Exposição do conceito de composição de classe, ferramenta teórica e prática que visa favorecer o movimento autônomo do proletariado. Partindo das conexões materiais e sociais (geográficas, produtivas, educativas, subjetivas...) colocadas pela classe capitalista, o proletariado cria suas próprias conexões, sua própria autonomia de classe, podendo se tornar capaz de se opor ao capital num nível mais radical.
(Traduzido e publicado pelo Grupo Autonomia no website Biblioteca Virtual Revolucionária em setembro de 2000 a partir do texto em inglês, que pode ser encontrado em https://libcom.org/library/network-of-struggles-italy-romano-alquati )
(Nota do tradutor inglês: Este resumo foi elaborado, no início dos anos 70, por um membro do Oxford Road Group (ORG) - na Inglaterra, para companheiros que não entendiam o documento original em italiano. Naquela época, o ORG estudava as relações entre a luta de classes, na Inglaterra, e os recentes desenvolvimentos no marxismo, na Itália. O formato abaixo, embora omita os detalhes da discussão italiana e se limite aos conceitos empregados, segue o original tão próximo quanto possível. )
PREMISSA: os movimentos de luta da classe operária compõem uma REDE, não apenas regional e nacional, mas internacional.
REDE: união das lutas em duas articulações, vertical e horizontal.
Articulação vertical = ponto interior ao circuito capitalista de produção/reprodução.
Articulação horizontal = distribuição espacial e interconexão das lutas no território.
Essas articulações combinadas, vertical & horizontal, giram em torno de decisivos pontos de conexão: PONTOS NODAIS.
NÓS (NEXOS)
Nós ou nexos são pontos de conexão dentro da REDE. Podem ser estrategicamente priorizados, inclusive INTERNACIONALMENTE. Estes pontos são a vanguarda das lutas de massas da classe operária!
Mas N.B.: Não há uma correspondência simples ou 'mecânica', somente na articulação vertical, ou equivalência direta entre o nível de produção capitalista e a vanguarda das lutas de massas da classe operária. Assim, o ciclo de lutas de 1968, por si só, transformou a rede de lutas, tanto vertical como horizontalmente, "recompondo a classe".
RECOMPOSIÇÃO DA CLASSE OPERÁRIA
Desenvolvimento dinâmico da "classe" através da luta, superando a decomposição capitalista da força de trabalho: "O fenômeno da recomposição de classe deve ser visto em termos do nível dos movimentos gerais de luta coletiva."
Portanto:
a) A recomposição não é nem pode ser um reflexo mecânico da decomposição capitalista da força de trabalho. Mesmo quando faz uso político das condições objetivas, a recomposição transcende dinamicamente as diferenças entre os níveis tecnológicos e os níveis de exploração do trabalho vivo, i.e., da "classe operária";
b) Nem, tampouco, um problema de consciência, entendido como o nível de compreensão ou julgamento político de um dado proletário, considerado como indivíduo pertencente a uma ou outra estratificação da força de trabalho, a um ou outro núcleo horizontal de produção."
Logo, a REDE DE LUTAS: processo de circulação/comunicação das lutas, sua homogeneização dentro das amplas zonas de produção capitalista de determinados tipos de força de trabalho (e.g., 'zona Européia').
** A fase atual é de RECOMPOSIÇÃO INTERNACIONAL (vertical e horizontal) da 'classe operária'.
A REDE INTERNACIONAL DE LUTAS & A PRIORIDADE ESTRATÉGICA: "A maior concentração de PROLETÁRIOS em contato direto com seus patrões, na medida em que estes são centros de poder e comando do capital internacional. Em relação direta com esses proletários, a massa de força de trabalho auxiliar e 'terceirizada', massificada nos centros de poder capitalista."
Então: "...as redes nacionais e regionais." No nível mais baixo, a luta de massas do PROLETARIADO em zonas onde ainda não se desenvolveram as formas especificamente capitalistas de produção e acumulação.
NÓS (nexos) internacionais são pontos de acúmulo máximo de informação a respeito das lutas e centros de distribuição de informação "operacional": "Eles são geralmente os pontos máximos de massificação e interação orgânica de diferentes momentos da luta anticapitalista. Isto freqüentemente ocorre nos pontos de maior concentração física dos diferentes segmentos massificados da força de trabalho. Mas não menor é a importância (estratégica, para a classe operária) da utilização de sua presença na integração capitalista do circuito, para que o acúmulo de informação seja o mais denso possível, na rede internacional dos grandes grupos de interesses capitalistas."
