. 3.
- 22Le Monde, 18 de maio de 1968, p. 3.
- 23Folheto: “Personnel d’Air-Inter et Air France”, 16 de maio de 1968.
- 24“L'Occupation”, Action, 13 de maio de 1968, p. 7.
- 25Folheto: “Camarades”, Comité d’Action Travailleurs-Etudiants, Sorbonne e Censier, 20 de maio de 1968.
- 26“Rapport d'Orientation” (Relatório de Orientação), lido e discutido na Assembleia Geral dos Comitês de Ação Trabalhadores-Estudantes do Censier em 25 de maio (?), 1968.
- 27Folheto: “Que Faire?” Comité d’Action Travailleurs-Etudiants, Censier, 25 de maio de 1968.
- 28Folheto: “De Gaulle à la Porte!” Les Comités d'Action, 24 de maio de 1968.
- 29Folheto: “De Gaulle à la Porte!” Les Comités d'Action, 24 de maio de 1968.
- 30Folheto: “Que Faire?” Comité d’Action Travailleurs-Etudiants, Censier, 25 de maio de 1968.
- 31Folheto: “Que Faire?” Comité d’Action Travailleurs-Etudiants, Censier, 25 de maio de 1968.
- 32“Rapport d'Orientation” (Relatório de Orientação), lido e discutido na Assembleia Geral dos Comitês de Ação Trabalhadores-Estudantes do Censier em 25 de maio (?), 1968.
- 33Folheto: “Rhône-Poulenc”, Le Comité Centrale de Grève (Rhône Poulenc, Comité Central de Greve), 28 de maio de 1968.
- 34Waldeck-Rochet é o secretário geral do Partido Comunista Francês.
- 35Folheto: “Camarades”, Comité d’Action Travailleurs-Etudiants, Sorbonne e Censier, 20 de maio de 1968.
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