A Esquerda Italiana e Bordiga - La Banquise

Capítulo de "le roman de nos origines" (La Banquise No. 2 1983) que examina as contribuições e limites da esquerda comunista italiana e Bordiga. (Traduzido e publicado pelo Grupo Autonomia no website Biblioteca Virtual Revolucionária em junho de 2006 a partir da versão original em francês - publicada no website John gray-For Communism).

Submitted by Joaos on October 13, 2015

Seguindo o exemplo de outras correntes da esquerda comunista, a esquerda – dita, por simplificação – italiana mostra que o proletário é mais do que um produtor que luta pelo fim de sua miséria (tese da esquerda) ou pelo fim de sua exploração (tese do esquerdismo). Ela reconheceu na obra de Marx "uma descrição do caráter da sociedade comunista" (Bordiga). E afirmou o conteúdo anti-salarial e antimercantil da revolução. Ela retomou o contato com a utopia.

"Nós somos os únicos a basear a ação no futuro."

Bordiga fez uma crítica implícita da separação entre ciência e utopia – feita por Engels, no Anti-Dühring – e que, dizia ele, repousa sobre uma "base falsa". Ele definiu os revolucionários como os "exploradores do futuro". Para Bordiga, a utopia não é previsão, mas perspectiva do futuro. Ele devolveu à revolução sua dimensão humana e abordou aquilo que, vinte anos depois, será chamado de ecologia. Mas ele concebia a revolução como aplicação de um programa pelo "partido" e não como uma dinâmica unificando os homens a medida que eles comunizam o mundo.

Ora, é previsível que um movimento de comunização, destruindo o Estado, minando a base social do inimigo e se estendendo sob o efeito da atração irresistível que suscitará o nascimento de novas relações sociais entre os homens, unificará o campo revolucionário melhor do que um poder qualquer, que, esperando conquistar o mundo antes de comunizá-lo, não se comportaria diferentemente de um... Estado. Uma série de medidas básicas e de choques permitirá uma enorme economia de meios materiais e decuplicará a inventividade. O comunismo permitirá abandonar muitos tipos de produção, ultrapassando as "economias de escala" impostas pela rentabilidade. A acumulação, que impõe concentração, empurra o capitalismo ao gigantismo (megalópoles, voracidade de energia) e o obriga a negligenciar todas as forças de produção não-lucrativas. O comunismo, pelo contrário, será capaz de descentralizar, utilizar os recursos locais, e não porque a humanidade centralizada num partido terá decidido isto, mas porque as necessidades, surgidas das atividades das pessoas, as incitarão a viver diferentemente. Então, cessará o conflito do "espaço contra o concreto", de que Bordiga falou.

A esquerda comunista italiana, sobretudo depois de 1945, afirmou o comunismo sem o assimilar como um movimento da atividade humana tendendo a se libertar. Depois de 1917, o proletariado lutou sem atacar os fundamentos da sociedade. Em consequência, os grupos radicais se viram diante de uma enorme dificuldade ao pensar os fundamentos da vida social e, portanto, da revolução.

Além disso, Bordiga não tirou todas as implicações de sua visão do comunismo. Ao invés de definir a "ditadura do proletariado" a partir da comunização, ele a confinou numa ditadura política que, para começar, fez dela uma questão de poder. A esquerda comunista alemã teve a intuição de que o comunismo reside no ser-proletário, sem apreender a verdadeira natureza do comunismo. A esquerda italiana, ao contrário, compreendeu a natureza do comunismo, mas privou o proletariado da tarefa de realizá-lo para confiar isto a um partido, guardião dos princípios, encarregado de implantá-lo à força.

Está certo que Bordiga fez uma justificada crítica da democracia. Reprova-se freqüentemente a democracia por separar, pelo voto, os proletários que se unem na ação. No lugar dela, preconiza-se a "verdadeira democracia", a "democracia operária", na qual as decisões seriam tomadas por todos, em assembléia geral etc. Ora, Bordiga mostrou que a democracia opera a separação na decisão porque ela separa o momento da decisão. Fazer crer que se suspende tudo num momento privilegiado, para saber que decisão tomar e quem a executará, e criar, para tal finalidade, uma instância de deliberação, de decisão: eis a ilusão democrática! A atividade humana não conduziria a isolar tão formalmente o momento da decisão se a atividade não fosse ela própria contraditória, se ela não estivesse já atravessada por conflitos e se, nela, poderes antagônicos não estivessem já instaurados. A estrutura de encontro de opiniões nada mais é do que uma fachada que mascara a decisão real, imposta pelo jogo de forças anterior.

A democracia estabeleceu um corte no tempo, funciona como se recomeçasse do zero. Pode-se aplicar ao ritual democrático a análise que Mircea Eliade faz da religião, na qual se celebra periodicamente a passagem do caos à ordem, colocando-se fora do tempo por um breve instante como se tudo fosse outra vez possível. A democracia foi erigida em princípio nas sociedades onde os senhores deviam se encontrar para partilhar o poder respeitando as regras do jogo, prontos para recorrer à ditadura (forma de governo admitida na Grécia antiga) se o jogo for bloqueado.

Tendo demonstrado que o princípio democrático é estranho aos fundamentos da ação revolucionária e da vida humana, Bordiga foi incapaz de imaginar a interação das práticas subversivas dos proletários. Ele não podia conceber outra solução senão a ditadura (do partido). A esquerda alemã tinha caído no erro democrático através do fetichismo dos conselhos operários. A esquerda italiana, presa à falsa alternativa que ela mesma havia denunciado, pronuncia-se em favor da ditadura, certa de ter apreendido as capacidades subversivas do proletariado e sua aptidão para centralizar sua ação, mesmo através de uma disciplina monolítica se necessária.

