Texto publicado em Amigos da Revolução Social, ano 1 #0, em outubro de 2001.
Só lhe resta um olho (o outro ainda escorre lentamente da cavidade ocular), mas entregou-se ao uso. Em volta, os muros sorriem. A televisão vomita na sua cara, provocando-lhe um estranho gemido. A boca, em forma de U, parece um ânus.
Onde quer que ele vá, a mesma cena.
Por toda parte: um carro fala, um hambúrguer grita, belos vestidinhos comentam a respeito da conjuntura geopolítica. E todos dançam.
Durante a semana, ele é desgastado, utilizado, dedado no olho, pisado, chutado no saco, cagado&mijado e, enfim, elogiado pelo patrão.
Mas tem os seus direitos: por exemplo, o de votar, escolhendo entre o ruim e o pior, de tempos em tempos.
Está subjugado ao tripalium. É um trabalhador e, às vezes, até se orgulha disso. Produz tudo que pode ser produzido. Em troca, recebe uns pedaços de papel com os quais tenta imantar os objetos à venda. Não percebe que a mercadoria obedece ao dinheiro, não a ele. Até mesmo a água suja do arroz com feijão que ele come.
O mundo, reduzido a espetáculo mercantil, pulula em bisonhos fetiches antropomórficos. Das vitrines, inconsoláveis, as coisas choram a falta do pedaço de papel moeda – que, se tivemos, já não temos...
As mercadorias não existem para satisfazer as necessidades humanas.
Oh! Sim... Para impedir a satisfação das necessidades, estão convocados fuzis, metralhadoras, tanques e a servidão (mais ou menos voluntária) dos que os manejam.
"E tudo que não se pode fazer, o dinheiro faz para a gente. Pode-se comer, beber, ir ao baile e ao teatro. Ele pode adquirir arte, saber, tesouros históricos, poder político; e pode-se viajar. Mas, apesar de poder fazer tudo isso, o dinheiro só quer criar a si mesmo, e comprar a si mesmo, pois tudo mais a ele se submete."
(Karl Marx - Manuscritos Econômicos e Filosóficos)
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