** Nesses pontos de concentração/massificação, desde que seja capaz de 'utilizar' a integração capitalista do circuito, a classe operária encontrará as FORÇAS PROPULSORAS de suas lutas.
UTILIZAÇÃO DA INTEGRAÇÃO CAPITALISTA DE CIRCUITOS
É uma estratégia que leva em conta: a "descentralização técnica e exportação do capital", por um lado; e "concentração e centralização econômico-financeira" (contraparte), por outro.
A seguir, uma análise detalhada da Itália, nos termos dos conceitos acima. A tese principal é a especificidade da rede internacional/nacional/regional de lutas, graus localizados da mais avançada luta de massas da classe operária na Itália (1968/69). Dois pontos, um geral e outro metodológico, são extraídos dessa discussão:
Importantes distinções entre forças de inserção internacional:
a) COMANDO centralmente-baseado, exportador de capital, mas centralizador de lucro e política (cf. FIAT);
b) COMANDO exteriormente-baseado, importador de capital, concentração externa do lucro (cf. petroquímicos e farmacêuticos).
Em 1968, acontecem as primeiras iniciativas noticiáveis para coordenar a estratégia relacionada com esses diferentes circuitos internacionais do capital (os quais, é claro, expandem-se das OFICINAS ou FÁBRICAS para ESCRITÓRIOS, SERVIÇOS, TRANSPORTES, etc.) Viz. CISL/CGIL: PCI/PCF no negócio da FIAT/CITROEN.
Novamente, ataque à 'equivalência' mecânica dos mais avançados nexos/pólos de lutas (nacional ou internacionalmente) com a mais alta composição orgânica do capital – como, na Itália, podem ser (os setores de) pneus e metalurgia:
"Concentração, massificação, são 'condições', certamente, mas não explicam tudo. Historicamente, e do ponto de vista da classe operária, elas devem ser explicadas. Isto é, concentração, massificação, integração devem ser vistas como resultado da luta de classes, de como esta é, então, em si mesma conduzida, unificada, homogeneizada precisamente por esses setores."
A discussão agora se encaminha no sentido de localizar as 'forças dirigentes' das lutas.
AS 'FORÇAS PROPULSORAS'
** Tese: O 'segredo' do novo antagonismo dinâmico na Fábrica, Oficina, Setor, Pólo e Região = 'FORÇA DE TRABALHO JOVEM'
FORÇA DE TRABALHO JOVEM
a) nenhuma unidade/homogeneidade objetiva - e.g., qualificações altamente diferenciadas (embora geralmente correspondam à avançada seleção/formação capitalista de profissionais para um tipo de força de trabalho).
b) MAS unidade subjetiva de recusa a nível ('SOCIAL') global: "a recusa tem motivações que retornam para a unidade do ciclo de exploração da classe"
Como isto é possível?
como um tipo de força de trabalho (profissionalmente adequado, nos termos do mais recente desenvolvimento capitalista da força de trabalho), tira proveito de sua necessária DISPERSÃO utilizando as estruturas vertical e horizontal do Capital.
De agora em diante, possibilidade de unificação das lutas;
Mudando as relações entre Jovens e Velhos Trabalhadores.
A complexa dialética da RECOMPOSIÇÃO (no sentido de homogeneização das lutas, novas e antigas) está avançando, apesar de obstáculos objetivos (qualificações profissionais, definição de empregos) e subjetivos (ideologia, militância, experiência de organizações históricas, orientações culturais/comportamentais, em relação ao trabalho, classe, etc.).
A importância, nesse processo, da ORGANIZAÇÃO INFORMAL: jovens proletários rejeitam o 'partido' de tipo gramsciano, baixo percentual de sindicalização; ENTRETANTO, uma reestruturação real das relações com os proletários mais velhos, nas lutas articuladas via ORGANIZAÇÃO INFORMAL (veja 'passividade', abaixo).
CAPITAL & FORÇA DE TRABALHO JOVEM
"Por que o capital europeu - i.e., o circuito de acumulação de capital, no atual nível de composição global técnica - necessita da força de trabalho jovem?".
a) Nível de automação da produção direta:
escala de produção européia - mercadorias e características tecnológicas dos setores dominantes, em termos de nível geral de aplicação da ciência para a substituição de trabalho vivo por trabalho morto - produzindo uma nova forma de 'emprego', parcializado, linha de produção & processo de trabalho em série controlado via decomposição e simplificação do trabalho, estendido para a administração & serviços.
