A.A.U.-E.: organização unitária contra a divisão entre luta política e econômica - Diego Negri

Desenho de Franz Wilhelm Seiwert

Breve introdução sobre a história da A.A.U.-E. (União Geral dos Trabalhadores – Organização Unitária), organização que atuou de 1921 a 1923 na Alemanha e que foi uma das primeiras a condenar o bolchevismo, denunciando-o como sistema econômico burguês e contra-revolucionário. Buscava impulsionar a auto-organização dos trabalhadores a partir das empresas contra os partidos e sindicatos, superando a divisão entre economia e política através de conselhos operários.

Submitted by Joaos on May 22, 2016

[Texto traduzido e publicado pelo Grupo Autonomia em janeiro de 2001 no site Biblioteca Virtual Revolucionária.]

A A.A.U.-E. (Allgemeine Arbeiter Union-Einheitsorganization = União Geral dos Trabalhadores – Organização Unitária) formou-se em outubro de 1921, na Alemanha, num contexto social conturbado pelas lutas e greves selvagens. Nos inícios da década de 1920, o sindicalismo alemão (controlado pelos sociais democratas) foi ultrapassado por uma nova prática organizativa: os conselhos operários. Nesta estrutura, os trabalhadores formulavam imediatamente o problema da gestão operária da economia. A social democracia recupera estes conselhos, transformando-os em estrutura de co-gestão entre patrões e operários, mas a potencialidade revolucionária destas estruturas permanece relevante. 

A A.A.U.-E. era uma das três principais correntes da esquerda comunista alemã, as outras duas eram o K.A.P.D. e a A.A.U.D. 1 . Juntamente com o restante da esquerda comunista alemã, a A.A.U.-E. julgava que a sociedade havia mudado com relação ao século XIX, quando o proletariado formava só uma restrita minoria da sociedade e, então, devia inevitavelmente aliar-se com outras classes. Esse tempo havia passado, o proletariado - ao menos nos países desenvolvidos do ocidente - constituía agora a maioria da população, portanto acontecera uma nítida separação entre burguesia e proletariado, polarizando os respectivos interesses. A revolução estava na ordem do dia (basta recordar as análises sobre a ruína do capitalismo, elaboradas nos anos 20 e 30). Esta mudança social alterava também a concepção do movimento comunista. O movimento comunista era a ação autônoma dos operários, que se auto-organizavam em conselhos contra as estruturas burguesas e/ou de mediação: o sindicalismo e a luta parlamentar. Enquanto o K.A.P.D. e a A.A.U.D. mantinham intacta a divisão entre política e economia (partido e sindicato), a A.A.U.-E. pensava numa superação deste dualismo. Queria edificar uma grande organização unitária cujas tarefas seriam conduzir a luta prática dirigida pelas massas e, mais tarde, assumir a gestão da sociedade baseada no sistema dos conselhos operários. A A.A.U.-E. era contra os partidos porque nenhum deles podia substituir o proletariado, e este deveria superar por si mesmo suas deficiências. Embora muito semelhante à I.W.W. (Industrial Workers of the World: Trabalhadores Industriais do Mundo, organização sindicalista revolucionária), organizando os operários por empresa e não por categoria, era diferente dela porque considerava necessário um poder político especificamente operário. Apesar das diferenças de posição política geral, uma parte do movimento anarco-sindicalista alemão (muito numeroso na época) colaborou com a A.A.U.-E. nas lutas, influenciou-a e foi influenciado por ela. 

O antiautoritarismo e a democracia direta operária eram a base da organização. Todavia, esta experiência duraria pouco (até 1923), sendo destroçada pela repressão social-democrata e por uma avaliação equivocada da fase social (a suposta ruína do capitalismo que tornava iminente a saída revolucionária). Foi uma das primeiras organizações de esquerda a condenar o bolchevismo, denunciando-o como sistema econômico burguês e contra-revolucionário. As elaborações teóricas da A.A.U.-E. se encontram principalmente na revista Die Aktion e nos opúsculos de Otto Ruhle, o maior teórico alemão do comunismo de conselhos. Pannekoek 2 , embora tenha se mantido afastado de qualquer organização depois de 1920, demonstrou sua afinidade com a A.A.U.-E. escrevendo: “A idéia de que devam existir duas diferentes organizações de operários é falsa.” Esta concepção organizativa unitária será retomada durante as lutas surgidas em 1968 e 1977, negando porém os aspectos gestionários e produtivistas de tal modelo.

LINHAS DE ORIENTAÇÃO PARA A A.A.U.-E. ( extraídas de Die Aktion n. 41/42 – 1921)

TESES3 :

1. A A.A.U.-E. é a organização unitária política e econômica do proletariado revolucionário.

2. A A.A.U.-E. luta pelo comunismo, a socialização da produção e dos bens de consumo produzidos. A A.A.U.-E. quer estabelecer a produção e a distribuição planificadas no lugar das atuais produção e distribuição capitalistas.

3. O objetivo final da A.A.U.-E. é a sociedade em que todos os poderes foram abolidos, o caminho para esta sociedade passa pela ditadura do proletariado. É a vontade dos operários que determina exclusivamente a organização política e econômica da sociedade comunista graças à organização dos conselhos.

4. As tarefas mais urgentes da A.A.U.-E. são: a) destruição dos sindicatos e partidos políticos, principais obstáculos à unificação da classe proletária e ao posterior desenvolvimento da revolução social, que não pode ser tarefa de partido ou sindicato; b) união do proletariado revolucionário nas empresas, células da produção, fundamento da sociedade futura. c) desenvolvimento da autoconsciência e da solidariedade entre trabalhadores; d) preparação de todas as medidas que serão necessárias para a edificação política e econômica.

5. A A.A.U.-E. rejeita todos os métodos reformistas e oportunistas de combate, opõe-se a qualquer participação no parlamento e nos conselhos de empresa legais, porque tal participação significa sabotar a idéia dos conselhos.

6. A A.A.U.-E. rejeita fundamentalmente todos os dirigentes profissionais. A revolução não pode depender dos autodesignados dirigentes atuando como conselheiros.

7. Todas as funções na A.A.U.-E. são voluntárias.

8. A A.A.U.-E. considera o combate de libertação do proletariado não como uma questão nacional, mas como uma tarefa internacional. Por isso, a A.A.U.-E. se esforça para conseguir a união do conjunto do proletariado mundial numa internacional dos conselhos.

[Tradução livre (resumida e adaptada) feita pelo coletivo de tradutores do Grupo Autonomia.]

  • 1(1) O K.A.P.D. (Partido Operário Comunista da Alemanha) foi fundado em 1921. Contrário ao parlamentarismo e ao sindicalismo, em desacordo com as posições bolcheviques sobre o partido. Concebe-se como minoria operária comunista que propagandeia teórica e praticamente a revolta e a formação de conselhos operários revolucionários. A A.A.U.D. (União Geral dos Trabalhadores da Alemanha), fundada em 1920, é a organização econômica do K.A.P.D.. Baseia-se em dois conceitos: a) os operários se unem por empresa; b) as organizações de empresa se agrupam por região industrial. A A.A.U.D. se vê como embrião dos conselhos operários revolucionários. 
  • 2(2) Pannekoek, Anton (1873-1960) – holandês, foi um dos maiores teóricos do comunismo de conselhos. 
  • 3(3) Estas teses foram apresentadas pelos distritos de Saxe Oriental e de Hamburgo à 4ª Conferências da A.A.U.D. (Junho de 1921). Foram adotadas como definitivas pela 1ª Conferência Autônoma da Oposição em Outubro de 1921.

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