Profundamente contraditório, Bordiga criticou implicitamente Lênin, a social-democracia e o marxismo - mas pela metade. Retornando às teses de Lênin, fez um longo elogio ao "Esquerdismo – Doença Infantil do Comunismo", induzindo ao erro grande parte da geração de revolucionários surgida em 1968, a qual somente via no bordiguismo uma variante do leninismo.

Para a esquerda alemã, os organismos unitários de base dos operários representavam a classe. Para a esquerda italiana, os sindicatos representavam a classe. O fato de os trabalhadores estarem em sindicatos parecia mais importante do que aquilo que eles faziam lá. "O sindicato, mesmo quando corrompido, é sempre um centro operário." (Bordiga, 1921) Para ele, o sindicato sempre contém um potencial de ação revolucionária. Nos dois casos, a forma (a organização dos trabalhadores) era posta antes do seu conteúdo (a função dessa organização). O erro fundamental de Bordiga foi manter a separação entre política e economia, herdada da IIª Internacional e que a IIIª Internacional não questionou. A ofensiva revolucionária de 1917-1921 rejeitou na prática essa separação, mas não avançou o suficiente para impô-la ao pensamento do conjunto dos comunistas de esquerda. 

"A consciência proletária pode renascer à medida que as batalhas econômicas parciais se desenvolvem até que alcancem uma fase política superior que coloca a questão do poder" (Communisme, Nº. 1, abril de 1937).

Não. É necessário que já exista, embrionariamente (como descobri-la, ajudá-la a amadurecer, tudo depende disso...), uma crítica social, tanto na fase inicial de um movimento quanto depois, uma crítica que coloque em questão a economia e a política mediante a recusa do realismo (reivindicações compatíveis com a sobrevida da empresa) e de mediação (partilhar poder, confiar em órgãos de colaboração entre trabalho e capital).

A fraqueza de Bordiga decorre de sua incompreensão do fato de que o comunismo emerge das necessidades e das práticas criadas pela condição concreta do proletariado. Bordiga pôs a questão da PASSAGEM da luta operária da economia para a política. Ele distingue mal o processo revolucionário. Sabia que o comunismo não se constroi, que a revolução se contenta ao fazer saltar os obstáculos de uma vida na qual a maioria dos elementos já estão "nas entranhas" (Marx) do capitalismo. Mas, para ele, a revolução continuava sendo a ação de um poder político que modifica a economia. Ele não via que a comunização e a luta contra o Estado são necessariamente simultâneas.

As especulações sobre as diferentes formas de organização (conselho, partido, órgão operário de massa) e a separação, na teoria, entre política e economia, mostraram que o proletariado que, antes de 1914, perdera seu senso de unidade, dificilmente o recuperaria depois de 1917. A questão organizativa veio preencher o vazio deixado pela ausência da prática revolucionária dos proletários. Quando as contradições sociais não conduzem a um movimento subversivo, procura-se uma chave teórica. Bordiga a achou no movimento econômico dos operários, que – supunha ele – engendraria a ação revolucionária graças à ajuda do partido. O a priori substituiu a visão da totalidade.

Invariance, que retomou as teses de Bordiga, apareceu antes de 1968. Na livraria La Vieille Taupe, Pierre Guillaume insistiu na importância dessa revista para seus amigos e clientes. O principal mérito de Invariance foi o de ter chamado a atenção para os aspectos mais ricos das teorias de Bordiga, numa época em que o Partido Comunista Internacional, que se encarregou de administrar a herança bordiguista, falava pouco sobre elas, omitindo o nome de Bordiga em nome do anonimato do partido, e preferia dar acento às recusas da esquerda italiana: a luta contra o anti-fascismo contra o educacionismo etc.

Bordiga viu na obra de Marx uma descrição do comunismo. Desde seu primeiro número, escrito por Camatte e Dangeville, Invariance afirmava que "Marx e Engels deduziram as características da forma partido da descrição da sociedade comunista". Mas Invariance permanecia prisioneira da metafísica do partido.

Durante o período de 1917 a 1937 – e mesmo ainda no apogeu da contra-revolução que marcou a guerra e a reconstrução do pós-guerra – o proletariado não se impôs pelo que é – resultante de práticas e necessidades que surgem de sua condição profunda. Para resistir à contra-revolução, a esquerda italiana construiu uma metafísica do proletariado, entidade que tomou o lugar do movimento real ausente, e sua referência ao partido lhe serviu para preservar a perspectiva revolucionária, tal como sua desconfiança do "anarquismo" (termo que era usado para incluir o conselhismo da esquerda alemã) lhe servia como defesa contra o risco de desvio para a democracia.

Sobre a esquerda comunista dita italiana:
La Gauche Communiste d'Italie, Courant Communiste International, 1981. 
Bordiga et la passion du communisme, Spartacus, 1974. 
Inúmeros textos de Bordiga foram publicados em Invariance, Le fil du Temps, Programme Communiste. A maioria deles, anonimamente. 
« Bilan ». Contre-révolution en Espagne 1936-1939, UGE, 10/18, 1978. 
(J. Barrot, Communisme et « question russe », 1972, que contém a Critique de l'Idéologie ultra-gauche et Capitalisme et communisme
(Le Mouvement communiste, nº 5, « De la politique », 1973, et Pour une critique de l'idéologie anti-militariste, 1975)

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