Portanto,
'Força de trabalho jovem' por si mesma é uma 'qualificação' do ponto de vista do capital: "Uma hora de força de trabalho jovem produz uma margem de mais-valia mais elevada do que uma hora normal/média."
b) O emprego também está sendo diretamente transformado, via controles automáticos audiovisuais do processo de trabalho. Aqui também há uma produtividade maior de força de trabalho jovem.
NB: Concomitante desqualificação & expulsão da força de trabalho mais velha: 'MOBILIDADE'
Portanto: Intensificação constante da exploração = MAIS (SOBRE)TRABALHO
No entanto: Isso só se torna possível dada sua posição no trabalho ("sobre a base de sua relação de trabalho") = mais lúdica... E os patrões nem sempre são capazes de admitir isso!
Relação com os sindicatos
Visível primeiramente em 1960/61, na FIAT, OLIVETTI, MONTECATINI, ITALSIDER, MICHELIN. Depois, espalhou-se até mesmo na agricultura:
c) "Novos Técnicos"
"Os trabalhadores denominados 'técnicos' são, para nós, acima de tudo, a massa de novos profissionais exigidos pelos novos níveis de automação e mecanização do circuito produtivo: essas são as novas profissões conectadas com funções auxiliares, especialmente para a programação geral, a pesquisa aplicada etc ..."
(i) É impossível separar as funções 'técnicas objetivas', do trabalho auxiliar, das funções 'políticas' de supervisão e controle. O próprio controle é crescentemente transformado em funções 'técnicas objetivas'. 'Programação' concernente ao aumento do 'consumo produtivo' da força de trabalho como tempo e estudo do trabalho.
(ii) Problema das relações entre o trabalho produtivo 'direto' e 'indireto' , que não pode ser colocado somente como uma questão exclusivamente de qualificação/formação individual da força de trabalho (na escola ou faculdade). Um elemento dessa 'qualificação' sempre deriva do caráter social do trabalho, como força produtiva;
o trabalho indiretamente produtivo, necessário para o capital, deve ser analisado em relação aos:
INSTRUMENTOS DO TRABALHO VIVO DIRETAMENTE PRODUTIVO & OS OBJETOS DA CIÊNCIA DO TRABALHO VIVO APLICADOS NA MECANIZAÇÃO DO TRABALHO & AUMENTO DE SUA PRODUTIVIDADE
NB: Entretanto, proporcionalmente a essa crescente importância, com a reprodução do processo, o Capital busca 'racionalizar' até mesmo esse trabalho vivo produtivo indireto, via recursos eletrônicos de cronometragem, controle dos ritmos & parcialização etc. Então, 'graus' ilusórios (hierarquia) e 'status' são necessariamente desgastados pela própria reorganização do capital dessa forma de trabalho vivo (indireto); e isto é assimilado à organização da linha/fluxo do trabalho diretamente produtivo.
PORTANTO, as lutas desse ramo do trabalho vivo convergem com as dos trabalhadores de linha. Estrategicamente, o aspecto crucial dessa assimilação de diferentes tipos de trabalho vivo (diretamente e indiretamente produtivo) nas lutas (nas quais a força de trabalho 'técnica' poderia, em certas condições, assumir um papel de vanguarda) é que o trabalho massificado deve mover-se primeiro autonomamente: "Nada é mais perigoso que os sofismas daqueles que estabelecem uma relação mecânica entre a zona de abrangência do circuito e a função de vanguarda da massa nas lutas. Na realidade, ocorre o contrário: não é a consciência do proletário individual, o nível de sua compreensão do processo de trabalho como um todo ou da função de consumo etc., que determina o nível de um movimento de luta e lhe dá um lugar 'propulsivo' em relação a luta de classes em geral."
(iii) A posição dos proletários jovens na esfera de circulação & serviços, caracterizada pelo aumento da intensidade da exploração (mesmo quando o 'capital constante' é substituído pelo trabalho vivo - mudando a composição orgânica - é acrescido de procedimentos, métodos etc.) similar à homogeneização: recomposição da classe nas lutas.
TRABALHADORES DE FÁBRICAS
"Para nós a 'classe operária' hoje abrange os técnicos (isto já era claro para Marx...), e também diferentes seções do trabalho 'não-produtivo': incluímos aqui o movimento estudantil."
