Aceitar o mal menor é suicidar-se um pouco, todo dia - Grupo Autonomia

Da primeira aceitação do mal menor em diante, não há ruptura e sim continuidade. Aceita-se um novo imposto, mais uma demissão, a centésima redução de salário e a 'última' humilhação... até que o mal menor talvez seja o suicídio, negação final de todos os desejos.

Submitted by Joaos on November 30, 2016

[Texto publicado em KAOS #3 07/1998 (boletim aperiódico e experimental do Grupo Autonomia) como tradução resumida e adaptada de COMUNISMO # 42, órgão do GCI (Grupo Comunista Internacionalista)]

"Leva um homem e um boi ao matadouro. Aquele que gritar primeiro é o homem, mesmo que seja o boi."
(autor desconhecido)

São muitos os que, argumentando com o mais rasteiro senso comum, tentam convencer o proletariado a aceitar a degradação de suas condições de vida. Todos os dias, repete-se incessantemente, no rádio, na televisão, pela boca dos sociólogos, jornalistas e burocratas sindicais, inumeráveis pretextos e explicações cujo objetivo é fazer-nos cair na armadilha do mal menor.

Eis alguns exemplos:

"Para evitar o desemprego, mais vale receber um salário por 32 horas quando se trabalhou 40."

"É melhor uma empresa que funcione, depois de ter demitido a metade dos trabalhadores, do que uma empresa fechada e todos desempregados."

"Mais vale um salário de fome do que a fome sem salário."

"É melhor estar desempregado do que não ter onde morar."

"Mais vale ser um 'sem-teto' num país rico do que um 'faminto' num país pobre."

Essas pérolas do humor cínico, fazem lembrar a frase de um típico cidadão médio europeu, que, obviamente, ainda não perdeu o seu emprego: "Os pobres deveriam estar contentes de viver num país rico..." O que é cômico e ridículo para o democretino cidadão médio europeu é, contudo, a tragédia dos proletários deste mundo: a reprodução cotidiana da barbárie capitalista.

É essa lógica vulgar, alardeada pelos gestores do Capital para tornar digeríveis suas medidas e submeter-nos ao Estado, que arrebanha o proletário, atomizado e reduzido a mera força de trabalho, de mal menor em mal menor, até encontrar-se um dia com um fuzil na mão, incumbido de assassinar seu irmão de classe, outro proletário, que se encontra na trincheira do 'país inimigo'... Essa escabrosa lógica levará o proletário, subjugado à ideologia capitalista, a apertar o gatilho. Pois, no limite, mais vale a angústia existencial, depois de ter obedecido a ordem para matar, do que a risco de ser fuzilado por insubmissão. Assim, de tanto escolher o mal menor, dia virá em que sua própria vida será colocada na balança: mais vale enfiar um balaço na própria cabeça do que continuar suportando o inferno da guerra.

Da primeira aceitação em diante, não há ruptura e sim continuidade. Aceita-se um novo imposto, mais uma demissão, a centésima redução de salário e a 'última' humilhação... até que o mal menor talvez seja o suicídio, negação final de todos os desejos.

Cada concessão feita em nome do mal menor, por ínfima e cotidiana que seja, é um passo a mais no terreno escorregadio que nos levará à derrota. Resignar-se e aceitar, passivamente, uma situação de merda, sob o pretexto de que 'poderia ser pior' é o mesmo que matar-se aos poucos, todos os dias. Aceitar o mal menor é o mesmo que deixar-se levar, humilhado e desmoralizado, para o terreno de classe da burguesia: o matadouro da guerra imperialista. Todas as vezes em que aceitou a lógica do mal menor, o proletariado nada mais fez do que começar a cavar a própria sepultura.

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