Contudo, existe uma freqüente identificação da 'classe operária' com a porção do trabalho 'produtivo direto', que Marx e Lênin denominaram 'trabalhadores de fábricas'. (NB: 'Fábrica', para Marx, é a específica relação social de produção, organizada em torno de instalações/maquinarias fixas como seu material de base.)
Esse setor da classe foi protagonista histórico das lutas, antes da primeira guerra mundial e depois dela:
"Se o taylorismo e a organização científica do trabalho tinham objetivos políticos, estes se resumiam a colocar em xeque o nível de organização política atingido por esses trabalhadores específicos, os trabalhadores de fábricas."
PORÉM, hoje enfrentamos uma situação pós-Taylor, pós-racionalizadora - vide Itália, nos anos 60.
a) aumento dos trabalhadores de Fábricas - concentração & massificação. Isto inclui processos auxiliares.
b) racionalização capitalista do processo de trabalho 'indiretamente produtivo', terciário & fases de circulação.
c) dominação da força de trabalho jovem massificada: ruptura subjetiva com a qualificação dos trabalhadores dos 'conselhos de fábricas' de 1917-1920.
SETORES PRODUTIVOS & RECOMPOSIÇÃO
Setores de liderança da recomposição de classe, em termos de produção/reprodução do capital =
AUTOMOBILÍSTICO (nexo do circuito metalúrgico, borracha, vidro etc) e PETROQUÍMICOS.
A atual reorganização/recomposição dos setores (aeroespaciais, de pesquisa, automação de serviços, estoque etc.) corresponde a uma nova iniciativa POLÍTICA do capitalista coletivo para acuar internacionalmente a classe operária, por um período considerável: "Esta iniciativa é POLÍTICA, com o objetivo de alterar a composição e os termos políticos da relação entre as classes e, assim, libertar-se da situação de crise na qual tem sido colocada pelos movimentos da classe operária, em sua luta pela elevação dos salários, no ciclo de lutas anterior."
PORTANTO, estes são setores estratégicos da luta anticapitalista na fase atual. Eles representam um terreno politicamente decisivo: mas é de se esperar que os trabalhadores de fábricas desempenharão um crescente papel PROPULSIVO nas lutas a nível SOCIAL.
LUTA UNDERGROUND x LUTAS ABERTAS E OBSERVÁVEIS
A homogeneização prossegue apesar e através da diferenciação tecnológica.
Recomposição = unificação dialética da classe, na luta contra o Capital, que é o nível específico determinado e a forma de acumulação.
**A classe "adequa-se para" e "utiliza" esse nível/forma de acumulação do capital (incluindo a "diferenciação tecnológica") em sua luta anticapitalista: "A classe operária utiliza em sua luta contra o capital sua própria função (global, estrutural, unificada) como classe produtiva do capital."
Tese Chave: utilização de um dado nível & forma (circuitos) do capital pela classe operária.
Luta Underground e Passiva
Na época pós-Taylor/Ford/Keynes, "desperdício" e "lentidão" devem ser coletivamente organizados (não podem ser uma "recusa" individual primitiva). Dada uma contínua reestruturação capitalista da interdependência dos elementos de um processo de trabalho "coletivo" (através do estudo dos tempos e movimentos do trabalho, substituição do trabalho morto por trabalho vivo, programação de circuitos), a própria resistência proletária deve também ser continuamente retomada, de modo sempre mais coletivo, "revolucionando" o modo de produção e o processo de trabalho capitalista.
A ORGANIZAÇÃO, além de progressiva, deve ser informal, condição de flexibilidade e renovação. EM VIRTUDE DISSO, EMERGE O CONJUNTO DO PROBLEMA DA ORGANIZAÇÃO POLÍTICA NA FÁBRICA.
O ataque da Leylands britânica, utilizando o trabalho por peça, desmontou a articulação formal das lutas da classe operária através dos representantes de base (organização histórica), exigindo uma reorganização adequadainformal/coletiva nessa parte da classe.
INFORMAL e COLETIVO: condições reciprocamente necessárias.
Entretanto, a luta "aberta" não precisa "abolir", mas "continuar" ou "reimpulsionar" a luta subterrânea (cf. Alfa Romeu, onde as greves, finalmente abandonadas pelo sindicato, intensificaram o nível das lutas organizadas informalmente).
** "A luta passiva, subterrânea ou molecular, SEMPRE persiste; a organização das lutas pela classe operária existe sempre."
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